domingo, 13 de junho de 2010

LUZ DO SOL - 02

- SEDUÇÃO -
Nicodemos morava no alto da serra plantando e colhendo o que a terra lhe dava. Vivia só em um casebre de barro batido, sem reboco em algumas partes e sem pintura em parte alguma. No quintal viviam as suas criações, como cabras, bodes, ovelhas, carneiros, galinhas e galos. Além de tudo isso, também habitava o quintal da casa um cavalo chucro sem lógica e sem vaticínios, seguindo em frente quando se quer ir para a direita ou empaca num marasmo irritante. Além do cavalo havia também um boi que servia também para capinar o mato onde Nicodemos costumava a plantar coisas que ele consumia e vendia na feira livre da cidadela todos os sábados quer chovesse ou fizesse sol. Ninguém passava por perto do cercado de Nicodemos por causa da falta de asseio do homem. Ele vestia uma calça folgada apertada na cintura por um cordão de embira, cujas pontas ele dava um nó e uma camisa aberta sem botão e quase sempre rasgada. Nicodemos não tinha pai, mãe e nem sequer irmãos. Sua mãe faleceu quando ele nasceu. Seu pai viveu mais alguns anos morrendo de febre tifo na mesma casa onde ele morava. A sua casa ficava isolada completamente das outras, com uma distância enorme que dava para notar. O seu terreno era amplo, herança de seu avô. Quando era estio lá estava Nicodemos a plantar batatas, jerimum, mandioca e tantas outras coisas que lhe aprouvesse. O homem nunca teve mulher e o seu pai ficara só depois da morte da mulher, a cuidar do filho. Quando seu pai morreu, Nicodemos tinha seus 13 anos de idade. Ele mesmo enterrou seu pai no quintal de sua casa como seguiam os mais velhos. Branco de cor, mas por conta do sol, sua pele era enrustida. Alto e forte, de mãos calejadas por força da enxada, do machado e da enjó, assim era aquele homem. A água que apanhava vinha de um cacimbão que o seu avô fizera há muitos anos. Ele buscava em um pote e deixava na cozinha onde as paredes pareciam cair aos pedaços. O quarto de dormir tinha uma cama, um camiseiro e uma banca onde ele acendia todas as noites seu candeeiro. A sala era como as demais divisões da casa, feita de barro batido. Uma mesa de quatro pernas e dois tamboretes de três pernas nem tão seguros assim. Quando chovia, no tempo do inverno, caía mais água dentro da casa que do lado de fora. Ele olhava o telhado e contava os buracos. Logo depois seguia para a sala e de lá olhando do alto notava se a chuva ia passar. Quando então a chuva amainava Nicodemos puxava o seu boi “Manso” e voltaria a plantar e colher. O seu cavalo chucro sempre estava no celeiro. Era besteira chamar pelo seu nome “Cardume”, pois o chucro não estava nem aí. Ele ficava dias e noites naquele celeiro, às vezes em pé, outras vezes deitado se espojando no resto de estrume que ele mesmo plantava. Assim vivia Nicodemos ao lado do seu cavalo e do seu boi além de tantas criações. Quando era sábado, ele estava logo cedo da cidade. Vendendo e comprando o que dava para comprar. A feira era armada no centro da cidade onde havia residências de morada de outros fazendeiros ou mesmo de gente simples do lugar. Ninguém notava a presença de Nicodemos e ele não dava atenção a ninguém.
Foi assim que, certa vez, uma moça que ele nunca vira estava na janela de uma casa grande existente onde se armava a feira. Ele notou a presença da moça e ficou a olhá-la por um bom pedaço de tempo. No sábado seguinte ele estava logo cedo da feira fazendo seus negócios e olhando para a casa da jovem moça para tentar olhar por uns instantes aquela donzela. Porém, a moça não aparecia na janela e ele ficou deveras aborrecido com sua decepção em não vera donzela. Passadas as horas, Nicodemos viu surgir do lado de dentro da sala a donzela que ele tanto ansiava. Dessa vez, a moça passou de um lado para outro da janela e desapareceu. Ele ficou horas e horas esperando ver a donzela porque os seus sentidos eram tão poucos para perguntar o seu nome ou coisa assim tão trivial. Então, depois de muitas horas ele voltou para a sua fazenda. E trabalhou, trabalhou e trabalhou a semana inteira para ver se os dias passavam mais rápidos para ele chegasse a ver a sua meiga donzela. Por fim chegou o sábado e lá foi ele com seu burro chucro, andando e parando, seguindo para a direita quando devia seguir em frente por seu irritante marasmo. Mesmo assim, Nicodemos teve a divina paciência de esperar o destino que o burro faria. Ao chegar à feira do centro da cidade, a janela onde a moça morava ainda estava fechada. E assim ficou por várias horas. Foi então que ele ouviu alguém falar de uma donzela que morrera naquela semana e morava na casa que estava fechada. Nicodemos procurar ouvir melhor e as pessoas lamentavam o fim da donzela da casa grande. Era tão meiga a moça que não parecia sofrer de nenhuma doença. Mesmo assim, era sabido que ela morrera de uma enfermidade do pulmão. A moça chegara naquela casa grande ha cerca de um mês para se tratar da fraqueza do pulmão. Não agüentou muito tempo e, por fim veio a falecer da quarta-feira para a tranqüilidade dos seus familiares. Ele ouviu tudo isso, muito embora não tenha sabido do seu verdadeiro nome. E também não perguntou a ninguém apenas seguiu em se cavalo chucro estrada a fora com a cabeça abaixada como que se estivesse a chorar pelo sentido ingrato que a vida lhe armara. E assim, seguiu ele em frente quando sem que nem porque viu a jovem donzela a caminhar na sua frente, sozinha que lhe assustou. Com certo receio de falar com a donzela acompanhou apenas o seu trajeto pela estrada. Por fim, depois de longo e esquisito tempo sentindo um pouco mais de coragem, não suportando por mais nenhum pouco a sua aflição dilacerante, Nicodemos resolveu a indagar da bela moça donzela:
--- Você não é a moça que morreu? – perguntou Nicodemos aflito.
A moça então sorriu com suavidade para depois responder.
--- Não. Ela era a minha irmã gêmea. – respondeu a jovem.

sábado, 12 de junho de 2010

LUZ DO SOL - 01

- A PIANISTA -
Eurídice era uma menina de apenas sete anos de idade. Em sua casa tinha um piano cujo dono era o seu pai que recebeu por herança de sua mãe, pianista nas horas vagas porque no seu tempo o piano era o melhor instrumento de sua época, vez que não havia rádio. Quando muito, havia gramofone. E a então mocinha se deleitava ao piano tocado peças para a sua família que se agradava de ouvir as melodias suaves de concertos, sinfonias e suítes. Quando o pai de Eurídice herdou o instrumento o deixou encostado em um canto da sala e nunca mais ouviu nenhum som do piano, pois a sua mãe morrera muito cedo e ele não se aventurou em tocar piano. Certo dia, Eurídice, quando entrava na sala ouviu alguém falar para com a menina que, de imediato teve um leve susto. A voz dizia:
--- Psiu! Venha até aqui! E toque-me as teclas! – disse a voz que Eurídice não sabia de onde vinha.
--- Quem está falando? – perguntou a menina meio assustada.
--- Sou eu. Estou aqui, olhe! Toque alguma coisa! Minhas teclas estão ficando idosas e as minhas cordas quase que não servem mais! – respondeu a voz.
--- Mas onde é que você está? – voltou a perguntar a menina.
--- Aqui. Bem na sua frente. Venha mais para perto de mim. Estou tão melancólico! – respondeu a voz bem suave.
--- Mas aí só tem o piano! – respondeu Eurídice um pouco admirada.
--- Sou eu mesmo. Nunca mais alguém veio me despertar de meu sono letárgico. – respondeu o piano de seu modo taciturno.
--- E piano fala? –perguntou a menina um pouco chocada.
--- Fala. Quer dizer. Às vezes fala. Com as meninas que apreciam musica. – respondeu o piano.
--- Eu nunca ouvi você falar comigo. – respondeu Eurídice meio acanhada.
--- É verdade. Nunca falei com você. É que eu estava com medo de chamar você. Sabe? – disse o piano à menina.
--- A questão é que eu não sei se posso tocar em você. Está todo fechado. – falou Eurídice encabulada do seu modo de ter que dizer que não sabia nem tocar piano.
--- Pode, sim. E se não souber, eu ensino! – respondeu o piano sorrindo.
--- E como é que eu abro você? – pesquisou Eurídice como quer e não quer.
--- Assim, olhe! Abra esse negocio que tem ai na frente parecendo uma tampa. Lá dentro você encontra o teclado. São 85 teclas. As brancas e as de cor preta. As brancas são de notas naturais e as de cor preta são as acidentais. Entendeu? – perguntou o piano sorrindo.
--- Não. Não entendi coisa alguma! – reclamou Eurídice envergonhada.
--- Não tem importância. Com o tempo você aprende. O negócio é me fazer tocar belas melodias para o seu deleite. – respondeu o piano cheio de entusiasmo.
--- Mas eu não sei fazer isso. – argumentou a menina envergonhada.
--- Eu já disse que te ensino? Então eu vou te ensinar! – sorriu o piano.
--- E como eu faço para você me ensinar? – perguntou Eurídice um pouco entusiasmada.
--- Sente aqui nesse banquinho que tem na minha frente. – respondeu o piano cheio de entusiasmo.
--- Esse banco velho? Está cheio de poeira! – respondeu Eurídice ao olhar um banco.
--- Não tem nada não. Você passa um pano nele. – respondeu sorrindo o piano.
--- Nesse caso eu vou lá dentro buscar um pano velho. – replicou Eurídice.
--- Não! Não!Não! Espere um pouco. Você limpa com seu vestidinho! – sorriu o piano.
--- Meu vestido? Você acha que eu sou doida? – indagou Eurídice com cara de espanto.
--- Deixa pra lá. Você faça como quiser. Afinal eu não tenho muito tempo de vida! – chorou o velho e maltratado piano.
--- Tá bom! Não precisa chorar. Eu limpo com o meu vestidinho mesmo. – respondeu a menina constrangida com o choro do piano.
--- Eu sabia que podia contar com você. Agora abra para ver o meu teclado. Cuidado! Lá embaixo tem três pedais. Você tem pernas curtinhas e não pode mexer com eles. – respondeu o piano desconsolado.
--- Posso, sim! Quem disse que não posso? – indagou atrevidamente Eurídice.
--- Eu pensei que não podia! – reclamou o piano meio acuado.
--- E que tem nesses pedais? – perguntou a menina desconfiada.
--- É o seguinte; o da direita permite que as cordas que eu falei que tinha dentro de mim, vibrem livremente, com o prolongamento do som. Os da esquerda desviam ligeiramente a posição dos martelos, fazendo três cordas soarem mais suavemente. Sei que isso é muito complicado para ensinar a uma menina. E eu que já estou muito velho aí é que não dá para ensinar
--- É mesmo. Não entendi nadinha. E tem um no meio. Pra que serve? – perguntou Eurídice.
--- Esse é o sustenido. Mas deixa pra lá. Só queria que você abrisse para ver como eu estou velho. Muito velho. Nem as teclas me servem mais. – falou o piano quase dormindo.
E a menina Eurídice nem teve tempo de acordar aquele velho piano. Ela fechou a portinha das teclas e o deixou dormir para sempre. O piano já estava no final da vida.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

