segunda-feira, 31 de maio de 2010

LUZ DO SOL - 17 -

- ANA LUNA -
- 17 -
Tão logo o coronel Ezequiel Torres saiu do escritório, Martinez foi até a varanda para convidar cabo Moisés a entrar e começar a conversa em segredo que o ex-soldado dissera que tinha para contar. Apesar de está suje e magro Moisés não era tão velho como fazia crer. O capitão tinha seus 50 anos e Moisés era um pouco mais velho que ele. Nunca lera nem sabia escrever tão certo. Tudo o que sabia era assinar o seu nome com letras descompassadas. Não raro ele dizia não saber assinar o nome e colocava o próprio polegar como assinatura. Ele era um homem do campo, plantava feijão, milho e mandioca como ninguém no mundo. Podia dizer o que a terra produzia, mas não sabia nem mesmo ler. Carregar uma pistola, um fuzil, um rifle e até mesmo uma metralhadora, isso ele fazia como ninguém. No esquadrão onde ele ficou a prestar serviços era até chamado de armeiro pelos colegas de farda pelo jeito com que manejava armas. Porém, isso de nada lhe significava. Ele costumava dizer que era um soldado e por isso carregava arma ou mesmo consertava armamento. Outra coisa ele não pretendia ser. Moisés era uma pessoa tapada, burra por assim dizer. Todavia, quando era para falar, ele falava. Decorou uma Bíblia do principio ao fim e não sabia fazer um “O” com uma quenga. Era assim Moisés. Cuidava de gado, criava porcos e outros animais. Ele era pau para toda obra. Contudo, ler, ele não sabia. Mesmo assim, Moisés era prosaico com todas as pessoas com quem falava.
No dia em que chegou ao Rancho Maxixe Moises estava ofegante de tanto andar e quase correr, pois não era costume mais na idade de 52 anos de caminhar correndo ou mesmo às pressas. Porém naquele dia ele fez o possível para andar mais do que de costume. Com sua forma de “S”, da cabeça aos pés, de tanto trabalhar na roça, Moisés deixou de ser empertigado para ser um verdadeiro “S” na forma e no efeito. Quando o capitão Martinez voltou para lhe chamar para o escritório, Moises estava sentado no chão, com uma perna encolhida fazendo do joelho uma escora para as suas mãos e a outra perna estirada no assoalho do alpendre. Ele, ao ver o capitão se levantou e de pronto disse:
--- Pronto, meu capitão. – falou Moises com seu jeito meio acanhado de falar.
--- Vamos entrar. Pois não. – respondeu Martinez ao cabo Moises.
E os dois entraram no escritório do coronel com Martinez trancando a porta com chave para deixar a vontade o cabo velho. Quando eles já estavam sentados em poltronas confortáveis Moisés estirou-se como pode ao sentir a maciez do tecido daquele assento. Só após alguns instantes de prazer e satisfação é que ele começou a falar.
--- Capitão! É o seguinte: o senhor é um homem marcado para morrer. – relatou Moisés com temor.
--- Ora deixa disse, Todos nós estamos marcados para morrer. – frisou Martinez.
--- Não! Mas é verdade! Eu corri não seu quantas léguas para avisar ao senhor. – falou o homem quase engasgado.
E relatou que ele estava numa bodega quando entrou um sujeito de rosto feio e uma cicatriz na face para conversar com outro homem da fazenda do Barão de Itabira. Ele se fez de dormindo para poder ouvir a conversa. Ao final o homem pagou em dinheiro para ele vir até a Fazenda Maxixe liquidar o capitão Martinez que se encontrava escondido naquele local há uns dias. Quando o homem do Barão falou em Maxixe, ele decorou o nome e partiu para avisar ao capitão Martinez de que havia um homem com uma cicatriz no rosto a espera de matá-lo.
--- Besteira! Tem muita gente nessa mesma intenção. - falou Martinez.
--- Mas é verdade! O caso é serio meu capitão! – relatou com assombro o cabo velho.
Foi aí que uma porta que dava para outro compartimento se abriu e uma moça entrou vagarosa para dizer que esteve ouvindo a conversar. Na verdade, ela notara um homem com uma cicatriz na face quando entrava no estábulo da fazenda o por lá ficou não saindo mais.
--- Não disse Capitão? – perguntou ofegante o cabo velho.
Então o capitão ficou cismado e perguntou quem era a moça que estava a falar naquele momento depois de ouvir a conversa secreta do cabo Moisés.
--- Sou Ana Luna, filha do coronel Ezequiel Luna. – respondeu a moça.
--- Certo. Agora não diga a ninguém que ouviu ou sabe da conversa. Eu vou sair pela porta de entrada do escritório e deixarei o cabo do lado de fora. Silencio, ouviu? – perguntou o capitão Martinez.
--- Pode deixar capitão! – falou Ana Luna com bastante certeza.
Em determinado momento o capitão saiu pela porta principal do escritório levando consigo o cabo Moises. Após sair, agradeceu ao coronel Ezequiel pela cortesia dada aos dois amigos e chamou para um lado os seus companheiros, deixando de lado o cabo velho para se refazer da caminhada. Após alguns instantes, os companheiros estavam reunidos em certo lugar com o capitão dizendo que se esperasse ficar de noite para então os três cercarem o estábulo e deixassem que ele entrasse sozinho no local. O dia estava quase a terminar e toda a turma não tinha muito que esperar. O capitão aproveitou para conversar sobre amenidades, criação de gado e exportação para o mercado português de carne bovina dentre outras coisas que importasse. A conversa prosseguiu até o anoitecer quando o coronel Ezequiel os chamou para o jantar. O capitão aceitou o convite pedindo licença enquanto teria que se banhar. Foi nesse momento que os companheiros do capitão cercaram o estábulo deixando a porta principal aberta para que ele entrasse. Em poucos instantes, o capitão entrou no estábulo topando por querer com um balde que estava no caminho.
--- Merda. Esse pessoal não sabe onde deixar as coisas? – falou o capitão prevenindo aos seus e à Cicatriz que estava entrando para não deixar duvidas ao matador.
Quando acabar ele entrou no estábulo e escolheu um local onde armou com troncos de madeira uma porção que parecia um homem deitado a dormir. Com meia hora Cicatriz levantou devagar e alvejou com três tiros “o homem que dormia” a sono solto. Nesse instante, ao se virar para sair, Cicatriz encontrou um revólver encostado em suas costas. Apavorado então Cicatriz gritou:
--- Você aqui? – falou Cicatriz.
--- Não restam duvidas! – respondeu o capitão com um sorriso na face.
--- Mas atirei em você! – reclamou Cicatriz, amedrontado.
--- Atirou em um troco de madeira! – disse o capitão Martinez com arma apontada para Cicatriz.
Cicatriz a suar pergunta o que o homem tenciona fazer. Nesse instante um tiro se ouve atingindo Cicatriz na cabeça. Um outro quase em cima da hora foi ouvido desferido pelo companheiro Satanás atingindo o homem que caiu de cima de um madeirame gritando um berro mortal. Por fim, um tropel de cavalo quase no mesmo instante levava para longe outro bandoleiro. Um tiro de rifle foi ouvido de um companheiro de Martinez causando a morte do homem que fugia. Tudo se deu em um só instante. Em seguida, entrou no estábulo o coronel perguntando o que tinha havido do seu modo assustado.
--- Nada não. Só uns corpos. – falou Martinez sorridente.
--- Puta merda. Mas você faz isso sem me prevenir? – falou o coronel alarmado.


