terça-feira, 7 de abril de 2009

RIBEIRA - 282

O BEIJO


Naquele dia, Niel estava em companhia de Lígia, uma jovem de idade cinco anos menos que a de Niel. Os dois caminharam até uma loja de eletros e lá, o rapaz pediu à moça que escolhesse o objeto desejado, pois ele cobriria a despesa com o seu cartão de crédito, vez que Lígia não tinha meios para pagar o que desejava comprar. O dia estava calmo e claro, numa manhã de primavera quando o sol reluzia com mais fulgor e doce encanto. As pessoas passavam em frete à loja, olhando e perguntando qualquer coisa que lhes interessava aos balconistas de cara amarradas, pois eles sabiam muito bem que aquela gente não queria adquirir coisa alguma. O trânsito de carros era intenso, com o buzinar ensurdecedor para os ouvidos de Niel que a cada vez ficava mais enervado com tamanho barulho. Foi em um instante desse que o rapaz olhou para o relógio de pulso, consultando as horas, vez que ainda tinha que ir a repartição, uma vez que deixara trabalhos por fazer. Lígia tinha que trabalhar somente à tarde e por isso estava tranqüilo, pois ainda lhe restava um tempo para gastar com a vida até chegar à sua repartição. Niel sabia disso muito bem, uma vez que já trabalhara lá em tempos passados. Para bem falar, Niel e Ligia eram tão somente apenas amigos, porém, por dentro, o jovem nutria um sentimento em segredo pela linda e cativante moça, de terna beleza com os seus cabelos soltos, cobrindo até a cintura, olhos negros, pele clara, mãos alongadas combinando com o seu porte, ligeiramente alto, quase ou talvez igual com o do seu companheiro de luta. Eles estavam sentados esperando que o rapaz fizesse as contas para poder Niel passar o seu cartão de crédito. Isso, depois de muito pesquisar entre uns e outros objetos que a linda donzela procurava comprar. Por um pouco tempo, a bela senhorita sorriu para o rapaz, com um sorriso faceiro como se quisesse deixar escapar algo que tanto Niel gostaria de ouvir. Porém, o que a jovem lhe disse foi apenas:
---- Calor!! Sentes? - disse Lígia.
---- Um pouco. É o tempo. - respondeu Niel.
O vendedor olhou para ambos, como se estivesse usando óculos, e nada comentou. Apenas pediu que o rapaz passasse o cartão de crédito para sanar o seu acerto de compromisso de compra e venda do objeto adquirido. Em seguida, o vendedor se levantou do local e puxou a nota de compra que estava saindo da máquina que parecia mais com um duende. Uma vez feito, o vendedor perguntou ao jovem:
--- Vai levar agora? - perguntou o vendedor.
Nesse instante, Niel olhou para Lígia, procurando ouvir uma resposta. E a moça perguntou:
--- A loja não leva? - perguntou Lígia.
O vendedor respondeu:
---- Demora talvez dois dias. Depende da quantidade de artigos que tem para levar. - disse o vendedor.
--- Ah! Bom! Eu espero. É melhor do que eu sair com ele. Espero! - disse Lígia.
De saída do local de vendas, onde havia móveis, geladeiras, frízeres e tantas outras coisas mais, Niel acompanhou Lígia e perguntou-lhe com cerimônia a seguir se não gostaria de ir até a uma lanchonete logo ali perto onde ambos poderiam tomar alguma coisa, como um suco ou um sorvete, ou outra coisa qualquer. A moça concordou ao tempo em dizia:
---- Só ti dou trabalho, não é? - falou Ligia com um sorriso na face.
--- Que nada. Trabalho esse. - retrucou Niel com um leve sorriso, ao ponto de querer com isso beijá-la de verdade. O temor em ser recusado lhe fez estremecer num leve arrepio como sacudido por uma brisa gelada.
O rapaz fitou a moça, disfarçadamente e, ao chegar à esquina, ele e Ligia dobraram a sua direita, enveredando por entre pessoas que caminhavam apressadas. O semáforo do trânsito estava vermelho dando, assim, a permissão de passagem. Porém, Niel achou por bem caminhar um pouco mais, dado o grande fluxo de veículos, buzinando e acelerando os motores, deixando os pedestres aborrecidos com tamanha confusão. Niel pegou a mão de Ligia e ambos atravessaram pelo meio dos veículos cheirando a fumaça que soltavam pelos escapes, acelerando cada vez mais, como se estivessem prontos para agarrar o casal de qualquer maneira. Os motoristas eram plenamente deseducados, como se podia ver.
--- Que coisa chata. - disse a moça, a correr por entre os carros. E sorriu. Sorriso leve, porém de medo ou de temor. Pressionando a mão de Niel, ela sorriu outra vez, enquanto gente passava na calçada daquela rua. Uns, vinham, outros iam. Gente e mais gente. Mais parecia um formigueiro. Niel olhou para Ligia, e lhe devolveu o sorriso. Era como se entendesse o que a jovem pensava. Nas lojas em frente, tinha de tudo um pouco. Então, Ligia chamou a atenção do rapaz para que olhasse uma cama exposta na exposição. Niel voltou o olhar e viu outros objetos expostos. Era uma loja de variados objetos, pois atendia a quem quisesse comprar. A moça ficou parada por uns instantes, verificando os preços do que estava à mostra. Então, Niel perguntou-lhe, para apenas saber ou insinuar:
--- Vai levar? - e sorriu com o seu modo de sorrir.