LUZ DO SOL - 26 -

- ANA LUNA -
- 26 -
Via-se na expressão de Luna, desobedecendo a seu próprio pai, a atitude de provocar o Barão de Itabira a tomar uma enérgica decisão para mostrar sua coragem de experimentar a troca de tiros entre ambos. Luna não sabia da destreza do Barão, pois poderia ser bem rápido em comparação a moça. Casso viesse a ser, ela estaria em terrível desvantagem. O seu pai era bastante rápido do sacar, mirar e atirar. Porém, ela não vira de fato o Barão em que condições ele estava. Ouvindo-o desacatar o coronel Ezequiel, o Barão poderia até ser mais rápido. Portanto Luna nem pensou nesse fato. Ela queria desafiá-lo para um duelo, pois assim estaria protegendo o seu próprio pai, episódio que Luna unicamente temia. Ao chamar o Barão por nomes tão desafiantes, a moça deixava o seu algoz em situação envergonhada. Tais palavras, ele jamais ouvira alguém dizer para com ele. Por isso, o Barão tinha que tomar uma decisão.
--- Cabras! Arrastem essa menina do caminho! – vociferou o Barão bastante irritado.
Nesse momento, uma voz a mais foi ouvida. A de Temístocles:
--- Barão! Não creio que o senhor faça uma coisa dessas, pois alguém morre primeiro. – falou Téo.
Temístocles pulou ao lado de Luna e o Barão, de imediato, retrocedeu fazendo com a mão abaixada que os dois capangas podiam parar um pouco.
--- Quem é você fedelho? – perguntou o Barão com mais raiva então.
--- Amigo de Luna, se quer saber! – falou alto Téo.
--- Esperem vocês. Deixa comigo. Enfrento o Barão! – falou o coronel com pavor de ver dois garotos em sua defesa.
--- Assim é que gosto de ver! – comentou o Barão entusiasmado.
--- Espere meu pai. Ainda tenho o que falar. Foi o Barão quem matou sua mulher. Esganou a coitada, cuspiu na cara dela e enterrou no próprio quarto em que dormia. Agora é a vez dele se defender. - falou Luna procurando uma brecha para fazer o Barão se enervar.
--- Desgraçada! Quem lhe falou tal coisa? – gritou enervado o Barão e empinou seu cavalo, com as patas dianteiras, puxou o revolver para atirar no momento em que Luna puxou seu 45 e atirou primeiro no homem atingindo mortalmente no peito.
Então se ouviu um segundo tiro. Téo disparou seu revolver contra um dos capangas que ameaçava atirar. E um terceiro. Guacira alvejou o terceiro capanga mortalmente. Foi tudo tão rápido que nem sequer se percebeu quem teria atirado primeiro. O coronel desceu do palanque e quis tomara arma da mão de Luna. A moça, de repente, olhou o Barão e gritou:
--- Cuidado meu pai! – e lhe deu um empurrão ao mesmo instante em que atirava em seu rival.
Foi então que o Barão sucumbiu. Não deu tempo a coisa alguma. O Monsenhor Bento que estava no coreto rezava para o Céu pedindo clemência a Deus. Pedia ao Senhor clemência por aquelas mortes. Homens que bem podiam viver em paz. O rezava o Monsenhor contrito. E pedia a Nosso Senhor clemência por aquelas almas. O pessoal que estava no coreto ficou de boca aberta com a precisão de Luna ao certar bem no peito o Barão de Itabira. Todos falavam a um só momento. O major Pontes de Mesquita era o mais vibrante com a atitude da moça:
--- Nunca vi uma coisa dessas! – dizia o major com euforia.
--- Imagine lá na fazenda! – replicava o capitão Zenóbio.
--- Ela é terrível! – dizia o Delegado Euclides.
--- Tem a quem puxar! – dizia Zenon.
A moça estava cercada nesse instante pelo pai, por Guacira e o seu marido Intendente Sebastião Sabugo, o rapaz Temístocles que ajudava a trazer para o Coreto enquanto que outras pessoas presentes vibravam com a morte do Barão de Itabira. O coronel Ezequiel perguntou a Luna que história era aquela da morte da esposa do Barão. Luna respondeu que ouvira de sua mãe há muito tempo.
--- Mas é verdade mesmo? – perguntou Guacira.
--- Você viu como ele reagiu? – indagou Luna ainda tremendo de medo por que passara.
--- É verdade, sim. – respondeu o coronel muito angustiado por causa da filha Luna.
A mulher do coronel, Maria Rosa, veio depressa para junto de Luna para lhe confortar. O mesmo ocorreu com as suas três irmãs, Vera, Olga e Eunice. Cada qual queria fazer o de melhor para Luna que se sentia sufocada por tantos abraços e carinhos. O Delegado Euclides ordenou que se levassem os cadáveres para o necrotério da Delegacia enquanto que o Intendente Sebastião Sabugo, já perto de sua mulher Guacira advertia que era preciso conversar sobre o necrotério com urgência. A Praça do Coreto ainda estava vazia de gente temerosa com o que viu ocorrer em poucos instantes. Lentamente o pessoal foi se acercado do local do crime para verde perto o Barão de Itabira, homem que era uma verdadeira lenda para os munícipes, pois não se via o Barão há muitos anos a passear pela Vila. Ele era uma verdadeira lenda. Todos falavam no Barão de Itabira. Porém ninguém costumava vê-lo nem por um instante. Alguém falou no caso da Baronesa que morreu misteriosamente. Mesmo assim, só se ouvia falar que o Barão tinha trucidado a esposa. Coisa que não se provava com consistência. Então, o delegado do novo município já estava com um mistério para desvendar, falou alguém do meio do pessoal assustado. Foi então que naquela hora o coronel Ezequiel Torres se assentou da poeira e disse sem mais conversa.
--- O Município Riacho das Pedras está inaugurado. Acabou a sessão. – falou com destemor o coronel aos presentes.
O povo ficou na praça vendo a remoção dos cadáveres dos mortos, a ação do Monsenhor Bento em encomendar os corpos e o delegado Euclides Castanheira seguir para a delegacia policial onde faria o documento da ocorrência. O Intendente Sebastião Sabugo foi até a sede de a Municipalidade fazer o relatório do ocorrido em companhia o Coronel Ezequiel que não deixava a sua filha Luna, a sua mulher Rosa que não se apartava da filha, as outras filhas do coronel, o Major Pontes, o capitão Zenóbio e todos os componentes do secretariado para que pudessem tomar posse nas suas pastas. O Monsenhor Bento, depois de algum tempo, também chegou à sede do Município. O até terminou por volta de 1 hora da tarde quando as damas pegaram as suas Liteiras para evitar sujar seus vestidos e por outras razões. Apenas Luna pegou o seu cavalo Branco, pois era assim que ela chamava o corcel e acompanhada do rapaz Temístocles a quem chamava de Téo rumou direto para a sua fazenda. Guacira vinha logo atrás com ordens de suspender o cerco em torno à fazenda, pois com a morte do Barão de Itabira não restava mais míngüem que mandasse ou desmandasse para fazer um novo atentado. A casa do Barão ficara sem proteção alguma. Os vaqueiros deviam debandar o feitor, desse nem se sabia ao certo e os negros escravos deveriam ter a sua liberdade prematura.
Na sala de visitas, encontraram-se os que estavam chegando, inclusive o feitor Rafael Zenon. Todos estavam ligeiramente compadecidos por tudo o que houvera. A moça Luna, num instante, sentada em uma poltrona, encostou sua cabeça no ombro de Temístocles e começou a chorar. Um choro triste e sem consolo. Lágrimas puras caíram dos seus mimosos olhos e ela não se conteve em abraçar o rapaz que lhe fazia carinhoso afeto sem dizer palavras. Rosa, a mãe de Luna também se ajoelhou aos pés da filha para poder lhe consolar. As irmãs ficaram ali como se pudesse fazem algo para consolar a irmã. Porém, Luna somente fazia chorar copiosa ao ombro de Temístocles como quem estivesse algo de proteção.
--- Por que Téo? Por quê? – foi o que se ouviu de Luna querendo ter um amargo carinho de quem pudesse dar.
--- Sossegue Luna. Sossegue. O que está feito, está feito! – disse o rapaz.
Ouviu-se um ruído que tomou forma maior. Um ruído ensurdecedor de homens eufóricos a cavalo que chegavam a Casa Grande vindos da cidade. Eram o coronel Ezequiel e os seus companheiros que chegavam para fazer a festa de emancipação do Município no cercado da residência. As três moças correram para fora e receber os novos mandatários do Município de Riacho das Pedras. Em canto, Luna ficou calada sempre ao ombro do seu amigo ao pedir um pouco de carinho. A sua mãe deitou a cabeça em suas pernas, pois era tudo que podia fazer.
No pátio interno da Fazenda Maxixe o sanfoneiro Felix com a sua concertina animava a festa para toda a freguesia que, animada, dançava, pulava, gritava e de todo modo festejava a inauguração do novo município. Eram as pessoas da Fazenda e de outras fazendas próximas ou afastadas, como a Fazenda “Lavrador”, do Major Pontes de Mesquita e a Fazenda “Arroio do Boi”, do capitão Zenóbio Manso e de outras fazendas mais distantes. Foi festança que durou não menos de três dias com o pessoal regozijado com a glória de emancipação ditada pelo Coronel Ezequiel Torres. Nesse instante de bravura o rapaz Temístocles teve a ação de pedir em casamento a moça Ana Luna, pois eles já estavam de namoro. O coronel Ezequiel, logo assumiu o desejo do rapaz tendo em vista que ele salvou da morte a sua filha e esta foi quem salvou o coronel Ezequiel no ato da extremada confusão imperante em praça pública.
Então, passados os meses, houve o proclama do feliz casamento entre os dois pombinhos: Ana Luna e Temístocles Mangabeira, pois esse era o seu nome completo. Eles foram morar na nova cidade e, com o tempo, Temístocles se tornou Intendente e Sebastião Sabugo foi ser Deputado. Sua esposa era assessora de deputado do seu marido. O Coronel Ezequiel continuou zelando pelo município de Riacho das Pedras até tempos infindos. Os de Nicácio Pereira fizeram as pazes com o coronel e não mais abriram confusão na cidade. Na administração de Temístocles Mangabeira aumentou-se o calçamento da cidade e se fez ampliação das luminárias a óleo e o esgotamento das partes mais sacrificadas pela chuva. Deu-se educação, saúde, cultura entre outros benefícios para a população carente. O Município tornou em um polo exportador de carne bovina, ovina e caprina para locais menos providos de tais alimentos.
--- Parece que estamos acertando, Luna! – disse certa vez Temístocles.
--- Parece, não! Estamos acertando! – respondeu Luna entusiasmada na sede da Prefeitura.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