--- É....É sinal de que devo partir logo cedo. Não posso mais ficar aqui. Esse bandido foi a mando do Barão. Uma vez ele erra. Da outra pode acertar. Tenho que ir embora. – falou o capitão Martinez de forma pensativa.
O Juiz Mardoqueu estava na varanda olhando o que se passara. O feitor Zenon estava perto do coronel. Ele e um bando de capangas. Outros entraram para apanhar o cadáver de Cicatriz. Outros foram buscar os do segundo e terceiro bandoleiros. Alguém dizia se arrepiando todo.
--- Que tiro certeiro de longe. O homem já caiu morto. – disse um capanga alarmado.

domingo, 30 de maio de 2010

LUZ DO SOL - 16 -

- ANA LUNA -
- 16 -
Nesse ponto Martinez aproveitou para ver a agilidade com que sacava o revólver o seu algoz embora fizesse com um sorriso amargo um leve assobio com quem notara pela primeira vez alguém sacar uma arma com tamanha precisão e acertar em uma moeda em pleno ar. Para Martinez aquela foi uma demonstração de quem sabia sacar e atirar. E ele faria de tudo para não acertar em uma moeda atirada em pleno vôo. Por isso não se decidiu em atirar em um centavo. Martinez pediu ao bodegueiro mais uma rodada de cachaça para todos os presentes. O seu rival não quis tomar a cachaça que Martinez servia a todos. Apenas ouviu o seu chamado para disparar a sua arma e mostrar a sua agilidade com o revólver. Martinez não se mostrou interessado porque não haveria de servir para coisa alguma, assim desse ele.
--- Meu nome é Diabo Louro. Você está à procura de mim? – perguntou o homem sorridente e amigável.
--- Quem? Eu? Nem sabia seu nome. Para mim é um novo grande amigo, amigo. –respondeu Martinez com seu sorriso amargo.
--- Pois me mostre a sua destreza! – falou Diabo Louro sorrindo e se ajeitando de modo no balcão.
--- Mas eu já disse que uso revólver só pra matar cobra. – sorriu Martinez.
--- E esses amigos que lhe cercam? – perguntou Diabo Louro apontando para o amigo Satanás que estava a seu lado direito. E se virou para Satanás.
Nesse ponto, Martinez sacou sua arma e encostou-se ao peito de Diabo Loiro com intenção de atirar para matar. Nesse ponto, o homem loiro notou sua fragilidade e se mostrou incapaz de reagir. Olhou para os seus sequazes e disse algo com o olhar. Nesse instante um dos sequazes se armou de uma arma para fazer mira em Martinez. Foi à vez de Satanás atirar bem na testa do bandido que o derrubou por sobre sacos de cereais. Nesse instante, o dono do bar quis pegar em uma arma por baixo do balcão e foi quando Martinez fez a vez de quem manda:
--- Cão!!! – o cão saltou no balcão e agarrou o bodegueiro pela garganta ficando rosnando em cima do homem esperando a segunda ordem.
Martinez arrastou a arma do bodegueiro, uma carabina, que ele próprio espatifou por sobre a banca. Quanto ao cão ele conservou em cima do bodegueiro.
--- Agora estamos nós. Uma já se foi. – disse Martinez sorrindo.
--- Você vai me matar? – perguntou Diabo Loiro ao seu rival.
Nesse mesmo ponto os homens de Martinez foram de imediato até o ponto onde se encontravam os pistoleiros de Diabo Loiro desarmando a todos, chutando as suas armas então descarregadas para fora da bodega. Um menino estava a ver tudo do lado de fora encostado à soleira da porta.
--- Vai depender de você. – respondeu Martinez sorrindo amargo.
--- Tente! – disse Diabo Loiro olhando fixo e sorridente para Martinez enquanto fazia um gesto de desarmar o executor com uma tapa com ambas as mãos que estavam levantadas.
Em um instante Martinez disparou o seu revolver no peito de Diabo Loiro que pode ainda dizer.
--- Você me matou, heim? – falou Diabo Louro a olhar o seu sangue a molhar a casa.
--- Foi o que eu disse. Depende de você. – sorriu Martinez.
O homem foi caindo devagar até encostar-se ao chão. A sua mão ainda estava no cabo do revólver esperando qualquer ação de Martinez. Esse disse apenas isso.
--- Belos revólveres. Niquelado. Cano longo. Cabo de madrepérola. Dignos de um homem como você. É uma pena. Quando você morrer eu vou ficar com eles. – disse Martinez.
--- Pode ficar. São seus. Mas era a mim que você procurava? – perguntou Diabo Louro.
--- Claro que sim. – respondeu Martinez sorridente.
O homem então fez o último gesto de sacar o revólver e então Martinez fez o ultimo disparo do peito do bandoleiro. Com isso, ele acabou de vez com a vida do facínora. De imediato ele pegou as armas do facínora morto, mandou que seus homens o levassem para a montaria que estava fora da bodega, chamou o seu cão e saiu de frente para dentro da bodega como fazia quase sempre e ao alcançar a porta ouviu de um garoto.
--- Cuidado!!! – gritou o menino.
Um tiro foi disparado de traz de uns sacos de cereais com a bala se alojando na porta. Martinez voltou a atirar em direção aos sacos e ouviu somente um berro de um quarto bandoleiro que estava pronto para matar o homem. Apontou a arma para dentro da sala, caminhou de costas enquanto os outros homens arrumavam o corpo de Diabo Louro em cima do seu cavalo, pegaram as armas dos outros bandoleiros e sacudiram longe para dar tempo deles fugirem. Nesse ponto, o local se encheu de gente com a presença do Delegado e de alguns soldados para montar guarda no local. E o Delegado ainda pronunciou.
--- Eu não disse que eram eles? – e prendeu os dois bandidos que ficaram no salão e o dono da bodega.
Nesse meio tempo, já ao anoitecer, Martinez chegou à fazenda do capitão Zenóbio Manso com o cadáver do Diabo Louro. Ele fez a entrega do corpo e ajustou as contas com o capitão dizendo que havia mais dois cadáveres que a Delegacia devia sepultar. Com isso aumentou um pouco a despesa. O capitão Zenóbio ordenou que os seus capangas sob as ordens do feitor Temístocles fossem sacudir o defunto de cima de um despenhadeiro, em queda de cinqüenta metros, no fim do cercado, pois assim havia certeza que o morto estaria bem morto. O senhor Martinez comemorou a vitória que teve naquele dia com os seus companheiros e depois foram dormir. No dia seguinte, a turma partiria para a fazenda do coronel Ezequiel Torres, pois o capitão havia dito que ele prestaria bons serviços para o coronel, o major e o capitão, certamente. Sabugo já havia saído logo depois da entrega do corpo de Diabo Louro cujo nome era Calvino Quaresma, pois se encontrou em seu alforje um papel com o seu nome verdadeiro. Contudo, para todo o pessoal o apelido era o que importava.
Passaram-se os dias, talvez um mês, quando Ana Luna já estava em casa do coronel Ezequiel a descansar do parto prematuro do qual fizera tendo ainda um semblante de total fraqueza. O bandoleiro Martinez estava ainda a repousar com seus capangas no alpendre da fazenda jogando pôquer. Foi nesse momento que um homem todo esmolambado chegou à porteira da fazenda querendo falar com o capitão Martinez. O homem que atendeu chegou a lhe dizer que ali não havia nenhum capitão Martinez. Só existia um Martinez, pois esse não era capitão. O homem insistiu que ele teria sido capitão em uma guerra onde o velho lutou ao seu lado. Depois de muita peleja, o esmolambado conseguiu entrar com a ajuda do feitor Rafael Zenon a quem o homem pediu, por favor, pois era caso de morte.
O velho homem de aparência raquítica, mostrando-se extremamente cansado, pois tivera que seguir um longo caminho e estava com aparência de quem tanto correra. Zenon levou o velho ao alpendre onde estava Martinez e logo que o viu, o velho rezou por ter chegado ainda cedo, pois o bandoleiro ainda estava plenamente vivo. Embora exausto e com muita sede, ele pediu um pouco de água a Zenon para poder falar com aquele homem a quem chamava de “capitão”. O bandoleiro atendeu ao velho a quem chamou de cabo Moisés há quem muito devotara amizade no tempo em que ele fora capitão de uma equipe de soldados e batedores em regiões do sul do país. O homem que se entendia como bandoleiro era, na verdade, um velho capitão. Porém com o fim do conflito em que se metera, ele deu baixa das fileiras seguindo com apenas três cavaleiros e agora aparecendo o cabo Moisés.
Após o descanso merecido de meia hora, cabo Moisés disse ao capitão Martinez ter algo para lhe falar em canto reservado. O capitão Martinez foi ouvir o coronel Ezequiel como podia ter conversa em um canto reservado com o seu cabo Moisés. O coronel disponibilizou o seu escritório para tal conversa e em seguida perguntou que historia era aquela de capitão.
--- Fui capitão senhor coronel. Fui capitão. Houve conflitos do sul e eu era capitão do efetivo. Porém, depois houve a paz e não me restou a não ser pedir baixa das fileiras. Com três companheiros segui outras trilhas e desde então venho a ganhar a vida matando bandoleiros de aluguel. E eu sou um deles também. – falou Martinez dando uma boa gargalhada.
--- Folgo em saber disse capitão. De agora em diante vou tratar o velho companheiro por capitão. Com relação ao segredo pode convidar o seu valoroso cabo Moisés para o meu escritório. – arrazoou o coronel Ezequiel de forma altaneira.
--- Vejamos o que o “doido” quer. Ele é meio mole dos miolos. Mas sempre serve, pois quando têm casos importantes ele sempre lembra. – falou o capitão Martinez.
--- Assim é bom. Assim é bom. Eu os deixo a sós. Pode trazer o cabo Moisés. – falou o coronel pondo seu chapéu na cabeça esse levantando para abrir a porta do escritório.