Então, a jovem olhou para ele e respondeu que não, mas bem que queria poder comprar, pois a sua estava um tanto velha, de pernas quebradas e ela temia que qualquer dia a sua cama desabasse. Disse isso, e sorriu. E Niel também sorriu, levemente, olhando para os olhos de Ligia. Um temor lhe assombrou o espírito, pois sentiu o desejo terno de beijar bem próximo, agarradinho, descuidado aquela jovem de pele clara, altura mediana, boca suave, olhos negros e tentadores, mãos suaves, e um corpo extraordinariamente encantador. Vestida de saia de cor azul, quase negro, de bolinhas brancas, mangas descidas, aquele tipo de mulher sensual enfeitiçava qualquer ser mortal, E Niel não saberia dizer o porquê do seu silencio em não se declarar de uma vez por todas o quanto sentia pela doce e suave criatura. De mãos dadas, eles observavam o que havia naquela loja. Ela, mais ainda. Gente passava de um lado para o outro, carros buzinavam de forma ensurdecedora. Era a vida que corria por entre o mundo desigual e igualmente igual ao mesmo tempo. Entre tanta gente que passava um velho maltrapilho, calças rotas, camisa em desalinho, toda suja, paletó que nunca mais vira água, um saco às costas seguro por uma das mãos, se aproximou do casal, de mão estendida, pedindo uma esmola. Ligia estremeceu de medo enquanto Niel tirou do bolso uma nota de um valor não alto e deu ao homem, velho, de cabelos desgrenhados, quase cobrindo o pescoço. O velho lhe fez agradecimentos, desejando aos dois uma eterna felicidade, coisas que dizem os pedintes a qualquer um que lhe faz um presente tão meritório. Niel não disse nada e sentiu o temor de Ligia, chamando-a a prosseguir caminho até o Beco, logo ali próximo. Beco era Beco mesmo. Não tinha nome. E se tinha Niel não saberia dizer. Era assim que ele chamava o tradicional Beco onde havia casas de vendas de coisas de “despachos”, bodegas quase sempre cheias de bêbados e tudo mais que aparecesse. Naquele Beco tinha um prédio de dois andares e no andar solo, uma lanchonete, àquela hora do dia, pouco freqüentada. Era uma lanchonete de grande procura por volta das 11 horas da manhã, indo até 2 horas da tarde. Seu quiosque era sortido, vez que tinha quase de tudo que o freguês procurava. Niel procurou uma mesa que ficasse perto da parede de dentro e chamou Ligia para sentar ao lado dele onde conversariam ao bom gosto. Um garçom quase sem jeito de barman, por causa da roupa que vestia, somente de calça de brim e camisa de meia manga, veio de imediato lhe oferecer um cartão, pois se parecia mais com isso do que com um cardápio. Niel recebeu o cardápio e fez questão que Ligia verificasse também, porque ele já tinha em mente o que desejava. A moça pegou o tal cardápio e consultou para ver o que de havia melhor. Com isso, a moça sorriu leve. E perguntou ao seu amigo:
---- Que vais pedir? - perguntou Ligia.
--- Salada de frutas e um copo de suco de cajá. - disse Niel.
--- Ah! Bom. Parece razoável. É isso que eu também vou pedir. - respondeu à jovem.
Ao longo do Beco, gente passava num vai-e-vem sem parar, como costumeiramente fazia. Uns que vinham da loja de macumba, com roseiras cheirando a mato, um galo escondido num saco de papel e com o pescoço do lado de fora, uns artífices sapateiros que voltavam a rua para a sua oficina, outros com os cestos cheios de frutas - pinha, goiaba, manga, sapoti, graviola e muitas outras frutas - que entravam no corredor da lanchonete até alcançar a rua seguinte. Pessoas que deixavam um doce aroma das frutas prontas para se comer. Aquilo, aumentou a fome em Niel, como se devorasse todo conteúdos das frutas que as pessoas passavam por ali por perto. Em tal momento, quando o garçom servia aos dois amigos um suco e uma taça de salada - ambas para os dois - eis que veio um homem alto, forte, de cara abusada, roupas velhas, sapatos, meias, calça, camisa e paletó, todos um conjunto de coisa suja e se aproximou do casal. Niel o conhecia muito bem, pois todos na rua o chamavam de “poeta louco”, por seu modo de fazer poesia para qualquer um que ele pedisse para fazer em troca de alguns mil reis. O homem se aproximou e falou:
--- Bom dia, meus caros jovens enamorados! Deixem-me cumprir a minha sina de fazer, aqui, uns poucos versos para tão belos casal de namorados? - falou o Poeta.
E Ligia olhou para Niel, demonstrando temor por causa do homem tão grande e que se dizia poeta. Foi aí que Niel aquietou Ligia com um afago em suas mãos, ao falar ao poeta que não tinha importância, pois que merecia fazer o tal poema para uma encantadora jovem que se fazia ali presente. Então, o poeta louco fez num rascunho de talão, seus versos para os dois enamorados jovens e um pouco tempo depois lhe entregava aqueles versos encantadores, com o título tão sublime de: “O Beijo”. Depois de entregá-lo aquele opúsculo, recebeu de Niel uma cédula de alguns reais, ao que sobremaneira agradeceu e guardou o seu talão de notas dentro do seu paletó. Em seguida, despedindo-se de ambos os namorados ao dizer do poeta, ele, com toda pompa de um louco desceu o Beco a procura de quem sabe o que para outros versos que lhe oferecia em forma de poema.

Um comentário:

Arlindo Freire disse...

Muito suspense no conto - para o leitor e as duas figuras jovens envolvidas, sem haver, ao contrário do que se esperava, o final feliz do romance.
Alderico Leandro trouxe do cinema o sentido de surpresa para a literatura contista - fazendo com que o leitor procure conhecer o seu trabalho feito com simplicidade, delicadeza, amizade e a vontade de acertar nas atitudes da vida.