LUZ DO SOL - 25 -

- ANA LUNA -
- 25 -
Quando Temístocles e Luna chegaram a Casa Grade da Fazenda toparam com um punhado de gente guarnecendo ampla extensão de terras. Gente armada de toda sorte de fuzis, pistolas, punhais e o que permitisse se defender ou matar. Era um verdadeiro campo de guerra a Fazenda Maxixe, coisa que nunca tinha visto em sua vida apesar de saber que todos os donos de terra teriam meios para fazer igual ou mais resistente. O sertão bravio do Nordeste brasileiro, naqueles tempos, tinha igual capacidade de enfrentar a morte quer na seca quer no inverno. Era o destemor do homem pela vida amarga que ele vivia. Dura era essa vida na área pobre do sertão. A cultura existente era distinta e única. O vaqueiro enfrentava a vegetação rasteira e espinhosa. Roupa de couro para andar no mato era a característica do vaqueiro. Calças, gibão de couro, jaquetas com mangas alongadas era o feitio do vaqueiro ou do jagunço e mesmo do capitão-do-mato o caçador de escravos fugidos. E na Casa Grande de Luna a característica era pior. Quando os dois atiradores se aproximaram ouviram apenas um grito:
--- ALTO!!! QUEM VEM LÁ? – perguntou a voz de quem não se podia ver.
Sabendo que ficar calada era sinal de morte, Luna respondeu descobrindo o chapéu que lhe cobria o rosto moreno tangido pelo sol.
Então um jagunço se aproximou por trás e conferiu o que a moça dissera. Ela falou a verdade. Mas o jagunço desconfiou do homem que estava com a moça, pois não o conhecia. Então Luna falou que o rapaz era amigo da moça. Eles estavam chegando da Fazenda Arroio do Boi. Mesmo desconfiado o bugre perguntou a alguém que estava por perto:
--- É verdade. Deixe passar. – disse uma voz de mulher.
Então Luna obteve permissão de passar adiante com o seu companheiro Temístocles que ela acostumou chamar apenas de Téo, pois o nome completo era muito complicado para se chamar. Foi isso que Luna falou a mulher que atendera ao seu chamado. A mulher vira então que na verdade era Luna e perguntou quem era o rapaz. Foi assim que Luna falou em Téo. A mulher que Luna falou era Guacira. Toda encapuzada, não havia quem dissesse ser na verdade Guacira. Tudo reparado ao entrar pela cancela da fazenda, Luna disse a Guacira, ao andar para a casa, que o combate se deu satisfatório e ela chegara um pouco mais cedo. Pelo tempo que se aventava, eram para mais das 9 horas da noite. Luna não sabia a que horas estaria vindo para sua casa o seu pai, conforme disse a Guacira.
--- Talvez deixe para vir amanhã. Hoje é muito difícil. Pode ter capitão-do-mato no meio do caminho e ele é muito precavido com isso. – falou Luna temerosa.
--- Também acho. Me conta como foi a encrenca por lá. – falou Guacira risonha da vida.
--- Normal. Eles ficaram bebendo na Casa Grande após a luta. Eu penso que matamos todos os bugres. Não foi Téo? – perguntou Luna ao seu companheiro.
--- Todos menos um. Eles eram todos do Barão. Tenho a impressão que o rapaz da mensagem não deu tempo a chegar da Fazenda dos Pereira. – respondeu Téo.
--- Deve ter sido isso. – respondeu Luna inquieta.
--- E Téo de onde você conhece? – perguntou Guacira, temerosa.
--- Ele é o capataz da fazenda do capitão Zenóbio. Foi ele quem me ajudou no tiroteio. Ele é bom de verdade. Muito bom mesmo. – respondeu Luna, orgulhosa do rapaz.
--- Que nada. É conversa dela. –sorrio o rapaz Téo querendo não se expor.
--- Ora não foi! Quer me desmentir? Ele acerta sem olhar, Guacira. – comentou Luna satisfeita.
E a conversa prosseguiu até que os três chegaram a Casa Grande e Luna chamou por Rosa, sua mãe procurando saber se tinha café feito, pois teria que dar como presente e recompensa ao jovem Téo. E conversaram eles três até altas horas da noite relembrando quando então foram dormir. Guacira teve que ir às trincheiras a recomendar ao seu sucessor que não dormisse no ponto. Queria todo que estivessem em ordem até o amanhecer. O Delegado Euclides Castanheira ficou acordado por toda a noite. Antes, porém ele foi notificado por Guacira que a guerra havia terminado a favor do coronel Ezequiel. Com isso O Delegado ficou tranqüilo. Porém sabia que se havia de redobrar a vigilância por toda a madrugada, pois o Barão de Itabira não deixaria a derrota sem marca.
Quando chegou as 7 horas da manhã, o grupo do coronel Ezequiel retornou à Fazenda tendo a frente o coronel seguido do Intendente Sebastião Sabugo e do feitor Rafael Zenon. Ao entrar no terreno da fazenda ele gritou com entusiasmo;
--- Viva os vaqueiros que lutaram nessa guerra! – gritou o coronel Ezequiel cheio de empáfia.
---- Viva!!! – gritaram os vaqueiros cheios de orgulho.
Daí em diante os vaqueiros tomaram o seu destino, cada qual procurando sua família ou mesmo um canto para repousar do cansaço da luta renhida. Na varanda da Casa Grande, estavam os dois garotos da luta: Luna e Temístocles. Logo depois podia se notar Guacira, o Delegado Euclides e a esposa do coronel, Maria Rosa e o seu filho menor, Euclides Luna e as três filhas do coronel Vera, Olga e Eunice Luna cheias de contentamento pela vitória do coronel Torres. Todos eles entraram na Casa Grande, uns abraçados aos outros e todos sorrindo a grande monta. Eles cantaram e dançaram ao som da concertina do velho Felix que não saia de perto da fuzarca.
No domingo seguinte, quando ainda era prudente se conservar os capangas em torno do cercado feito para proteger o ambiente da Casa Grande, a festa continuou na praça da matriz onde o Monsenhor Bento celebrou a missa para todos os presentes. Na rua, as liteiras que conduziam as senhoras damas e suas filhas se apinhavam em frente à matriz e ao coreto. A rua principal era toda calçada com lajes de pedras e arborizada com os pés de acácia. Os lampiões só eram acesos por dois lampioneiros quando era à noite. Após a Missa, foi feita a emancipação política da Vila que tornava Município. O seu Intendente continuava a ser o Doutor Sebastião Sabugo tendo como homem forte o Coronel Ezequiel Luna Pontes. Vários discursos foram feitos pelo Major Pontes de Mesquita, o capitão Zenóbio Manso, e o coronel Ezequiel Luna Torres. Quando estava discursando o coronel no coreto da praça publica perante toda a gente da vila, então Município Riacho das Pedras, gente vinda do interior mais distante para a nova cidade e ver suas bandeiras ornamentadas, inclusive a bandeira municipal eis que surge no meio da multidão a figura do Barão de Itabira. Ele era um homem agigantado, corpulento, vestindo roupas finas feitas para uma ocasião nobre. Ao seu lado, apenas dois vaqueiros. Ele, armado com trabuco. De cima de seu cavalo o Barão então falou:
--- A conversa é apenas com nós, coronel. Apenas com nós. – falou o Barão de forma arrogante.
A filha Luna olhou para o seu pai Ezequiel e notou que ele não trazia revolver. Estava desarmado. Porém, deu espaço ao tempo.
--- Que é que o senhor quer Barão? – indagou com altivez o coronel.
--- Arme-se e vamos duelar. Apenas nós dois. – respondeu o Barão de forma rude.
Nesse momento Luna pulou a frente do coronel Ezequiel e entre o Barão de Itabira e o convidou para duelar com ela, pois a moça queria duelar com o Barão.
--- Saia da frente moleca! Não sei quem você é! E não duelo como moleca! – respondeu o Barão.
--- Eu não sou moleca como o senhor pensa. Sou Luna! Ana Luna! – respondeu a garota de forma atrevida.
--- Saia da frente menina. Deixe que eu me ajuste com o Barão! – reclamou Ezequiel zangado.
--- Não, pai. Quero ver se ele tem coragem de duelar comigo! – disse Luna sem se virar com olhos tesos no Barão.
--- Caia fora garota. Aqui é luta do homem grande! – vociferou o Barão com raiva.
--- Saia do meio menina! - gritou o seu pai desaforado.
--- Não saiu. Quero ver se ele é homem agora. Se não tem capanga para lutar! Se não é frouxo! Covarde! Canalha! Puxe a arma Covarde! Puxe a arma! Ninguém se meta! – bradou Luna.
O Barão já estava impaciente por conta da desaforada garota. Espécie atrevida e com certeza, molenga como qualquer uma que aparecesse por ali. O povo que estava na Praça da Matriz saiu em debandada procurando um lugar para se esconder. Até mesmo um grupo formado por gente de outro Município próximo, que organizava uma banda de musica, caiu fora apavorado temendo o acontecimento vital.
--- Puxe a arma. Corno! Puxe! Covarde! Ladrão! – pronunciou Luna de olhos firmes chispantes e mão na cintura coçando o cabo de seu revolver 45 todo prateado, cabo de madrepérola, presente que o pai lhe dera.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