sábado, 29 de maio de 2010

LUZ DO SOL - 15 -

- ANA LUNA -
- 15 -
Quando o capitão Zenóbio Manso entrou na bodega com seu traje de vaqueiro para não dar má impressão foi saudado com entusiasmo pelo bodegueiro Genésio, homem rude o corpulento, barrigudo até onde a camisa não abotoava e as calças folgadas ficavam abaixo da cintura. Muito alegre Genésio fez ouvidos para o capitão Zenóbio que falou baixinho ao pé a orelha. Os seus homens, inclusive o rapaz Sabugo, ficaram do lado de fora do estabelecimento aproveitando a sombra que fazia o alpendre apesar de ser baixo. Deli em diante os homens podiam ver um colossal panorama que eles mesmos tiveram que atravessar a cavalo. Um lugar remoto de quase ninguém bem parecido com a região do Saco, um lugarejo como aquele cuja morada por várias vezes foi tempo de Sabugo se homiziar para se defender de um bando de inimigos que então fizera.
Dentro da bodega o capitão perguntou a Genésio se lá estava o senhor Ferro Martinez com quem gostaria de dialogar. O homem Martinez era forte e robusto, um metro e noventa de altura, musculoso e de certa forma rápido no gatilho. O bodegueiro pediu um instante para ver se Martinez podia atendê-lo por em certas ocasiões naquela hora o gigante sempre estava a dormir para sossegar do que fizera nos dias passados. A bodega de Genésio era o esconderijo de Martinez quando ele estava em um serviço por perto daquele local. Havia um quarto separado naquele local para ele e seus capangas cuja denominação apenas os chamava de companheiros. E assim, Martinez ou mesmo Ferro se mantinha em plena forma ao ser chamado para algum serviço. Apenas os homens de ótima informação sabiam que Martinez estava em tal bodega e quando precisava dos seus préstimos sabiam como chegar até ele. E o capitão era um deles.
Sem pressa e com cuidado Martinez chegou até um balcão meio tosco mostrando sua má conservação e o cumprimentou o capitão Zenóbio Manso quem o conhecia de velhas datas por serviços prestados, assassinatos com certeza, e ouviu do mesmo que então os dois precisavam conversar. Sem meios termos, o executor o chamou para entrar no cubículo para ele feito, com seu cão de guarda a farejar o estranho, pois sempre Martinez o levava nas empreitadas rápidas ou difíceis. Aquele era o seu cão de guarda para todas as defesas de que Martinez precisasse. A todos os estranhos o cão sempre estava a farejar para ver se era amigo ou não, se prestava ou não como todo o bom cão costumava fazer. O gorducho bodegueiro se encheu de sorriso ao ver os dois companheiros se encontrarem de novo. Com certeza aquilo deveria ser mais dinheiro para a sua bodega. Afinal um só encontro não resolveria a sua situação de dono de uma bodega. Os homens, sob cortesia de Martinez ao tirar o chapéu e fazer a vez do bom anfitrião, entraram para os aposentos do verdugo cuja atenção fez vez com se fazia ao se procurar um bandoleiro. Para entrar no aposenta, o homem fez dois toques e mais um terceiro avisando que estava tudo severamente organizado e que pretendia entrar. Dentro dos aposentos do quartinho havia uma espécie de beliche de um lado e do outro do quarto, umas quatro o cinco cadeiras, uma mesa onde três jagunços com cara perversa jogavam pôquer sem desviar o olhar da partida, uma bacia de água e um caneco que àquela hora estava seco.
--- Bem. Todos nós somos amigos. Esse é Satanás e os outros dois amigos o senhor vai conhecer com o tempo. Mas, há quanto tempo não vemos! De que se trata agora? – perguntou Martinez de vez interessado.
--- Bem! Bom dia a todos! É o seguinte. Tenho um serviçinho para o mestre. Em uma bodega da Vila está um sujeito loiro, todo de preto, vindo a mando de não sei quem matar o coronel Torres. Foi ele quem pediu o vosso serviço. Você vai e dá cabo dele e dos outros por ventura que estejam com ele. Mas faça isso devagar. Entende? – falou o capitão pouco assustado.
--- Pode deixar que eu farei. – respondeu o amigo de Zenóbio Manso.
--- O combinado; a metade agora e a outra metade quando você me entregar o corpo do facínora. Certo? – falou o capitão.
--- Se for um tem um preço. Se for mais de um, aumenta mais um pouco. Aqui tudo é dividido. Os rapazes ganham iguais a mim. Certo? – perguntou Martínez.
--- Certo. Certo. A gente acerta isso quando o corpo me for entregue. Se for mais de um, eu pago. Não tem problema. Agora, eu vou sair com meus homens e você siga a trilha da Vila Riacho das Pedras. Está ótimo. Bom dia. – cumprimentou o capitão.
O Capitão Zenóbio e seus homens saíram da bodega caminhando para o seu sítio longe da bodega, longe também da fazenda Maxixe do coronel Ezequiel e bem longe ainda do Vilarejo Riacho das Pedras. Houve um tempo para Martinez seguir com os seus bandoleiros. Quando o tempo já marcava uma boa distancia, Martinez seguiu com sua turma e seu cão direto para a Vila orientando a todos, menos ao cão, como não era preciso, de que ao chegar da bodega da vila ele somente falava. E disse que Satanás ficasse do lado direito do loiro e os outros dois se espalhassem por outros locais.
Foi uma eterna viagem aquela a qual levou até a Vila Riacho das Pedras, com Martinez, seu cão e os seus companheiros fazendo voltas alongadas e difíceis para disfarçar de onde vinham na verdade. O sol caminhava para o seu poente, quase quatro horas da tarde. Martinez era todo suor. O cão seguia montado em uma espécie de cestas e que terminou quanto o pessoal entrou na vila. Daí em diante o cão foi posto no chão. Mesmo sendo um animal, esse cachorro também não podia caminhar longas distância sem ter que repousar. Daí porque Martinez tinha o cuidado de lavar sempre em um cesto aquele cão protetor, pois o animal já defendera o seu dono em várias ocasiões. Os quatro homens chegaram à Vila com muito vagar e logo Martinez procurou uma bodega onde estivesse um rapaz loiro. Depois de certo tempo encontrou o seu canto. O rapaz loiro estava em pé em uma bodega que havia no vilarejo. Era certo que o homem tinha visto Martinez ainda longe quando o bandoleiro hábil e contumaz e seus sequazes caminhavam para o seu derradeiro ponto. Ao chegar na bodega, Martinez procurou entrar por uma porta deixando que seus amigos entrassem por outra. Então, Martinez cumprimentou a todos de forma amigável.
--- Olá pessoal! Vamos beber todos por minha conta! Hoje estou fazendo aniversário! – proferiu Martinez feliz da vida.
Satanás procurou o seu ponto de referencia pela direita do homem loiro que estava ali há certo tempo, fazendo horas para agir, com certeza na morte do coronel. O homem vestia preto da cabeça aos pés. Apenas uns botões dourados lhe enfeitavam a camisa negra. Aquele traje dificultava se notar a sua presença à noite quando o quadrilheiro costumava atuar em suas campanhas da morte. Além do mais parecia a ele aquele ser um traje adequado para um bandoleiro. Ele usava dois revolveres colt 45, um de cada lado. Havia quem dissesse por longos caminhos que ele era exímio no gatilho. Quando Martinez entrou na bodega, ele notara bem antes do mesmo chegar. Por isso se postou de frente, escorado no balcão, com o pé direito suspenso escorado numa trave que protegia o balcão e sorria eternamente, mostrando os dentes trincados para o seu pretenso algoz.
Ao entrar na bodega, Martinez saldou a todos e em particular ao homem louro que acompanhava seus movimentos. De certa vez, quando Martinez já estava no balcão pedindo bebidas para todos os presentes, o homem louro se acercou dele e juntou o seu rosto quase chegado ao de Martinez, recolhendo o seu próprio copo e falando baixo perguntou:
--- O amigo vem de longe? – perguntou o loiro a sorrir.
--- Muito longe. Do sul para o norte. – respondeu Martinez fazendo com os braços um exemplo quem viajava pelo sertão. E Martinez também sorriu de forma amarga.
--- Não encontrou o seu amigo, amigo? – perguntou o loiro a Martinez sempre cordial.
--- Amigos? São todos os meus amigos, amigo! – apontando os que estavam sentados.
--- Por acaso sabe atirar? – perguntou o bandoleiro apontando para o revólver 38 que Martinez trazia em seu colt.
--- Quem? Eu? Essa arma só serve para matar cobra no mato. Ou caçar! – disse Martinez sorrindo para o seu algoz que também sorria.
Nesse ponto, o bandoleiro puxou de sua arma e apontou para Martinez.
--- Digo isso, amigo! – falou o loiro de forma sorridente.
--- Que é isso amigo? – perguntou Martinez sorrindo também.
E o bandoleiro desviou a arma e jogando uma moeda para cima acertou bem no centro fazendo ricochetear para um lado, perfurada no meio.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

LUZ DO SOL - 14 -

- ANA LUNA -
- 14 -
Abel Viana tornou-se ferrenho adversário do Juiz de Direito Mardoqueu Ramos de há muito por questões diversas, até políticas. Certa vez Abel Viana jurou vingança contra o Juiz Mardoqueu. Isso até mesmo depois da morte do seu filho, Abelzinho, como o velho carinhosamente o chamava. Joca de Mundica matou o filho de Abel Viana e disso a inimizade cresceu mais ainda. Onde estivesse o magistrado sempre corria o risco de ser morto. O homem da Justiça também era bom no gatilho e por várias vezes acertou em seus rivais, bandidos a mando o coronel Abel Viana e de outros inimigos políticos ou não. O certo é depois de uma vingança sempre haveria de vir outra se não fosse acertada a primeira ou segunda ou terceira ou quanto mais que fosse. Dessa vez estava metido no meio o também Coronel Ezequiel Luna Torres homem valente e capaz de matar o seu próprio amigo se assim carecesse. Bom no gatilho, o Coronel tinha ainda a seu dispor a ação do feitor Zenon e então também o mulato Sabugo e de certa enfermeira que ele - o coronel - conhecera há pouco tempo. Seu nome era Guacira que fazia o papel de enfermeira, guardando por todo o tempo o Doutor Mardoqueu mesmo depois que ele começara a andar pelos corredores da Casa Grande. A despeito de existir na Fazenda três filhas do coronel, ali não havia um bom sossego enquanto o doutor Mardoqueu estivesse sob proteção do Coronel Torres. Assim era a vida na Fazenda Maxixe.
Certo dia, o Coronel Torres caminhava em direção do quintal da Casa Grande quando surgiu um rapaz de forma sorrateira, caminhando nas pontas dos pés, com uma faca não, por trás do coronel sem que esse prestasse atenção e ergueu a mão para desferir o golpe fatal. Nesse momento, por trás do vaqueiro caminhava o mulato Sabugo que notou a intenção do vaqueiro e lançou como uma seta certeira o seu punhal que foi se cravar no pescoço do homem, fazendo-o cair de imediato, provocando tremendo barulho atrás do Coronel Torres. Com tal barulho provocado por um “arg” do assassino o Coronel se voltou às pressas vendo ao seu redor aquele vaqueiro, a faca, e o jovem Sabugo correndo para cima do assassino tentando perguntar de quem se tratava. Porém, o punhal certeiro não deu tempo ao homem falar, pois já estava morto.
--- Para mim? Esse covarde? Como é que pode? – reclamou o coronel.
--- Para o senhor mesmo. Ele teria matado o senhor. – falou Sabugo de modo sério.
--- Você me salvou! Zenoooon!!! – gritou estridente o coronel chamando o seu feitor.
De imediato, Zenon, que estava nos fundos da Casa Grande contando o numero de vaqueiros e procurando ver quem estava ali há pouco tempo, saltou em cima dos pés de voltou ao chamado do Coronel Ezequiel, alarmado. De outro lado os capangas do coronel, ao ouvirem o seu gritar correram para ver e chegaram para reconhecer o cadáver do homem ainda jovem.
--- Meto Ferro. – disse um.
--- Quem? – perguntou outro.
--- Meto Ferro, disse ele. Era assim que se chamava. Agora está morto. Por quê? – respondeu quem falou primeiro.
--- Zenon! É assim que me proteges? – voltou a falar o coronel embrutecido.
--- Mas coronel, eu estava contando os vaqueiros para ver quem era novo aqui! – respondeu Zenon um pouco sentido.
--- Pois deixe de contar. Eu estou indefeso nessa casa. Se não fosse Sabugo, você não teria mais a mim. – retrucou o coronel cheio de raiva.
--- Sim senhor, coronel. Eu não conto mais. Deixo outro pra contar. – respondeu Zenon cabisbaixo por ter que fazer outro serviço.
Nesse ponto se ouviu um disparo de arma de fogo vindo do quarto do Juiz. Sabugo correu em disparada seguida do coronel e de Zenon. Em lá chegando encontrou um corpo do chão. Olhou para o Juiz e esteve estava assombrado. Ele olhou para Guacira, e esta estava tranqüila limpando com um sopro o cano do revolver 45 para pólo no coldre. Sabugo perguntou então o que tinha havido.
--- O bandoleiro e mandou eu me sentar, pois não queria me matar comigo de pé. Foi nesse espaço de tempo que eu saquei a da arma e o resto você sabe. – falou Guacira.
--- Muito bom. Muito bom. – falou Sabugo.
O coronel chegou apressado e indagou de forma surpresa.
--- Que houve? Que houve? – perguntou o Coronel Torres pasmado.
--- Mas um. Só isso. – respondeu Sabugo de forma ironica.
--- Está vendo Zenon? Está vendo? – berrou o coronel Torres.
--- Eu sei coronel. Mas este ai entrou ontem. Zacarias o nome dele. – falou Zenon.
--- Já perco as contas nos dedos. – refletiu ligeiramente Sabugo enquanto sorria.
--- Isso é uma merda! Que proteção se está dando ao Juiz em nossa casa? – gritou afrontado o coronel Ezequiel Luna Torres.
--- Tenha calma, coronel. O senhor seja prudente. Veja que só morreu gente do outro lado. – falou Sabugo.
--- Eu sei meu jovem. Eu sei. Mas não era para ser assim. Uma coisa dessas nunca aconteceu aqui desta forma. E nem de outra. – expôs o coronel Ezequiel.
--- Veja bem. Sejamos sensatos. Zenon tem a parte dele, Guacira tem a sua, o senhor tem também a vossa parte. Eu tenho a minha parte. O Juiz que já está bem melhor tem como pensar. Agora vamos discutir as partes de cada qual. Entende agora? – falou Sabugo de forma coerente.
A partir de então cada qual montou uma estratégia de defesa. E foi assim por mais alguns dias quando o delegado chegou a Casa Grande trazendo informações de que estava ciente sobre um homem louro que permanecia na Vila Rancho das Pedras a procura do Coronel Torres para matá-lo. Ele mesmo não tinha motivos para prendê-lo, pois a conversa lhe veio através de terceiros. A ele só era possível mesmo investigar. Porém, investigar podia despertar acima de tudo suspeitas. O que seria melhor era o coronel falar com o capitão Zenóbio Manso, senhor de terras que poderia ter acesso a certos homens o qual seria bem melhor. O coronel Torres ouviu a explanação e decidiu chamar de fato o capitão Zenóbio Manso para lhe relatar tal fato. Com isso pediria ao capitão ajuda para conter o tal de Loiro. Certamente que esse era um bom plano. Em seguida o coronel Ezequiel chamou o seu homem forte dos últimos tempos – Sabugo – para ir ter com o capitão e contar-lhe sobre tal façanha. Com isso evitaria do capitão vir ao rancho Maxixe e partiria com certeza para um local onde Zenóbio sabia existir pessoal capaz de enfrentar um inimigo – como se dizia – a altura. E foi assim que Sabugo fez. Deixando o Rancho sob os cuidados da moça Guacira, ele partiu sob expressas recomendações de manter rigoroso silencio. Ao chegar ao local Fazenda Arroio do Boi, o jovem Sabugo, ainda desconhecido dos capangas do capitão Zenóbio ele apenas disse que trazia um recado do coronel Torres para entregar pessoalmente ao capitão.
--- Quem é você? – perguntou um jagunço.
--- Da casa do Coronel Ezequiel, sô! – respondeu Sabugo.
--- Moreno assim? – inquiriu o jagunço.
--- É minha cor, patrão. – redargüiu Sabugo se mostrado muito manso até.
--- Vou falar com o feitor. Espere aqui. Não tem por que! – respondeu o jagunço.
Já passados alguns minutos apareceu o feitor e logo reconheceu Sabugo. Fez festas, cumprimentou e chamou Sabugo para descer, pois o capitão estava no alpendre. Esse também reconheceu Sabugo, o rapaz do calço que derrubou o feitor Zenon. Após muita festa o capitão foi direto ao assunto. E Sabugo explicou o que o coronel Ezequiel Torres estava a precisar e confiava então no capitão por sua alta influencia no meio.
--- Bem! É certo que tenho alguns influentes conhecidos. Mas, o senhor vem comigo? – perguntou o capitão Zenóbio.
--- Se for preciso, eu vou. – respondeu Sabugo.
--- Bem. O meu feitor Lindolfo virá também. Pode-se se arranchar que partiremos em meia hora, - falou o capitão Zenóbio preocupado.
Temístocles era o feitor do capitão Zenóbio Manso que fez amizade segura com o rapaz Sabugo apesar de esse não ser o feitor do coronel Ezequiel Luna Torres. No caminho para o local do encontro do capitão Zenóbio Manso onde o senhor de terras teria com um estranho eles dois trocaram impressões sobre o calço que o rapaz teve que dar no feitor Rafael Zenon o que fez gargalhar por diversas vezes o capitão Zenóbio ao pensar que alguém pudesse fazer o mesmo com o seu feitor numa contenda como aquela que houve do lado de fora do necrotério da Delegacia de Polícia que ficava na Vila Riacho das Pedras. O grupo composto por cinco homens, três dos quais eram o capitão Zenóbio, seu homem forte Temístocles, o rapaz Sebastião Sabugo e dois capangas enfrentaram as agruras do sertão ao atravessar campos de juremas, angicos e alguns pés de juá, em um sol terrível e escaldante, por fim eles avistaram a bodega do compadre Genésio que alimentava as bocas de roceiros, velhos, meninos, moças e mulheres raquíticas que residiam em mocambos feitos de pau e corda entrelaçada ou mesmo de palha, chão de barro batido, algumas sem pintura de cal. Era essa a vida da roça que não se conhecia.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