LUZ DO SOL - 24 -

- ANA LUNA -
- 24 -
O Coronel Ezequiel ficou então mais brabo que uma fera pela primeira vez enjaulada e quase não podia responder às perguntas de Zenon. Enfiou-se no gabinete e disse manso como uma ovelha como se nada tivesse acontecido. Falou o mais tranqüilo que podia ser. Apenas, isso na pura aparência, pois em seguida bradou igual uma onça. Vibrou sobre o birô e exigiu rapidez no que dizia, pois enfim a causa era de tamanha importância e o coronel queria rapidez no que havia dito.
--- Atiradores e dos bons. Quero juntos 150 homens. Entendeu? – falou bem alto e com muita raiva o coronel Ezequiel.
--- Sim senhor. Num instante. – respondeu Zenon como quem faz com medo.
Enquanto os atiradores – jagunços na sua maior parte – se reuniam para obedecer a extrema ordem do coronel esse ficou a conversar com Sabugo e o Delegado de forma atenta as respostas que ouvia de ambas as partes. Uma coisa era certa: a festa do próximo domingo estava cancelada. Disso o coronel nem queria mais saber. Era a vez de saber como se faria então na completa proteção do capitão Zenóbio Manso. O caso foi o seguinte. O capitão Zenóbio enviou carta para o delegado Euclides pedindo que ele fosse até a fazenda do coronel Ezequiel. Em lá chegando dissesse ao coronel que ele - o capitão – havia interceptado uma mensagem do Barão de Itabira para o fazendeiro Nicácio Pereira onde dizia que estava pronto para invadir a fazenda do capitão Zenóbio Manso do dia seguinte que era então aquele dia. A carta de aviso caiu do bolso do jagunço que a levava e, por tanto, era a vez de se arranjar defesa para enfrentar os jagunços do Barão e dos Pereira, pois na certa eles invadiriam logo depois a fazenda Maxixe, do coronel Ezequiel por conta da festa que estava programada para ocorrer no domingo, véspera de São João, padroeiro da vila que tornaria município de vez. Se o jagunço não entregasse a carta, não restavam duvidas que parte do pessoal se encontrava pronto para seguir de qualquer jeito. Dessa forma, o pessoal do Barão. O caso era proteger a terra do capitão Zenóbio que ficava próximo da fazenda do coronel e mais distante da fazenda Lavrador do Major Pontes de Mesquita. Por outro lado, o coronel teria que proteger a sua propriedade pondo homens armados e adestrados em torno de ampla margem do cercado.
Quando os jagunços do coronel estavam prontos para matar ou morrer, outro mensageiro do capitão chegou à fazenda do coronel pedindo socorro, pois toda a tropa do capitão estava sob fogo cerrado por um grupo armado de vários jagunços. Ele não sabia dizer de quem eram os atiradores. O grupo armado do Coronel Ezequiel Torres partiu em debandada sob ordens do coronel que seguia em frente e do Intendente Sebastião Sabugo com apoio do feitor Rafael Zenon. Ficaram para trás a mulher de Sabugo, dona Guacira, acostumada em se envolver em confusão armada, aguardando novas ordens e o Delegado Euclides Castanheira protegendo o cercado da fazenda Maxixe. Em contrapartida, Ana Luna seguiu por fora acompanhando de longe a tropa do coronel Ezequiel sem que ele suspeitasse. Esse era o primeiro combate de verdade em que se metia Ana Luna e ela não queria perder em nada nem por um instante sequer. Por isso, a moça preferiu distanciar para não ser repreendia pelo Coronel seu pai. Quando a tropa de 150 homens, sob o comando do feitor Rafael Zenon divisou a fazenda somente se ouvia o tiroteio travado entre os dois grupos. Nesse momento. O coronel Ezequiel ordenou que se seguisse pela parte de traz dos jagunços atacantes, pois dali se fazia melhor ângulo de tiro. E foi feito assim. Entrincheirados entre montes e troncos de pau, os jagunços do coronel abriram fogo contra a turma de atacantes. Foi fogo cerrado e a turma teve que se virar para outro lado e fazer fogo contra os rivais que acabavam de chegar. O pior era que não podiam os jagunços sair do local, pois seriam atacados pelas costas ou pela frente. A guerra era continua entre os grupos rivais. Foi nesse instante que apareceu uma amazona fazendo fogo contra os jagunços que tomaram o sitio do capitão. A moça corria desesperada, virando-se para trás, atirando mortalmente nos jagunços que estavam entrincheirados em um barranco onde nem mesmo o coronel Ezequiel podia alcançá-los. Foi uma refrega terrível aquela. Tiros e mais tiros desfechava Ana Luna contra os sequazes que foram tomados de surpresa com a ação da amazona. Em seguida, surgiu um outro rapaz bem moço, atirando sem parar fazendo com que os invasores se surpreendessem de monta. O coronel Ezequiel, cruelmente surpreso e desapontado, perguntou no meio do tiroteio:
--- Quem diabo é essa moça? – perguntou Ezequiel amedrontado em atingi-la com um tiro.
--- É sua filha, coronel. – respondeu Sebastião Sabugo, sorrindo.
--- Eu sei! Ora! Quer dizer a mim? – falou desesperado o coronel.
E Sabugo começou a sorrir em meio de aquele intenso tiroteio. O coronel não respondeu mais fazendo apenas:
--- Porras! – fez o coronel com raiva e precaução.
Quando atingiu o alto de um lajedo, Ana Luna viu logo de perto sob a luz do entardecer todos os jagunços. Ela então abriu fogo contra eles disparado doze tiros de rifle acertando em cada um mortalmente. Abaixou-se então para recarregara arma enquanto no outro extremo um rapaz fazia fogo de uma pequena distancia, contra os invasores. O coronel ordenou toque de avançar e pegou de surpresa o restante do bando que logo se entregou, pois não havia como revidar ao ataque. O coronel Ezequiel, sufocado pelo terror da morte perguntou aos jagunços:
--- De onde vocês são? – perguntou o coronel extenuado.
--- Da terra do Barão de Itabira, senhor. – confessou um dos jagunços.
--- E o resto dos que estão mortos? – indagou o coronel.
--- Também. Todos de lá. – respondeu o jagunço.
Nesse ponto já estavam juntos a moça Ana Luna, o rapaz Temístocles que ela não o reconhecera, o Intendente Sabugo, o feitor Zenon e o capitão Zenóbio. Foi então que o coronel ordenou com extremada violência.
--- Matem todos e deixe um para ir contar ao Barão de Itabira o que resultou do morticínio. – disse o coronel se afastando então em companhia de Zenóbio, Sabugo e vindo atrás a sua filha Luna.
No morticínio participaram os feitores Zenon, que escolheu o que tinha de escapar com vida, o feitor Temístocles e um bando de jagunços sanguinários do coronel Ezequiel e do capitão Zenóbio, homens destemidos para matar.
Ao chegar na Casa Grande do capitão Zenóbio, todos os presentes contavam eufóricos a valentia dos seus homens. No entanto, se esqueceu de falar em Luna, a jovem moça que decidiu a peleja com seu rifle de doze tiros. Também não se falou no destemor de Temístocles, que igualmente com Luna resolveu o impasse que estava correndo. Foi então que Luna se apresentou ao pai pedindo permissão para ir embora. Em tal momento, todos da casa olharam confusos para a moça, pois até aquele momento não se ouvira falar em Ana Luna. Então foi quando o coronel teve um estalo de memória e disse:
--- Essa é minha filha. E se não fosse a sua ação de destemor nós ainda estaríamos brigando ou talvez mortos. Ela é Ana Luma! – bradou o coronel Ezequiel Luna Torres.
E os presentes na sala contemplaram pela primeira vez a face de Ana Luna, a moça que em meio ao tiroteio enfrentou aos jagunços invasores. Foi ela e Temístocles quem decidiram à questão pondo fim a escaramuça que estava se prolongando há muitas horas. Então todos os presentes gritaram:
--- Viva Luna! Viva Luna! Viva Luna! – gritavam os presentes na euforia da vitoria.
Ela agradeceu a todo e quando já estava a partir, eis que chegou o feitor Temístocles, dando conta do que se fez e perguntou ao capitão Zenóbio onde enterraria os mortos. O capitão, eufórico, apenas disse ao rapaz:
--- Manda a cambada enterrar no riacho. Sacode lá. É gente que não serve pra nada. – comentou o capitão já entupido de cachaça que acabara de beber.
Luna olhou para o jovem Temístocles e voltou a pedir desculpas pelo que aconteceu naqueles dias. O rapaz disse o que já havia dito e tudo estava resolvido. Apenas ele disse que Luna cavalgava muito bem e que sabia atirar com precisão. E perguntou:
--- Quem te ensinou a atirar? – perguntou Temístocles.
--- O mundo. – respondeu a moça meio entristecia por conta das mortes que fizera.
--- O mundo? – indagou assustado o rapaz.
--- É. O mundo. Quer me acompanhar até o meu sitio? – perguntou Luna.
O rapaz olhou para o capitão e obteve permissão. Do mesmo jeito obteve do coronel, pai de Luna. Então, os dois saíram a cavalgar pela estrada a fora.

terça-feira, 8 de junho de 2010

LUZ DOSOL - - 23 -

- ANA LUNA -
- 23 -
Após amplas risadas da moça Luna, ela voltou se comportar como devia estar. O nome Temístocles pode soar estranho para a mocinha, pois na época nomes eram coisas muito raras. Ao terminar de sorrir, ela voltou a perguntar ao gracioso rapaz que já fazia tanta corte como no início. Tendo dito o seu nome, o rapaz tratou de por seu cavalo em marcha, pois estava desiludido com tão jovem e esbelta criatura. Sequer quis saber do seu nome e açoitou a sua montaria. Vendo que o rapaz estava indo embora, Ana Luna se apressou em chamar para pedir desculpas, coisa rara nos seus tempos de mocinha. Temístocles aceitou o pedido feito e reclamou de como foi tratado pela moça. Afinal, Temístocles era um nome como outro qualquer.
--- Mas é porque é um nome tão estranho. Desculpe-me. – voltou a dizer Luna constrangida.
--- Está bem. Não se fala mais nisso. Pode até me chamar de outro nome qualquer. – respondeu o jovem mancebo.
--- Você não fica raiva porque eu sorri de você? – falou Luna ainda forçada.
--- Já te disse que não se fala mais em meu nome. – voltou o rapaz a dizer.
--- Meu nome é Luna. – disse a jovem moça.
--- Luna não é nome. É sobrenome. Qual o seu primeiro nome? – perguntou o rapaz reatando a amizade por um tempo rompida.
--- Na verdade é Ana. De fato. Luna é sobrenome, ou seja, lá o que for. – reclamou a moça.
--- Com certeza você é da família do coronel Ezequiel Luna. – respondeu o rapaz.
--- Sou filha dele. – proferiu a moça.
--- Ah bom. Nesse caso tenho que ir embora. Falar com você é morte certa! – contestou o rapaz.
---Espere. Não faça isso. Não posso nem conversar com você? – perguntou Luna.
--- Pode. Mas eu temo em perder a vida. – contrapôs Temístocles.
--- Chato. Você é chato mesmo. Se não quer falar, pode ir à frente. Não me importo por isso. – reclamou Luna contrariada.
--- Sei de um homem que perdeu a vida por sua causa. – orientou Temístocles.
--- Sabe que você é burro? Você não sabe de nada. Burro! – gritou a moça para o rapaz.
E Ana Luna montou em Branco, o seu cavalo, açoitou o animal, fez finca pé e passou a frente de Temístocles em carreira disparada. O rapaz não ligou para o ato da moça e seguiu vagaroso apenas a pensar.
Com pouco tempo Temístocles chegou à vila que estava toda embandeirada por todos os pontos. A luz era de candeeiro pregado nos postes encurvados para baixo no seu ponto alto. Ainda era cedo da manhã, por isso os empregados da vila não tinham acendido as lâmpadas, coisa que só aconteceria a noite, depois das seis horas. Na vila um cardume de gente festejava a cerimônia que estava para acontecer dentro de mais alguns dias. A chegar a Vila, o rapaz notou apeado o cavalo de Luna na trave de pau da municipalidade. Era o canto reservado para se amarrar cavalos e jegues. Ele passou e foi até a delegacia de polícia para entregar o recado do capitão Zenóbio Manso. Era um papel dobrado e ele tinha instruções de não abrir o envelope. Ao chegar à delegacia topou de cara com o Intendente da Vila e não disse nada a não ser os cumprimentos de quem chega.
--- Bom dia, senhor. O delegado está? – perguntou Temístocles ao Intendente Sabugo.
--- Parece que está. De que se trata? – perguntou o Intendente Sabugo desconfiado.
--- Um recado para ele. E só ele pode ler. – respondeu Temístocles de forma abusada.
--- Então espere. Ele já vem. – definiu o Intendente Sabugo de modo curioso.
Então o rapaz puxou uma cadeira e nela sentou a espera do tal delegado que se chamava Euclides Castanheira, homem que o rapaz desconhecia por completo. O Intendente Sebastião Sabugo se ausentou, entrando para a Delegacia como se fosse chamar alguém. Nesse ínterim apareceu a porta da rua a jovem Luna com um ar como se fosse de desespero. E logo perguntou a Temístocles.
--- O delegado está? – perguntou Luna não reconhecendo Temístocles.
--- Estou esperando por ele. – respondeu Temístocles tranquilamente.
--- Você é aquele que esbarrei no caminho? – perguntou Luna arrebitada.
--- Sou é mesmo, dona Luna. – disse Temístocles sem reclamar.
--- Ah sei. Aqui já prestou. Tem toda sorte de gente. – reclamou Luna de modo atrevido.
--- É uma pura verdade. Estou com a senhora. – respondeu Temístocles de forma alegre.
--- Pois volto mais tarde. – disse Luna, dando as costas como quem sairia.
--- Espere um pouco. Ele não demora. Sinhá chata! – respondeu o rapaz em cima do ato.
--- É comigo, é? É comigo, é? Rum. – a moça saiu desesperada com o insulto.
Então, Temístocles caiu na risada no instante em que o delegado Euclides chegava à sala de audiência acompanhado do Intendente Sebastião Sabugo. Logo o homem perguntou o que ele o rapaz queria.
--- Trago mensagem para o senhor de parte do capitão Zenóbio Manso. – declarou Temístocles entregando-lhe o envelope um pouco amassado.
O Delegado abriu o envelope e leu a mensagem chamando para um lado o Intendente Sabugo para que ele pudesse ler também.
--- Está entregue. Diga ao capitão Zenóbio que eu estou ciente. Pode ir. – disse o Delegado.
O rapaz, nesse ponto saiu da Delegacia e os homens que ficaram passaram a conversar em surdina sobre o que deveria ser feito. O documento era seguro nas informações. E nesse momento, entrou depressa no Distrito a filha do coronel Ezequiel a procura do Interventor Doutor Sabugo. Esse, logo se fez presente. Ela falou com o Intendente que seu pai precisava lhe falar.
--- Ótimo. Porque nós estamos indo para a fazenda nesse momento. E se quiser a senhorita pode nos acompanhar. – relatou Sabugo sorridente.
Então os três companheiros seguiram viagem para a Casa Grande sem demora. Em lá chegando o Delegado Euclides Castanheira foi logo dizendo que tinha uma mensagem para que ele tomasse conhecimento.
--- Não quer saber de mensagem alguma! – disse o coronel meio brabo.
--- É importante, coronel. Talvez mais importante do que o senhor quer saber. – relatou o delegado.
O Coronel Ezequiel olhou bem para a cara do delegado. Passou um silencio de alguns segundos e afinal o coronel foi dizendo.
--- Que mensagem é essa. Me diga. Vamos! – resmungou o coronel inquieto.
--- Esta aqui nesse envelope. – e o delegado estirou o envelope para o coronel.
O coronel Ezequiel leu a mensagem, meditou e sacudiu o papel levemente amassado em cima do birô. Perguntou a seguir.
--- Que diabo é isso? Por que você não me disse logo? Me acha com cara de adivinho? – gritou o coronel perdendo as estribeiras.
--- Se eu disse o senhor não teria creditado. Por isso mostrei a carta. – falou o delegado acanhado.
--- Que está esperando? Pegue os homens. Cinqüenta cem ou mais! – gritou o coronel.
--- Se senhor. Mande Zenon, que é quem pode conhecer o pessoal. – disse o delegado.
--- Isso é uma merda. Zenooooon! – gritou o coronel saindo do seu assento e indo para a porta do escritório.
Em instante o feitor chegou ao escritório perguntando que estava havendo para tanto grito.
--- Não está havendo nada. Mas vai haver. Reúna 150 homens. Imediato! - gritou o coronel.
--- Sim senhor. Mas pra que? – respondeu o feitor.-