LUZ DO SOL - 13 -

- ANA LUNA -
- 13 -
Após estar com o juiz Mardoqueu por meia hora, o coronel Ezequiel Torres resolveu se confessar no seu próprio escritório, onde não havia viva alma com o Monsenhor Bento pároco da Vila Riacho das Pedras. Ele queria despejar seus sentimentos pela morte que ele ordenara do vaqueiro Manoel Jacó na manhã daquele mesmo dia. O vaqueiro era branco, diferente dos escravos os quais os mantinham na senzala, alguns até mesmo sobre chicote dado pelo feitor Rafael Zenon. Mas esses eram “escravos”, portanto não podia ser gente como o vaqueiro Jacó e outros vaqueiros da fazenda Maxixe. Era por isso que pedia arrependimento por tê-lo morto. Apesar de dois meses atrás o vaqueiro ter ofendido a sua filha extraconjugal, Ana Luna, menina-moça bem vistosa e muito ingênua como demonstrou ser. Nem mesmo a sua mãe legitima que a criava sabia do acontecido. Só veio saber naquele dia. Porém, o vaqueiro Jacó viveu vários anos em sua fazenda e era muito respeitado pelo seu patrão. Certa vez, Jacó pediu a Zenon que fosse padrinho de sua filha Judite o que de fato foi aceito. E quando o coronel deu a ordem para que Zenon matasse a todos incluía ai também a afilhada do feitor. Por esses pecados o coronel então pediu perdão ao sacerdote acreditando que Nosso Senhor o perdoaria também. O Padre ouviu toda a confissão do coronel, do martírio por ele imposto ao vaqueiro, apesar do mesmo ter ofendido a sua filha e disse enfim que o homem estava perdoado pela Santa Madre Igreja que entenderia com respeito e Deus do Céu que estava ouvindo, Este perdoaria com certeza. E como penitencia o Monsenhor Bento mandou que o coronel rezasse um Pai Nosso e três Ave Maria para contrição dos seus pecados. Daí por diante o Coronel Torres estaria livre de qualquer punição da Providencia Divina.
O coronel rezou contrito a penitencia passada com muita comoção e logo após ouviu por parte do reverendo sacerdote a preocupação que estava com a Igreja de Nossa Senhora, pois a qualquer momento poderia haver um desabamento do telhado sobre os devotos.
--- Por que não me disse isso antes. Monsenhor? – perguntou aflito o coronel.
--- Porque, o senhor sabe. O senhor tem tanta preocupação com todos nós da paróquia e eu não tive meios de falar com o senhor. Juro por Deus que foi só por isso. Mas, com certeza, com a ajuda de todos, podemos fazer o conserto. – proclamou o Padre Bento.
--- Não senhor. Eu pago tudo que for preciso. Até mesmo a pintura dos Santos tão milagrosos que são. – retrucou o coronel.
--- Não precisa. Não precisa. É só o telhado. Enquanto isso eu celebro Missa do lado de fora mesmo. – disse a padre querendo puxar mais um pouco do pecador coronel.
--- Que é isso, Padre. Expor o senhor as intempéries? Nunca. O senhor pode celebrar missa na minha Igreja que tenho aqui. – disse o coronel empanturrando-se de gloria.
--- Está bem coronel. Está bem. Garanto que Deus vai se lembrar desse sacrifício que o senhor promete. – relatou o Monsenhor, voltando os olhos para o Céu.
Após passar este momento o Coronel Torres disse ao vigário uma intenção que lhe estava em aflição. Ele pretendia fazer eleições para Prefeito da Vila e bem queria que o sacerdote sondasse os dois outros companheiros amigos do coronel, o Major Pontes e o Capitão Zenóbio. O Sacerdote disse:
--- Pode deixar que eu irei perguntar a eles. Não se preocupe. Eu pergunto. – expos o Pároco daquela missão.
--- Muito bem. Estamos acertados. – proclamou o coronel Torres já confiante no pleito.
Logo após o dialogo com o Monsenhor Bento, o coronel Ezequiel Luna Torres foi até a varanda para ver o seu gado a pastar no curral. Nesse momento, chegou a sua fazenda o delegado Castanheira completamente suado da caminhada que fez até o Maxixe e de outros labores tomados onde na Vila Riacho das Pedras teve por fim com a ajuda do farmacêutico Epaminondas Levi constatar a morte do homem sem identificação. Nesse ponto, o Juiz Mardoqueu saiu da Vila em companhia do Pároco caminhando também para a fazenda do coronel. Sem identificar o cadáver, ele pode confirmar apenas que o homem fora morto por uma cutilada de faca ou punhal, mais provável punhal. Desse modo, mandou levar por quatro soldados do distrito o corpo inanimado da vítima para o necrotério que ficava por trás da delegacia de polícia. Quando o coronel lhe perguntou o que havia de novo, foi isso o que ele disse.
--- Não sei quem era o homem. O moreno Sabugo foi quem topou com o corpo estirando no meio do corredor. – falou o delegado um tanto fatigado.
--- Está bom. Enfim o caso está resolvido. Mande enterrar o morto. – disse o coronel.
--- Já foi providenciado. Agora: e o Juiz? – perguntou o delegado Euclides.
--- Está bem guardado. O Monsenhor sabe bem melhor que eu. Não é Monsenhor? – perguntou o coronel se dirigindo ao padre.
--- Quem? Eu? Ah sim. Bem guardado e protegido. Que Deus tenha piedade da alma do homem que morreu. – recitou o padre, com sua larga barriga, as mãos postas e os olhos para o Céu.
Assim terminou os inquéritos daquele dia para o Coronel Ezequiel Luna Torres.
No dia seguinte após o enterro do homem desconhecido, uma pedra voou pela entrada da porta do distrito. Na pedra, um bilhete. No bilhete escrito apenas isso: “Cuidado! O Juiz está morto!”. Quando apanhou a pedra com o tal bilhete o delegado correu para ver quem havia jogado. Porém não havia mais ninguém. O delegado Euclides chamou o soldado e mandou que todos os outros soldados ficassem de prontidão e qualquer sinal de perigo eles prendessem seja lá quem fosse. Os soldados obedeceram a ordem dada. O delegado Euclides pegou o cavalo e rumou para a fazenda Maxixe, sede do verdadeiro quartel do coronel Ezequiel Torres. O homem chegou num amplo desespero e alcançou o alpendre da fazenda em três pulos de tanto andar na montaria. Ele chegou desesperado perguntado pelo coronel.
--- Está no curral. – respondeu um vaqueiro.
--- E como está o Juiz? – perguntou o delegado de forma ofegante.
--- Está bem. – respondeu Sabugo.
--- Nada aconteceu? – voltou a perguntar o delegado.
--- Até agora, não. E se acontecer vai morrer muita gente. – relatou Sabugo risonho.
--- Que bom. Mas o coronel? – perguntou novamente o delegado.
--- Estou aqui! – respondeu com voz altiva o coronel.
--- Ah,. Não tinha visto. Veja o que recebi! – e entregou o bilhete ao coronel Torres.
--- E quem fez esse bilhete? – perguntou o coronel de modo inquieto.
O coronel observou o delegado que chegava de forma assombrada e deixou o curral para saber o que o homem trazia de tão importante. Ao ver e ler o bilhete deu ordens para que ninguém saísse sem permissão e mandou reforçar de forma sumaria a guarda em torno do quarto onde estava trancado o Juiz Mardoqueu Ramos. Ninguém saia ou entrava no recinto. Até mesmo os que já haviam entrado ou saído. Era um verdadeiro estado de sítio imposto para a proteção do magistrado. Era apenas um bilhete. Porém podia sugerir vingança. O coronel foi até os aposentos do Juiz e perguntou que poderia querer a sua morte. Ele respondeu de forma lenta.
--- Abel Viana. – falou de voz fraca o Juiz Mardoqueu.
--- Agora sei com luto. Mas um patife na minha lista. – disse o coronel.
--- Tem gente dele aqui dentro. Eu vi. – falou baixo o Juiz.
--- Aqui? Mas não é possível! Aqui dentro? Agora como vou saber? – reclamou coronel---
--- Pois tem. Talvez mais de um. - falou o Juiz Mardoqueu.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

LUZ DO SOL - 12 -

- ANA LUNA -
- 12 -
O casal de amigos, então já namorados certa vez, principiou a conversa de forma sempre cordial e solícita. Sabugo e Guacira foram namorados em terras de Pilar no Estado vizinho onde ambos fizeram por demais peripécias. Ela atirando com revolver ou Winchester, rifle de repetição do qual a moça era um esmero. Sabugo tinha seus truques para o combate sem precisar de armas de fogo. Mesmo assim, quando precisava ele também sabia atirar. Às vezes. Às vezes. Porém sua disposição era por arma branca que não fazia ruído algum. Não acertar no alvo era coisa rara. Sempre ele pegava o inimigo pelas costa ou de modo desprevenido. Chamava-o para um duelo e o opressor notava que ele não possuía arma alguma. Esse era o engano. No momento em que o antagonista não mais esperava, o inimigo estava travado por um punhal ou canivete. Assim era a dupla que fazia nome no interior do sertão de Pilar. Os dois estiveram unidos por certo tempo até que depois se apartaram e seguiram cada um para seu lado. Não havia ninguém que pudesse ver Guacira conduzir um Winchester arma perigosa para o sertão bravio. Tinha-se Winchester quem comprava ou roubava durante combate com tropas bem armadas. Vencido em combate o inimigo, os guerrilheiros recolhiam seus armamentos e os levavam consigo para matar outros inimigos quando esses aparecessem. No caso de Guacira, ela estava pronta para um combate em qualquer tempo, em qualquer hora. O fato era que ninguém dava uma pataca pela adversária ao ponto de menosprezá-la. Era o engano fatal. No ponto em que era desafiada, ela se armava e detonava a arma que tinha consigo. Foi isso que fez que ambos se apaixonassem um pelo outro e vivessem momentos de amor, tensão e felicidade, às vezes em plena floresta.
Guacira era alva, porte médio mais para baixo, figura esguia, cabelos loiros, olhos azuis e tudo mais que impressionava em uma mulher de vinte e dois anos. Seus pais foram mortos por um bando de ladrões que costumavam assaltar fazendas da região. Desse modo, Guacira ficou só aos dezessete anos. Se ela, nesse tempo sabia manejar arma, daí por diante foi de maior coragem acertando em tudo cuja presença aparecesse. Criada por avôs paternos após o incidente devastador, Guacira armou-se até os dentes para vigar os matadores de seus pais camponeses e criadores de gado. Aprendeu mais a lutar com o próprio avô, homem de fibra, seguro do gatilho que fez da neta a sua herdeira principal apesar de ter mais filhos e netos. E assim Guacira se fez mulher. Na luta contra os Jacintos ela foi firme. E desde esse tempo, com dezenove anos, Guacira foi descoberta por um magistrado de que passou a ser sua fiel confidente ao lado de Sebastião Sabugo, homem destemido que mesmo usando armas de fogo preferia fazer uso de armas brancas. Assim foi que os dois se conheceram e por certo tampo tiveram amor.
--- Que faz por aqui? – perguntou Sabugo despreocupado.
--- Vou à casa de uma amiga. – sorriu Guacira.
--- Amiga? – desconfiou de certo modo Sabugo.
--- É. Amiga. Por quê? – sorriu ainda mais Guacira.
--- Estranho. Se fosse amigo, ainda bem. – comentou Sabugo querendo forçar a jovem a falar.
--- Amiga ou amigo são tudo a mesma coisa. – sorriu Guacira tentando se desviar do olhar do jovem.
--- Depende. Depende de que for o amigo ou a amiga. Se por acaso for um amigo, eu até posso dizer que um dos seus “amigos” está de saída da cidade. – explicou o rapaz.
Nesse instante o sacerdote saiu da igreja levando sua carroça em direção a casa do Juiz Mardoqueu Ramos como Sebastião Sabugo havia comentado de modo em sigilo com o monsenhor Bento. Para o rapaz ali havia uma vitória. Afinal o sacerdote entendera o apelo de Sabugo. Agora, esse devia caminhar depressa para a Casa Grande do coronel e explicar o que estava a acontecer. Uma vez tendo a sua frente à figura de Guacira, pediu que a moça fizesse caminho com ele até onde Sabugo teria que chegar.
--- No caminho eu te explico. Pega as tuas rédeas e caminha comigo. - relatou Sabugo.
Em direção à Casa Grande Sabugo comentou que o “amigo” da moça estava a caminho da fazenda. Ele nem ouviu as explicações da moça a respeito do convite que lhe fizera o Juiz Mardoqueu Ramos, pois bem sabia que a bela jovem estava ali para uma missão salvadora: a de proteger o Juiz. Com relação a outras amizades que porventura o Juiz Mardoqueu tivesse como é o caso do Barão de Itabira, isso era um problema menor, isso por que uma vez homiziado na Casa Grande o Magistrado teria que escolher entre uma amizade ou outra. Isso se fosse o caso que o Juiz tinha a proteção do Barão o que era bem difícil de explicar naquele momento.
E foi assim que Sabugo começou a conversa com Guacira, jovem moça do alto sertão. E a jovem também disse que estava ali a convite do Juiz para fazer de conta que era a sua governanta. E se fosse preciso, detonar a arma que ela sempre trazia coberta na cintura e que a salvou de outros assaltos que enfrentara. Era esse o plano do Juiz e era essa a missão que tinha de enfrentar a meiga jovem pura e bela. Sempre jovial Guacira vestia uma saia ranchada, às vezes uma calça comprida apertada, botas no meio da perna e uma capa que lhe cobria todo o corpo. Esse era o traje da sensual bela mulher seguindo a tradição espanhola de quem seguia o gado. E foi assim de modo atraente que Guacira e Sabugo seguiram contentes até chegar ao rancho do coronel Ezequiel Torres, o rancho Maxixe ou Fazenda Maxixe. Quando ambos chegaram bem antes do Padre Bento, Sabugo contou do que houve na casa do seu Juiz Mardoqueu. Apesar de não haver perfeita simpatia por parte do coronel, Sabugo disse que, de qualquer modo recomendou ao Juiz vir para a Fazenda Maxixe, pois de qualquer forma o coronel podia estar de olho em que o Juiz fazia, com certeza. Claro que esse tópico Sabugo não falou como ele mesmo disse.
--- Fez bem. Fez bem. Aqui a gente se ajeita. E que é essa moça tão bela? – perguntou o coronel Torres.
--- É minha noiva, coronel. Ela disse que estava esperando até demais por mim. Então veio me buscar. – relatou Sabugo com olhos abertos.
--- Ela veio te buscar? – perguntou o coronel atônito.
--- Bem. Eu disse a ela que eu estava trabalhando para o senhor e ela duvidou. – respondeu Sabugo querendo apaziguar os ânimos do coronel.
--- Ah bom. Agora ela tem a certeza. Moça bela o que você faz? – perguntou o coronel
--- Cuido de casa, apenas. E faço tratamento em vacas e gente que se acidenta. – falou Guacira mentindo por demais.
--- Isso é bom. Porque a senhora pode cuidar de uma visita que está para chegar a nossa casa, certamente. – respondeu o coronel animado.
--- Posso sim, senhor. Se a visita quiser e tiver passando mal. – sorriu a moça.
--- Isso é bom saber. Ótimo. Aqui só têm vaqueiros. Não servem para coisas mais graves. É bom saber que tem a senhora. E por favor, pergunte ao feitor qual a casa que você pode morar. Aqui têm muitas. Qualquer uma dessas serve. – apontou o coronel Ezequiel para as casas que havia ao longo do rancho.
Com pouco tempo o Monsenhor Bento chegou em sua charrete puxada a dois cavalos trazendo consigo o Juiz de Direito Mardoqueu Ramos, ainda sofrendo dores terríveis por causa dos disparos feitos pelo bandido Joca de Mundica que saiu gravemente ferido no confronto e foi morto por outros bandidos no meio do caminho quando fugia. O vigário desceu da charrete e disse apenas:
--- Ave Maria. Deus me perdoe. Essa vida é árdua. – foi o que disse o vigário.
Tendo sido recebido pelo Coronel Torres ele cambaleou ao subir os degraus da escada que dava acesso ao alpendre da Casa Grande por causa da sua enorme gordura e majestosa altura. Então o vigário se pôs de pé de uma vez por todas. Saudou ele o coronel Torres e aos demais presentes, incluindo Sabugo e a linda moça que ele ainda desconhecia. Ao subir o batente, o vigário pediu água ao coronel e disse que fizesse um jeito de trazer o Juiz Mardoqueu para dentro da casa, pois ele reclamara o tempo todo de dores por causa dos ferimentos recebidos. O coronel Torres se prontificou em arranjar um local onde o Juiz pudesse ficar sossegado enquanto mandava quatro capangas auxiliar o magistrado no descer da carruagem. Com todo o cuidado, os capangas conduziram nos braços o Juiz para dentro da casa.