segunda-feira, 7 de junho de 2010

LUZ DO SOL - 22 -

- ANA LUNA -
- 22 -
O coronel Ezequiel Torres estava de pé logo cedo como era habito de fazer, acordando às quatro horas da manhã, indo ao curral tomar leite de vaca, tirado na hora conversar com vaqueiros, ouvir história de Troncoso, as mais aberrantes possíveis, dar gargalhadas como ninguém e dançar quando alguém cantava uma canção a qualquer preço. O homem era alegre e feliz quando o tempo era bom para ele. Ninguém ouvia falar em tristeza, mesmo quando ele esteve viúvo por vários anos. Mesmo assim, a sua alegria acabara quando se falava nas pessoas que ele desgostava como o Barão de Itabira ou mesmo na cambada do Nicácio Pereira com quem o velho desgostava para sempre. Os seus empregados eram todos fieis. Quando algum deles lhe faltava à confiança, ele mandava matar, conforme o caso como fez com Manoel Jacó, empregado de muitos anos. Jacó tinha estado com a sua filha, Ana Luna, sem que ela quisesse ou preferisse. O Coronel mandou matar o homem sem dó nem piedade. A não ser em casos extremos como esse, de resto o coronel era um ser normal, até mesmo para com os escravos que ele não considerava escravos como muitos outros donos de fazenda tinham costume fazer naquele tempo. Nesse dia, logo cedinho da manhã, ele conversou assuntos pendentes com o Intendente da Vila, Doutor Sebastião Sabugo, homem jovem, para saber dos preparativos que o Monsenhor Bento já fizera em comemoração ao primeiro ano de administração de seu companheiro. O Intendente Doutor Sabugo sabedor do intuito do coronel Ezequiel em arborizar a rua principal da Vila Riacho das Pedras, mandou plantar pé de Acássia ao longo do trajeto de cerca de um quilometro. Além disso, Sabugo, seguindo parecer de sua mulher Guacira reformou o prédio publico da administração no qual colocou o nome do pai do coronel Ezequiel. O Interventor prestou contas do que fez e o que estava programado para a festividade.
Nesse instante, o coronel ouviu um tombo que estava vindo do curral dos cavalos, coisa que não deu muita importância. Acontece, porém que, naquela manhã a jovem Ana Luna acordara bem cedo e foi até a estrebaria para resolver um assunto em definitivo: montar o corcel brabo. Foi nesse instante que houve o tombo. O primeiro, aliás. Luna, nessa manhã, chamou o vaqueiro Expedito e deu instruções para que ele pusesse sela no cavalo bravio que há dias vinha namorando o animal, e Expedito se espantou com tal ordem. E disse, então:
--- Dona Luna esse animal é brabo. Nunca foi montado. – relutou Expedito temendo o pior.
--- Ponha a sela o animal. Não estou mandando! Ora! – reclamou Luna de modo impaciente.
E o empregado foi buscar o cavalo com medo de levar um coice, pôs arreios, brida, pelego, rédeas, barrigueira e tudo mais que se precisasse fazer. Em seguida deu a dona Luna para que segurasse com firmeza pelos arreios. A moça nem deu resposta. Montou o cavalo e fez força para ele andar. O cavalo não obedeceu não saído do lugar. Estava paradão como uma estátua. Luna fez finca pé e nada. Quando a jovem moça estava desprevenida, o cavalo soltou um relincho para cima e deu um coice levantando sua traseira para trás. A moça se desequilibrou e foi ao chão com todo o corpo. Ficou agachada de quatro pés, sacudiu a cabeça para um lado e para outro. Então se levantou dizendo.
--- Vou montar de novo. Quero ver agora. – reclamou a moça de forma como quem está escaldado.
E montou. Fez finca pé. E o cavalo nada. De novo e nada. Parecia uma estátua o cavalo. A moça torceu a brida e o cavalo nesse momento deu um novo relincho e sacudiu a moça no chão. Depois virou a cabeça para Luna vendo o estrago que estava feito. Lá estava a moça, andando de quatro pés querendo se aprumar. Por fim, se levantou e chegou bem perto do cavalo e lhe disse:
--- Olhe sinhá égua. Você já me derrubou duas vezes. A terceira não vai acontecer. Vou me montar e você vai sair. Senão você se arrepende. Visse? – disse Luna ao cavalo com muita raiva.
Então Luna subiu no cavalo e esse se fez do morto. De repente, o animal sacolejou, pinoteou, espezinhou, fez finca pé torceu a cara, fez de tudo para a moça cair e essa ficou em cima do lombo do animal. Depois de muita luta, o animal se deu por vencido. À passo lento andou tranqüilo até dentro do galpão onde a moça desceu e disse ainda:
--- Viu quem manda sinhá égua? – disse Luna ao cavalo saindo sem contemplação.
E foi para a sua casa, caminhando a passos largos, estando sendo observada por seu pai que, com o barulho dos tombos veio para ver o que se passava; sua mãe Maria Rosa; Guacira e seu marido, e um monte de gente. Caminhou Luna até a porta de casa quando ouviu o relincho do cavalo se erguendo todo no meio do curral.
--- É a sua. E vá pra merda sinhá vaca! – disse Luna ao cavalo entrando em casa com seu jeito arrebitado.
Nesse ponto, o coronel caiu na gargalhada. Deitou-se no chão sem parar de sorrir, batendo com a mão do assoalho e apontando para a porta de casa e para o curral, sorrindo feita criança. Quem perguntasse a ele, tudo o que fazia era apontar para a porta do casarão por onde Luna entrara e para o cavalo no meio do curral.
Com o tempo que passou, ante as irmãs de Luna o coronel se abraçava chorando e sorrindo,dizendo sem cessar.
--- Ela é na verdade a irmã de vocês! – falou aos prantos o coronel Ezequiel.
Dois meses após, o doutor Sebastião Sabugo estava inspecionando as obras que se executada na vila, pois no domingo seguinte a vila se transformaria em Município e para tal tudo devia estar vistoriado por completo. Em sua companhia seguiam o delegado Euclides Castanheira, a sua esposa Guacira, secretária adjunta e o padre Monsenhor Bento entre outras pessoas que tomaram posse nas secretarias municipais. O Monsenhor Bento se regozijava pelo que o coronel Ezequiel tinha mando fazer na restauração da Igreja Católica de sua freguesia. Em suas conversas ele não deixava de ressaltar o magnífico exemplo do homem em favor dos paupérrimos moradores do lugar. Por isso mesmo era todo orgulhoso no meio do pessoal da administração. Homem gordo, barrigudo, cara redonda, fala mansa era o retrato do Monsenhor Bento. Já o Intendente Dr. Sabugo era o contrario do Monsenhor Bento. Ele e sua mulher Guacira eram magros, porém não raquíticos. A sua vida aventureira o obrigava a ser magro como também a Guacira. Os homens visitaram toda a extensão da rua,o coreto, a praça onde homens plantavam jardins e por fim a Igreja onde os operários davam seus acabamentos finais. Um Coro entoava música sacra no que se chamaria andar superior, apesar de não ter andar superior nenhum. O grupo era formado por jovens masculino e feminino, estudantes da escola da vila onde uma das filhas do coronel era professora. Sabugo se deu por satisfeito e saiu da comitiva na qual estava soberbo e admirado.
Nesse meio tempo, Luna caminhava com seu cavalo Branco porque ele era de cor branca para a sede da vila. Na metade do caminho topou com uma figura esbelta esguia e atraente cujo nome era Temístocles. Por sinal, Luna não conhecia tal rapaz, capataz do capitão Zenóbio Manso, amigo do seu pai que também nem ouvira falar apesar de saber muito bem que o seu pai coronel Ezequiel tinha seus bons amigos. No caminho, o rapaz cumprimento a moça. Ela também cumprimentou o rapaz. Em meio da conversa ela perguntou o seu nome;
--- Temístocles. Eu me chamo Temístocles. – respondeu o rapaz sorridente.
--- T o que? – perguntou Luna assombrada.
--- Temístocles. Nome grego. É o meu nome. – replicou novamente o rapaz.
A essa altura Luna colocou a mão na boca para evitar sorrir. No entanto não se conteve e o sorriso veio de monta. Ela sorria de tal modo, que o rapaz se espantou. E disse por fim.
--- Meu nome vem do grego. Temístocles era filho de Néocles, político e general de Atenas. – replicou um jovem mancebo.
Então foi que a moça achou graça. Ela sorria a mil por horas. Se o nome era feio o do pai era pior. Nem o adiantava querer explicar, pois a qualquer frase a moça sorria muito mais. Nesse ponto ela estancou o seu cavalo e desceu para melhor sorrir. O rapaz não teve meio e também sorriu. Porém sorriu porque estava vendo uma moça sorrir. Ele nem achava seu nome assim tão feio. E não sabia por que a moça achara tanta graça. Com certeza ela nem saberia que há uma Grécia ou Atenas. Se fosse explicar a sua origem, isso levaria um tempo enorme. Com certeza deixaria a moça a sorrir o tempo que pudesse. Afinal o seu nome era aquele mesmo.
--- Pare seu moço. Pare por favor, pois estou me mijando toda. – alarmou a jovem Luna.
Não tendo outro modo o rapaz deteve seu ímpeto de explicar a Luna o verdadeiro sentido do seu nome. Afinal de contas ela não saberia entender mesmo.