terça-feira, 25 de maio de 2010

LUZ DO SOL - 11 -

- ANA LUNA -
- 11 -
Naquele mesmo dia chegava a Vila Riacho das Pedras o homem Sabugo encaminhado pelo coronel Ezequiel Luna Torres para entregar um recado de mando ao homem forte do lugarejo, delegado Euclides Castanheira e um outro ao sacerdote Monsenhor Bento com os quais o Coronel Ezequiel desejava falar. Ao entrar na Vila, o jovem moreno Sabugo notou a presença de um homem entrando na casa do Juiz Mardoqueu Ramos. Desconfiado com o elemento, Sabugo desceu de sua montaria e caminhou de forma rápida e sem fazer barulho até chegar também à porta de entrada da residência. Ao notar a intenção do elemento, puxando devagar a sua arma e andar sorrateiro pelo corredor, Sabugo não se conteve e fez um chamado para o homem da forma como se faz um susto em alguém.
--- Hei!!! – falou de forma que o homem ouviu e se virou incontinente com a arma em punho pronta para atirar.
Nesse mesmo instante um punhal seguia firme para cravar na garganta do bandido atravessando o corpo e se fixando na terceira vértebra rompendo assim a medula espinhal fazendo com que a vítima caísse sem vida estrebuchando todo seu corpo em busca da morte súbita. Ao ver o homem caído, Sabugo foi até ele e tirou o punhal de onde estava limpando em um lenço que o colocou no bolso interno da sua calça e caminhando na direção do quarto do Juiz Mardoqueu. Em lá chegando encontrou o enfermeiro dando a sopa ao magistrado com esmero cuidado. Então, Sabugo deu seus cumprimentos dizendo que estava ali para levar congratulações do coronel Ezequiel e melhoras rápidas. O Juiz agradeceu fazendo um aceno com a mão demonstrando que estava tudo normal. Sabugo entendeu e aproveitou para dizer:
--- Parece-me que tem alguém no corredor aparentemente morto. Talvez ataque do coração, com certeza. – expos Sabugo com a cara tranqüila.
Ao saber do fato o enfermeiro saiu numa debandada carreira para ver que morrera de fato no corredor. Enquanto isso, Sabugo disse ao Juiz que seria melhor ele sair daquela casa e procurar outro lugar mais tranqüilo. Talvez a casa do coronel. Dizendo isso, Sabugo saiu, passando pelo enfermeiro e lhe dizendo que seria melhor chamar o doutor Levi, se na verdade o homem estava passando mal. O enfermeiro olhou desconfiado para Sabugo e disse:
--- Mas ele está morto! – falou o farmacêutico com voz assustada e piedosa.
--- Então eu vou chamar o delegado Euclides Castanheira e ele chama o farmacêutico. É melhor assim, já que o homem está morto. - falou Sabugo saindo da casa com ar tranqüilo e sereno.
O enfermeiro teve a intenção de chamar Sabugo, mas foi preciso primeiro ele ir ao leito do paciente, o Juiz Mardoqueu, avisar que havia um homem morto no corredor de sua casa. E assim se fez. O Juiz ficou chocado com a notícia pensando melhor no que dissera o empregado do coronel Ezequiel de morar em outro lugar.
Ao chegar à delegacia de polícia, Sabugo encontrou a mesma cena: o delegado a dormir em seu alcochoado com os pés em cima do birô. Ele veio vagarosamente até onde estava o delegado Castanheira e chutou o birô para acordar o delegado, fazendo um tremendo susto na autoridade.
--- Acorda homem. Seria bom que o coronel voltasse a ver essa cena. Levanta! Tem dois casos para o senhor. – articulou Sabugo de forma irreverente.
--- Você está doido seu peste!. Quer me matar de susto? – falou o delegado de modo a se ajeitar todo.
--- Mau não! Mas tem serviço para o senhor. Na casa do Juiz tem um cabra morto. E eu sendo você partia para lá com o doutor Levi e seus empregados. – respondeu Sabugo de forma quieta e bem junto da cara do delegado.
--- Ora. Você é muito gozado! Quem está morto? – se refez o delegado.
--- Pergunte a ele. E tem mais. O coronel está pronto para receber o senhor agora! ! – ponderou Sabugo enquanto saia da delegacia.
--- Espere! Me diga o que ele quer! – inquiriu o delegado de modo assombrado.
O homem saiu da delegacia soerguendo os ombros de forma como quem quer dizer “não sei”!. E partiu para a outra missão. A chegar da Igreja encontrou Sabugo tudo fechado. Apenas uma porta entreaberta na parte posterior do templo. Em lá chegando, abriu com vagar o restante da porta e topou com o sacerdote a dormir em sua poltrona com os pés do birô. E Sabugo disse até:
--- Parece que é até moda isso aqui. Dormindo como um anjo. Não tem importância. Acorda já. – comentou Sabugo com a cara sem vergonha.
De imediato notou a presença de uns sininhos que serviam para o padre rezar a missa. Ele foi lá e pegou nos sinos fazendo uma verdadeira algazarra. Tão logo acordou a barulheira dos sinos a monsenhor Bento se comportou e perguntou a Sabugo o que ele estava a desejar.
--- O coronel Ezequiel pede que o senhor vá a sua casa, padre! – respondeu Sabugo.
--- Nossa! Eu estava cochilando. E o senhor me acordou de repente. Quando é que eu vou falar com ele? – perguntou o sacerdote.
--- Pelo menos, já. – respondeu Sabugo sorridente
--- Mas já? Assim? – argumentou o sacerdote.
--- Pelo menos foi o que ele disse. – sorriu Sabugo satisfeito da vida.
--- Tá bom. Já sei. Vou agora. Isso é Nossa Senhora da Misericórdia. – comentou o sacerdote se ajeitando todo.
--- Espere. Tem mais uma coisa! – respondeu Sabugo.
--- Mas uma coisa? E do que se trata? – perguntou o monsenhor.
--- O senhor tem uma carroça? – replicou Sabugo com seu olhar abaixado.
--- Tenho sim. É a minha carroça! Por que a pergunta? – interrogou o padre.
--- É o seguinte. O Juiz precisa sair da cidade agora. Escapou de novo atentado. E o senhor levando na sua carroça, ninguém vai prestar atenção. Afinal o senhor é um ministro de Deus, não estou certo? – respondeu Sabugo esperando resposta.
--- Certo! Certo! Ministro de Deus. E para onde eu levo? – perguntou o padre.
--- Para a casa do coronel. Chegando lá ele dá um jeito! Não é? - respondeu Sabugo.
--- Ave Maria! Santa Mãe de Cristo! Você me mete em cada enrascada! – ponderou o
Sacerdote como quem para ele seria bem difícil.
--- Bom tarde, vigário. – disse Sabugo.
Ao sair da Igreja, Sabugo topou com uma linda moça que ele já a conhecia de outras paragens e com quem teve namoro curto. Ela era Guacira, 22 anos de idade, meiga e alva como a manhã ao sol nascer, exuberante e meiga como a primavera, toda esplendorosa como as ninfas dos odores dos roseirais. Guacira caminhava em plena calçada quando viu de repente a figura de Sabugo à sua frente. Foi tomada de susto ao ver tal figura que a jovem não esperava vê-la nunca mais. Com esse impacto ela falou cheia de caricia e de surpresa.
--- Você aqui, meu pobre mortal? – comentou Guacira.
--- Quem diria que hoje era o dia de te encontrar! – respondeu Sabugo sorridente.
--- Vejo que estás um pouco mais forte! – contestou sorrindo Guacira.
--- E eu vejo que estás sempre bela como as musas do além. – disse Sabugo com belo sorriso na face.
--- Ora! Deixe de conversa! – voltou a sorrir Guacira um tanto desnorteada.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