domingo, 6 de junho de 2010

LUZ DO SOL - 21 -

- ANA LUNA -
- 21 -
Foram passando os meses e os dias e Ana Luna continuava a treinar a sua arma, quer fosse revólver quer fosse rifle, no local de tiro existente no cercado da Fazenda Maxixe do coronel Ezequiel Luna Torres, um recanto afastado cercado de montanhas. Naquele dia ela seguia a trotear ao lado de sua amiga Guacira, esposa do novo Intendente da Vila Riacho das Pedras. Nesse dia Luna saíra calada de sua casa – a Casa Grande - como quem a refletir. Guacira nada falou ficando também calada. Ela fazia apenas companhia a Luna para um caso de existir alguma necessidade urgente ou mesmo somente para passear pelo campo. Foi aí que Luna resolveu falar. Falou Luna um pouco baixo como se ninguém pudesse ouvir. Estavam apenas as duas, vez que o coronel e seu homem de confiança, Rafael Zenon já haviam tomado a dianteira e chegaram bem cedo ao local de tiro onde os dois se exercitavam para melhor estarem em caso de necessidade. Ainda distante do local Luna perguntou a sua amiga se não haveria por aquelas matas um puro sangue que fosse todo branco. A moça ficou a pensar em cavalos puro sangue e chegou a conclusão de que podia haver com certeza. O negócio era procurar pelo matagal.
--- É isso que estas a pensar? – indagou Guacira sem muita preocupação.
--- É. Eu queria um cavalo bravio, desses que a gente amansa e que obedecessem as nossas ordens. Era um desses. – relatou Luna refletindo ainda.
--- Você pode pedir ao feitor Zenon para ele encarregar de se encontrar um cavalo desse tipo. – argumentou a jovem mulher.
--- Eu tinha pensado nisso. Vou falar com Zenon. Ele vai ter que dar um jeito em conseguir. – expôs a garota meio zangada.
--- Arranja. Ele arranja. Nem se preocupe. Ele conhece essas quebradas. – disse Guacira ficando um pouco mais calma.
No cercado de tiro o Coronel Ezequiel, quando avistou a sua filha acompanhada da sua amiga foi logo dizendo com alegria e cheio de contentamento.
--- Ora veja só! Parece que o sono foi longo! – falou Ezequiel com expansividade.
Guacira ficou alheia ao assunto e Luna desceu da cela e procurou de imediato, falar com Zenon a respeito do tal chamado cavalo branco, pois a moça estaria querendo um para a sua montaria. E foi logo encetando a conversa. Ela não pensava em outra coisa a não ser no cavalo branco. E assim foi dizendo ao feitor;
--- Olha! Arranje um cavalo branco para mim. Que seja puro sangue. Ouviu? – relatou Luna sem médias conversas.
--- Ora que menina o senhor me arranjou coronel! E ela é braba! – sorriu abertamente Zenon ao falar com o coronel.
--- Isso é com você, Zenon. É com você. – respondeu o coronel procurando mirar nas garrafas.
--- Pois está certo, menina. Eu vou procurar o seu cavalo branco. Por toda essa mata. Mas vou procurar. Pode ficar sossegada. – rebateu Zenon sempre alegre.
--- Acho bom! – disse Luna com a cara feia voltada para Zenon. E então ela pegou a sua arma para exercitar seus arrojados tiros.
Zenon olhou para Guacira e compreendeu o que a mulher estava a lhe dizer como: “Não te disse?”.
E nesse momento Zenon perguntou ao coronel se podia sair para arregimentar uns vaqueiros que procurassem o tal chamado cavalo branco.
--- Pode ir. A patroa falou, está falado. – respondeu o coronel achando graça.
--- E é para “ontem” – respondeu Luna ao ver Zenon se montar em seu cavalo para seguir viagem.
--- Virgem Maria! Ela está arisca! – reclamou Zenon açoitando o cavalo.
Uma semana depois e também de muito achincalho por parte de Luna sobre Zenon onde ela perguntava onde estava o cavalo branco foi a vez de aparecer na fazenda um vaqueiro trazendo um cavalo branco ao longo de muita luta para domar o animal e rebocá-lo para entregar de vez a sua dona, Ana Luna. Foi uma verdadeira festa que se fez, com Luna afoita em ter um cavalo branco.
--- Viva! Viva! Viva! – gritava Luna repleta de contentamento.
--- Cuidado moça. O bicho é arisco. – respondeu o vaqueiro.
--- Deu trabalho pegar ele? – perguntou ao vaqueiro meio desconfiado com a montaria.
--- Ora se deu! O brabo renegou do laço. E fez brabeza que só ele. Inda está brabo mesmo. – respondeu o vaqueiro suado que não tinha mais o que suasse.
E cavalou foi solto no curral onde Luna passou a olhá-lo com firmeza, queixo apoiado nos braços e deitado no cercado de madeira retorcida vendo o que o corcel fazia. De momento, nada. Depois, o corcel passou a correr por todo o cercado com a sua dona apenas a olhar. Olhos firmes entre a cabeça abaixada. No alpendre, o coronel, sua mulher, Guacira e Sabugo a olhar a rara espécie de animal valente. Passaram-se horas e mais horas apenas com a moça a namorar o cavalo como forma de amansar o animal. Relinchos estridentes ele soltava para o ar. Tinha vez que entrava no galpão como se estivesse cansado ou vencido. No seu canto, a moça Luna a aguardar a volta do corcel. Então, passadas algumas horas, a moça resolveu trancar o galpão para depois vir outra vez namorar o seu cavalo. Ela ficava no mesmo canto enquanto um vaqueiro abria a porteira para a saída do corcel. Demorava-se um instante e vez que aparecia o cavalo indomado. Roçava as patas no chão, corria em círculos e torno o curral e voltava para dentro do galpão. A moça ficava no mesmo lugar para ele a observar. Nada dizia ao cavalo. Os vaqueiros se queixavam do tempo que duraria aquele namoro. Uns renegavam. Outros ficavam olhando de longe a observar. Zenon nem se aproximava do curral. O coronel já se cansara de ver todo aquele chafurdo. Entrava na sala e por lá ficava dando ordens a Sabugo da festa que se faria em breves tempos. A mulher do coronel, Maria Rosa, mãe de Luna tomava conta dos afazeres domésticos. E tudo voltava ao normal dentro e fora da Casa Grande, Zenon dando ordens aos vaqueiros, Guacira esfregando sua arma, as filhas do coronel dando risadas de conversas sem sentido. Era tudo isso que ocorria no cercado da fazenda. Apenas a jovem moça é que ficava no mesmo lugar tendo companhia de um vaqueiro que se encarregava de abrir e fechar o galpão para a saída ou entrada do corcel. Quantos dias esse namoro durava não se podia prever. O certo é que demorava muitos dias. Longos dias. Extenuantes dias. A moça e o cavalo. Ela no mesmo canto, do mesmo jeito que em dias passados. O corcel fazendo as mesmas piruetas como se aquela corte não tivesse período para findar.

sábado, 5 de junho de 2010

LUZ DO SOL - 20 -

- ANA LUNA -
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Seis meses se passaram e Sebastião Sabugo já era o Intendente da Vila Riacho das Pedras. O Coronel Ezequiel era o que de chama Chefe da Guarda Civil da Vila e de certo modo mandava em tudo o que Sabugo tinha que fazer. O coronel não dispôs a ser o intendente. Porém, como chefe da guarda ele mandava em tudo e em todos. O Major Pontes não quis ser nada e apenas designou o seu filho para ser secretario. O mesmo aconteceu com o capitão Zenóbio que tinha no poder dois novos secretários, sendo um, uma de suas filhas. Esses senhores acompanhavam tudo apenas de fora. Mesmo sem ter função no poder, tanto o Major Pontes como o Capitão Zenóbio estava dentro da administração organizando a emancipação da vila para se tornar um município. Esses assuntos eram discutidos na roda formada por Ezequiel, Pontes, Zenóbio além do Intendente Sabugo e de sua mulher, Guacira que exercia uma função de Secretaria sem Pastas. E Guacira, com o passar dos meses estava atenta a tudo aprendendo mais depressa do que o que se pensava, apesar de ser mulher e ter pouco mando no poder no entender do Coronel Ezequiel Luna Torres. Por isso mesmo, Guacira se portava como apenas ouvinte, sem nada dizer.
Em outro ponto estava Ana Luna que continuava a treinar os exercícios de tiro. Com seis meses ela já sabia manejar muito bem as armas, inclusive o rifle. Tudo que o seu recomendava ela fazia. Até como montar a cavalo, cavalgar, frear, pôr a fera para um lado ou para outro, fazer deitar o cavalo e tudo mais complexo que se treina em uma montaria, como cavalgar de costas. É tanto que Zenon se sentia bastante orgulhoso com a desenvoltura da garota e em certas vezes dizia:
--- Que garota sapeca! – sorria Zenon.
Com tais comentários Luna nem se dava por conta. Ela era toda a atenção em aprender cada vez mais e melhor o novo oficio de atirar, manejar uma arma, montar a cavalo, atirar nas garrafas enquanto cavalgava fazer mira por cima e por baixo do pescoço de sua montaria, correr até que o animal se fizesse cansar ou ela mesma já não suportasse mais aquela aventura. Aquele temor do início desaparecera por completo. Eram seis meses de bravura indômita. Luna então somente queria mostrar ao seu velho pai que era capaz de aprender atirar. E se possível melhor do que Zenon e do que seu próprio pai. Não raro se observava Luna a gritar para o alto de mão erguida algo parecido com “heia!” como um exclamar de êxito nas suas façanhas diárias. Se não tinha companhia de Zenon, por um caso e por outro, questões da própria senzala onde ele era o senhor dos escravos, Luna não se importava em ir sozinha ao local de treino. Certa vez, seu pai lhe dissera que uma garrafa representava um inimigo. Que ela mirasse na garrafa como se estivesse mirando no seu algoz inimigo. E disse ela não esqueceu jamais, pois em cada garrafa via a cara do seu agressor Manoel Jacó.
--- Tome safado! Pegue! Aqui vai para você! – dizia ela ao sacar a arma, mirar e atirar tal como estivesse maltratando o seu agressor.
E em cada instante, dessa forma ela soltava o grito de guerra com sua mão levantada, a arma brandindo ao alto detonando às vezes como seguindo a ordem do destino e o rosto crispado de ódio pelo que Jacó fizera-lhe um certo dia onde a sua pureza sagrada apenas ele arrancara brutalmente como os malfeitores faziam com suas pobres vítimas indefesa.
--- Bruto! Bruto! Safado! Covarde! – Luna gritava a cada alvo apenas de vidro que a mesma destruía a cada uma se sua passagem.
Era um ódio destruidor que a jovem carregava consigo para sempre. Desta forma, Luna constantemente repetia aquela aversão ao demoníaco Jacó, pobre coitado enterrado próximo ao pé de Juá. Disso, Luna nem queria saber. Ela apenas estava a destruir de sua memória o estrago que sofrera certo dia pela manhã pelo agressivo baixo homem. Dessa odiosidade eterna Luna fez todo o seu exercício com as armas, cada qual com sua precisão impecável.
Em um dia de domingo se festejava a padroeira da vila quando todas as autoridades da aldeia estavam presentes em uma solene confraternização feita em praça publica, em baixo de um coreto. Uma banda de música improvisava alegres momentos com seu soar de melodias de marchas militares. A praça pequena estava repleta de gente, vinda do interior e do próprio arraial. Todos os presentes procuravam cantar as arranjadas marchas militares. Todos menos o pessoal do Barão de Itabira e dos Pereira, inimigos figadais do Coronel Ezequiel Luna Torres e seu pessoal, homens que chamavam o Coronel e seus aliados de.
--- Gente pobre sem eira nem beira! – diziam os seus opositores.
A manhã de sol deixava alegre o povo, crianças comendo coisas feitas de açúcar, moços cortejando as garotas jovens presentes, pais e mais dando mochicões nas filhas que se deixavam seduzir e os ébrios ainda estavam a delirar com toda a fuzarca que se fazia. No coreto estavam o Coronel Ezequiel Torres e sua família, o Intendente Sabugo e sua mulher Guacira, o Major Pontes e família, o capitão Zenóbio e família, o Monsenhor Bento e seu sacristão, o Delegado e família, entre outras personalidades. O Coronel falava que era uma graça se festejar o dia da santa em praça pública de uma vila que não tardaria a ser convertida em município da Província. Foi nesse instante de esmerada alegria que um jagunço armado com um rifle disparou um tiro contra o próprio coronel Torres que falava ao público. Nesse dado instante, Luna pode observar o jagunço em uma casa próxima a fazer mira contra seu pai e gritou.
--- Cuidado!!! – gritou Luna de forma louca, empurrando o coronel para um lado.
A bala zuniu ao disparar e os jagunços do coronel, major, capitão e o próprio delegado correram atrás do jagunço que tentava a todo custo se safar. O Major Pontes gritava como um louco.
--- Não matem o homem! Não matem o homem! Quero ele vivo! – gritava o Major.
Depois de louca correria, os jagunços pegaram o homem atirador, esmurrando sem trégua, lutando como verdadeiros jagunços, deixando o atirador quase que sem vida.
Ao chegar onde estava o bugre o Major Pontes perguntou sem entremeios a que ele estava representando naquela festa popular. O jagunço não soube responder dizendo apenas que foi peitado por um homem na estrada. O Major Pontes perguntou que homem era esse e também ele não soube dizer. Apenas que ele era um caçador e vinha pelo caminho quando o homem perguntou se ele queria ficar rico e o homem disse que sim. Antão o estranho lhe deu dinheiro e um rifle para ele matar naquele dia m coronel que estava a falar no comício da praça. E isso foi o que o caçador fez.
--- Não sei quem era ele, seu doutor. Juro por Deus. – disse o homem chorando.
--- Pois bem. Ele não falou algum nome? – perguntou o major Pontes.
--- Não. Ele disse que um tal barão ficaria muito contente,se me lembro bem. Foi o que ele falou. – relatou o homem caçador.
--- Ah um tal “Barão”! Pois o senhor está preso. Leve ele para a cadeia. – falou o Major Pontes para o delegado na frente do Coronel Ezequiel, do Intendente Sabugo e demais autoridades presentes ao interrogatório, inclusive o Monsenhor Bento.
Na Delegacia o senhor titular daquela pasta, Euclides Castanheira, iniciou o interrogatório mesmo sem a presença de um advogado de defesa do criminoso. Perguntou-lhe o nome e profissão e depois as características do acusado entre outras coisas. Por fim perguntou o que ele fez e a mando de quem. O caçador confessou a mesma coisa que tinha dito anteriormente. Esse interrogatório demorou cerca de cinco horas e logo depois por volta das cinco horas da tarde o Delegado Euclides Castanheira mandou o trancafiar por determinado momento o acusado da tentativa de morte do Coronel Ezequiel Torres. No dia seguinte foi a vez de ouvir a moça Ana Luna e o próprio Coronel Ezequiel. Desses dois, a mais importante depoente foi Ana Luna que viu quando o homem mirou contra seu pai, o Coronel Torres. Desse modo que somente faltava ouvir um dos acusados no inquérito que era o Barão de Itabira a quem foi mandado um oficio intimando a depois. Na tarde daquele dia, o Barão esteve na delegacia e disse desconhecer o acusado e a questão de ter seu nome envolvido em tal assunto. O Barão de Itabira esteve acompanhado de um advogado para maior segurança. Por fim, o caso deu em nada e o criminoso não teve advogado e passou um bom tempo na cadeia.

LUZ DO SOL - 19 -

- ANA LUNA -
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Passaram-se os meses e o Juiz de Direito Mardoqueu Ramos tinha seguido para a Capital da Província como havia dito ao próprio Coronel Ezequiel Torres. A vila Riacho das Pedras tinha como autoridade o Delegado Euclides Castanheira, um promotor que aparecia vez por outra e o próprio Coronel Torres. Nos últimos tempos o homem de passou a ser pelo nome de Doutor Sebastião Sabugo estava sendo quase o Intendente da Vila. Foi o Monsenhor Bento quem deu a alcunha de doutor a Sebastião quando da celebração da Missa na Igreja do lugar. Certa vez, ao rezar missa na presença do Coronel Ezequiel e das demais autoridades da Vila, o sacerdote tratou por doutor o homem que matava com um punhal, Sebastião Sabugo. Nesse tempo ele já estava casado com Guacira, último ato que o Juiz Mardoqueu assinou enquanto estava na casa grande do Coronel, se tratando dos ferimentos recebidos no peito por ocasião de um tiroteio severo que travou com o bandoleiro Joca de Mundica, rapaz que havia sido contratado para matá-lo e não conseguiu o intento. Ao fugir desesperado da casa do Juiz Mardoqueu, baleado, o bandoleiro encontrou a morte feita por outros jagunços. Era o fim do bandoleiro naquele intento.
Depois de todo esse alvoroço, o Coronel Ezequiel findou por casar com Maria Rosa, mãe de Ana Luna, melhor com quem tivera relacionamento nos últimos catorze anos. Certa vez, em conversa com o seu feitor Rafael Zenon, ele havia dito que precisava de Luna em sua casa definitivamente e foi quando Zenon aconselhou o coronel a casar com a mãe de Luna, até porque eles já eram pais de dois filhos: Ana Luna o menino Euclides que se registrara na pia batismal também como Luna. Nesse ponto o coronel ficou a cismar pensativo até que se decidiu a casar com a mulher Maria Rosa, até porque ele era viúvo e os dois sempre falaram nesse ponto. De forma que, o coronel Ezequiel toma a decisão de casar de vez.
--- Pois eu caso mesmo. Resolvo essa questão pendente há vários anos. Pronto! – ressaltou o coronel com sua voz e olhar firmes.
--- Ora viva coronel. Assim é que se fala! – respondeu Zenon com voz alegre.
O casamento foi sem festa. Apenas a cerimônia na Igreja e um café em sua própria casa com a presença das filhas de Ezequiel, inclusive Ana Luna e o garoto Euclides, de apenas oito anos, o feitor Zenon, os dois convidados da ocasião, Sebastião Sabugo e sua digna esposa Guacira entre outros convivas. Foi nesse momento em que o coronel Ezequiel Torres indagou de Sebastião Sabugo o que ele achava de ser Intendente da Vila Riacho das Pedras. O rapaz pensou por um bom tempo, ouviu nos olhos da mulher Guacira o seu consentimento e relatou em ser o Intendente. Já era sabido que o Major Pontes e o capitão Zenóbio não faziam interesse em tal posto. Seguramente os dois indicariam seus filhos para cargos de secretários. O coronel ficaria como uma espécie de secretario adjunto do Intendente e a esposa de Sabugo seria igualmente uma assessora especial do marido. Tais funções pouco ou nada valiam como despesa para os encargos da vila. De uma coisa o intendente tinha certeza: não haveria oposição entre os vereadores, até porque não haveria eleição e todos os participantes eram então pessoas bastante conhecidas. De oposição restava o Barão de Itabira, que não entraria na vila e Nicácio Pereira, que só fazia lambanças com os seus arruaceiros jagunços pistoleiros de aluguel. De inicio era apenas Intendente da vila, o que Sabugo teria que ser. Com o decorrer do tempo haveria o trabalho de transforma a Vila em um município da Província.
Por esses tempos o coronel Ezequiel falou com sua fila Ana Luna de ela aprender a atirar com certeza. A moça ficou cismada com o convite do seu pai e ele lhe deu uma arma para ela começar a treinar. De inicio, Luna foi tomada de pavor. Porém, Ezequiel lhe disse que aquilo era uma defesa da pessoa até mesmo contra cobras cascavéis. Não foi sem luta que Luna aceitou pegar em uma arma. Porém, com o decorrer dos dias e a conselho do seu pai, ela foi treinar junto com o feitor Zenon e seu próprio pai em um recanto afastado da Casa Grande, onde se podia treinar a vontade. Nos primeiros dias foi um sacrifício terrível com a moça sem nem pegar na arma de fogo como devia. Porém, os dias e meses se passaram e Luna foi aprendendo a usar armas como revolver e fuzil, galopando feito louco, atirando contra as garrafas de vidro, acertando e errando, atirando por cima e por baixo do pescoço do cavalo que já era acortumado com as matreirices dos seus montadores galopeiros. Era franco ela dizer ao alvejar uma garrafa.
--- Tome seu merda. Bruto! Covarde! Canalha! – dizia Luna a alvejar uma garrafa.
Todo aquele ódio contido era por conta de Manoel Jacó, o homem que a ofendeu em sua própria casa há tempos atrás. Ele era representado por aquelas garrafas que faziam a mira de Ana Luna. Para a moça não tinha tempo ruim, quer fizesse sol ou não.
E desse modo a filha do Coronel Ezequiel Luna Torres foi se moldando em uma verdadeira amazona para todos os lugares em que fosse. Ela era o temor dos vaqueiros da fazenda e o orgulho do majestoso Coronel Ezequiel. Zenon também era igual em contentamento. Certamente, com mais alguns galopes a jovem moça estaria pronta para atirar com a precisão de um raio. Por algumas vezes esteve presente a outra moça, Guacira, observando os ensinos do coronel. Teve por vez que Guacira do seu modo demonstrou como a jovem moça devia fazer para se proteger contra algum algoz que por certo a desafiaria a um duelo.
--- Tem gente que não vira as costas para o inimigo. E tem gente, para se desfazer do atrevimento de seu algoz, lhe vira as costas. Nesse caso, a pessoa conta até três e se vira e atira sempre certeiro. Você não pense nunca em erro. Você só pense em acertar no seu algoz. É assim que se faz. – disse Guacira orientando à moça.
Luna observou com sisudez tudo que a companheira lhe ensinara e compreendeu a lição. E declarou em seguida.
--- Não erro. – disse Ana Luna.
Nesse instante um vaqueiro a cavalo chegou em toda disparada chamando aos berros pelo coronel Ezequiel como se o mundo fosse se acabar. Tomado de surpresa, o coronel virou-se para o vaqueiro e perguntou o que estava sucedendo. E o vaqueiro, suado que só fazia dó disse-lhe que o delegado Euclides Castanheira estava passando por sérias dificuldades na cadeia publica da vila. Sem entender muito bem pelo cansaço do vaqueiro empapado de suou e amarelo de medo disse que tudo começou por causa da prisão de um jagunço da fazenda dos Pereira que estava embriagado e fazendo bagunça atirando com seu revolver no meio da rua chegando a atingir uma parede de frente da cadeia. Já um pouco refeito da sua corrida o homem pedia que o coronel enviasse reforço para a cadeia antes que o delegado sucumbisse diante da ameaça de jagunços que chegaram aos montes na delegacia tentando soltar o preso que se chama “Oito”. Foi assim que o coronel Ezequiel ordenou se formar uma patrulha de cerca de quinze homens. À frente do bando Guacira pediu a preferência. Houve malquerença. No final todos aceitou Guacira como a líder do grupo. Então a turma saiu a galope tendo chegado de imediato a vila. Guacira foi ao Distrito procurar saber de maiores informações e por lá encontrou o seu marido Doutor Sabugo procurando fazer frente à turba enfurecida que queria de qualquer jeito a liberdade de Oito, o malfeitor embriagado. Daí então Guacira procurou saber quem era o chefe do bando e ficou ciente de que era José de Laura. A mulher dispersou os seus homens para pontos principais e foi até a bodega onde estava se organizando a turba para soltar o jagunço Oito. Foi sem armas para mostrar seu destemor em negociar com José de Laura. Após certo tempo, a mulher fez um trato com o chefe dos jagunços. Caso esse entendesse que seria melhor para Oito passara ressaca na prisão, ele deixaria o rapaz quieto.
--- Qual é o trato que a senhora quer? – perguntou José de Laura esfogueado.
--- Uma aposta! – respondeu Guacira de forma alegre.
--- Que aposta? – perguntou José de Laura um tanto inquieto.
--- Par ou impar. – respondeu Guacira, sorrido.
--- Por ou impar? Oxente! Mas como se faz isso? – gaguejou José de Laura.
--- Simples. Você o dedo para frente e eu ponho o meu. Se der par ou impar ganha quem escolher melhor. Entende agora? – perguntou Guacira sorridente.
--- Se eu escolher par e der par quer dizer que eu ganho e você solta Oito? – perguntou o homem um tanto inquieto.
--- Exatamente. Você ganha. Vamos? – perguntou a mulher em sorrisos.
--- Sei não. Eu vou. Quero par. E a senhora impar! – disse José de Laura.
--- Pois vai. Um, dois, três e JÁ! – disse Guacira apontando zero dedo e José de Laura apontando um dedo.
--- Diacho. Você ganhou. É certo. Estamos conversados. Vamos negrada. A mulher ganhou de modo justo. Diacho. – proferiu José de Laura desencantado.
E em seguida partiram eles que formavam um grupo de quinze cavaleiros esperando que tudo se saísse bem até o dia seguinte.

terça-feira, 1 de junho de 2010

LUZ DO SOL - 18 -

- ANA LUNA -

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No dia seguinte, logo cedo da manhã, o capitão Martinez se despediu com efusivo esmero do coronel Ezequiel dando-lhe como presente o par de pistolas que tomou do bandoleiro Calvino Quaresma que procurava chamar de Diabo Louro para impressionar aos demais que se debatiam com ele. As armas que ele confiscou do bandido eram de um esmerado feitio. Cano longo, niquelado, cabo de madrepérola e um detalhe a mais: tinham sido feitas especialmente sob encomenda para disparar sete tiros eu lugar de seis como era costume. Quem travava duelo com Quaresma contava até seis. Porém o marginal tinha um tiro a mais. Por isso, o homem morto se orgulhava amplo das armas que trazia com ele. O capitão Martinez cumprimentou o coronel Ezequiel e chamou a atenção para o detalhe do sétimo tiro. Para quem não sabia, esse disparo seria fatal. O coronel ficou alarmado e feliz por ter recebido tal presente de um amigo sincero, como Martinez. Depois de se despedir, Martinez e seus amigos, então quatro, seguiram viagem por caminho difícil de serem encontrados.

Passaram-se dias naquele alto sertão. E veio a chuva. Chuva torrencial. Vento frio, gélido, soprando como um assobio sibilante de serpente entrincheirada na gruta da mata. Águas caudalosas encharcando o chão, trovões e raios cortando o céu espalhando por todos os lados o matagal cuja força era insuficiente para tal temor da natureza, envergando e retorcendo as robustas árvores centenárias, torcendo os mais tenros arbustos, levando ninhos de pássaros, cotovias que faziam seus ninhos até mesmo no chão em regiões arenosas, sabiás, anum, pássaros canoros e tantos outros cujo canto era silencio. Era tempo de inverno como jamais se vira acontecer, diziam alguns vaqueiros. A natureza se rompia em verdadeiro açude no campo. Frio e chuva com suas inversões térmicas. No campo, os vaqueiros procuravam reunir o gado em locais mais elevados temendo as cheias dos rios e riachos. O alagado e a lama vinham por todos os lados deixando o pessoal do sertão com temor de se tornarem vítimas. A única escolha era se abrigar em suas casas. E nas vilas, sempre edificadas em partes mais baixas o temor era ainda maior. Quando amanhecia a pessoa estava a observar para o mais alto da montanha o quanto era de chuva que teria de suportar naquela temporada cujo tempo era de três meses, se fosse inverno normal. Pela tradição vinda dos homens mais velhos, dizia-se que aquele seria um inverno sem igual ao do ano anterior. As aves, em sua maioria, migravam para cantos mais quentes com o saber da natureza. Quando em certo dia o Juiz Mardoqueu Ramos haveria bom inverno naquele recanto onde estava, resolveu partir, em meio da forte chuva, pedido para que Guacira seguisse com ele até a vila, conduzindo a carruagem que o levaria embora. Guacira aceitou o convite, mas pediu apenas que o Juiz celebrasse seu casamento com o rapaz Sebastião Sabugo antes que ele seguisse viagem.

A casa toda se arrumou debaixo do temporal que estava a cair. As moças filhas do coronel Ezequiel se ajeitaram na fuzarca com todo o ímpeto da juventude. Até mesmo o coronel caiu na gandaia animando mais ainda a festa. Chamou-se Félix com seu velho fole para animar a festa cuja duração não se tinha noção de acabar. O Juiz Mardoqueu parece ter saído de um tempo para outro, pois nunca vira festa tão animada como a que se estava fazendo. Comidas como nenhuma com as mulheres e moças da cozinha também faziam festa como se fosse à velha senzala onde os negros estavam então agasalhados sem presença do feitor Zenon com seu chicote de couro. Sabugo estava feliz ao meio de Zenon, o feitor e ao lado do Juiz Mardoqueu. O coronel era todo satisfeito com suas moças fazendo alaridos por demais. A noiva Guacira nem se contava de tão contente que estava portando vestido de noiva com roupas antigas, porém de doces recordações para o coronel. Ela era a presença de quando o coronel Ezequiel se casou naquela mesma Casa Grande. Notava-se enfim entre risos e salutar amizade o coronel a chorar de emoção lembrando o seu antigo amor. E a festa continuou por todo o dia e noite com bebidas e comidas dentre outras da bela festa. La para as tantas o coronel a soluçar de encantos e os noivos a sorrir com tudo o que acontecia. Sabugo já meio ébrio dizia.

--- Viva a noiva! – gritou o noivo.

--- Vivaaaaa! – gritaram os demais com as filhas do coronel.

--- Viva o noivo! – exclamou a bela noiva um tanto embriagada aquela altura dos acontecimentos.

--- Vivaaaaa! – gritaram todos.

Eu um canto da grande mesa em que eram servidas as comidas e bebidas ouviu-se um grito meio naufragado pelos torpes efeitos da bebida.

--- Viva eu! –gritou o coronel embriagado e meio rouco sem esquecer-se de seus ics.

E a turma da festa gritou!

--- Vivaaaaa! – todos gritaram ao seu jeito de gritar no restinho do casamento.

O tocador de fole, o velho Félix continuou a festa para todos os que ainda estavam de pé, inclusive o Juiz Mardoqueu; o anfitrião da fuzarca, coronel Ezequiel, suas três filhas, Vera Luna a mais velha de todas, Olga Luna, a professora das crianças e a mais nova que estava para seguir viagem para a capital do Estado, onde seguiria a carreira de professora, Eunice Luna. Das três irmãs, a mais velha, Vera Luna era a única que tinha namorado um dos filhos do velho Major Pontes de Mesquita. Esse rapaz, pela surpresa da festa, não se encontrava presente a festa do casal Guacira e Sebastião Sabugo naquele dia de chuva.

No dia seguinte o Juiz Mardoqueu seguiu viagem para a Vila Riacho das Pedras onde depois dali tomaria um novo destino. O dia amanheceu com Sol e isso propiciava uma viagem mais tranqüila. A charrete era dirigida pela nova mulher, Guacira, esposa do moreno Sebastião Sabugo. Ela era de pele clara. E o noivo era um pouco moreno. Isso não preocupou Guacira. Ambos se amavam e já havia namorado em tempos passados. Atrás da charrete viajava o seu marido, Sabugo. Ele foi à retaguarda por medida de precaução.

A certa altura do trajeto a charrete foi interceptada por três pessoas que se postaram a frente da carroça. Guacira não esboçou preocupação. Apenas perguntou ao Juiz:

--- O senhor está lembrado dele? – perguntou baixinho Guacira.

--- Claro que estou. O do meio é Abel Viana. – respondeu baixinho o Juiz.

Então eles esperaram pela decisão de Abel Viana que logo disse.

--- Moça. Desça daí. Não quero matar você. Meu caso é com ele. – disse Abel Viana.

Então Guacira procurou saltar da carroça de modo tranqüilo não demonstrando ter armas escondidas. E foi saindo vagarosamente para trás da carroça onde Abel pudesse vê-la abertamente, sem se preocupar.

---Seu canalha. Apronte-se para morrer – disse Abel Viana ao Juiz.

E apontou seu rifle em direção ao doutor Mardoqueu. Em instantes, uma faca saiu feito uma lança e se cravou na garganta de Abel o fazendo atirar para cima enquanto caia. A seta foi lançada por Sabugo naquela mesma hora. De repente Guacira mirou com sua arma trazida por baixo da capa em um dos capangas e fez fogo enquanto que o Juiz Mardoqueu abateu com um disparo de revólver o outro bandido que nem teve tempo de apontar a sua arma. Os três morreram no local. Mardoqueu ainda foi ver a situação de Abel Viana e este ainda relutava viver quando olhou para Mardoqueu e apenas disse.

--- Porco imundo! – cuspiu e deitou a cabeça para a morte.

O tiroteio foi ouvido na fazenda do coronel Ezequiel que, na companhia de vários pistoleiros alcançou a carroça em instantes. No meio de tudo e de todos, estavam Guacira, Mardoqueu e Sabugo vendo o estrago que eles fizeram.

--- Tiveram morte rápida. – disse Sabugo.

O Juiz sorriu. E o coronel perguntou em sobressalto.

--- Como ele soube que o senhor ia para a Vila? – perguntou o coronel.

--- Com certeza gente dele que estava no cercado. Só penso nisso. – respondeu o Juiz.

--- Puta merda. Tenho que verificar um por um. ZENOOOOOON!!! - gritou o coronel.