LUZ DO SOL - 10 -

- ANA LUNA -
- 10 -
Os jagunços, em numero de três, levaram o corpo ensangüentado e ainda tremendo do companheiro Jacó cuja voz passou a ser ouvida em instantes gemendo apenas, quase sem vida. Atrás de todos vinha Rafael Zenon tendo a frente do grupo um quarto jagunço que só fazia caminhar como se fosse uma verdadeira procissão do Senhor Morto que se fazia no seu tempo de penitencia pelas ruas da vila Riacho das Pedras. Era um verdadeiro cortejo silencioso e fúnebre a marcha lenta e temerosa dos três jagunços carregando nos ombros o corpo quase morto de Manoel Jacó. Era enfim a falta apenas de uma sinfônica para tocar uma marcha fúnebre e dar o tom de todo aquele tenebroso e funesto enterro que se fazia do homem impiedoso que um dia se refez no gozo das carnes da mocinha Ana Luna. Ela não sabia naquela ocasião terrível que a morte de um homem pagaria a pena do que ele fizera consigo. Por certo, Ana Luna não estava presente ao cortejo, pois sentiria imensa dor de ver de perto o corpo de Jacó ser molestado e sacrificado. E então, mesmo distante no conteúdo da morte cruel, aquele seria na verdade o corpo de um sacrificado.
Após certo tempo o cortejo da morte cruel e lenta chegou ao pé de Juá onde outros sacrificados estavam sepultados há anos como era costume. Os três homens arriaram com jeito o ensangüentado indivíduo que eles trouxeram por longo caminhar. O feitor Zenon deu apenas uma ordem:
--- Enterrem! – falou Zenon com a voz rouca.
--- Mas seu Zenon ele ainda respira! – rogou inquieto um dos jagunços temendo que Jacó se levantasse.
Então Zenon puxou a sua arma e fez dois disparos a queima-roupa matando o homem de uma vez. Depois soprou o cano do revolver e colocou a arma no coldre. Então ficou a olhar para os jagunços que por temor da morte fizeram a catacumba para enterrar Jacó agora já definitivamente morto.
Quando então cavavam a sepultura dois jagunços deram de forma assombrada com uns esqueletos que estavam ali enterrados há algum tempo. Um gritou:
--- Arre égua! Tem morto aqui. Muitos ossos! – falou o jagunço temendo bulir nos ossos de algum defunto.
--- Enterre! Depois feche a catacumba. Vocês dois ficam de vigia até mais tarde. – falou Zenon com a sua voz rouca e de cabeça abaixada.
--- Nós, senhor? Por que nós? – perguntou um jagunço tremendo de medo.
--- Quer morrer também? – perguntou Zenon com a sua voz calada.
--- Não senhor. Nós fica mesmo. – respondeu o jagunço de forma assustada.
Nesse momento, Zenon desceu a ladeira que dava para o juazeiro, acompanhado dos outros dois capangas sem nada falar. Apenas o chicote ele estava a estalar na perna, caminhando de cabeça baixa como alguém que nem tivesse emoção. Ao chegar à porta da Casa Grande mandou os dois para o trabalho. Outros que estavam parados ele perguntou:
--- Que está faltando, cabras? –falou Zenon malcriado.
--- Nada não senhor. Nada não. – responderam os jagunços amedrontados ainda da morte do vaqueiro Manoel.
Logo em seguida Zenon se voltou e entrou porta adentro todo suado e cheio de areia. Ele caminhou até o escritório do patrão, o coronel Ezequiel Torres, bateu na porta e entrou em seguida, ao qual falou de modo desprezível.
--- Pronto coronel. Tudo resolvido. Mais alguma coisa? - perguntou Zenon com voz rouca e amarga.
--- Está bom. Agora você vá até a casa do monstro e acabe com a família dele. Não quero ver mais nenhum Jacó aqui dentro. -recomendou o coronel de forma arrebatada
--- Sim senhor coronel. – e Zenon dessa forma saiu do escritório pedindo ainda licença.
Seguindo a ordem do coronel Ezequiel Torres, Zenon caminhou até a casa de vaqueiro Manoel Jacó que ficava no mesmo sitio da fazenda e, descendo do seu cavalo alazão, encontrou a mulher e os seus três filhos a chorar pela morte do homem da casa. Zenon disse à mulher que não se incomodasse, pois tinha uma missão maior para ela e os seus três filhos. Manoel errara quando seviciou a moça Ana Luna, filha do coronel e por isso teve que ser punido. Afinal, Luna era quase moça e ele bem sabia disso. Por isso, ninguém ali se apiedasse de Manoel, pois a justiça foi feita como em outros casos. A mulher somente chorava com o apoio de seus três filhos, um dos quais era uma mocinha. Foi então que Zenon pediu que ela se arrumasse, pois ele a levaria a um canto melhor onde a mulher não mais precisaria sentir falta do marido. E assim, os três herdeiros de Manoel Jacó entenderam e a mulher procurou juntar meia dúzia de roupas e seguiu em frente como Zenon dissera. Eles caminharam muitas léguas até um ponto deserto no meio daquele imenso sertão. Então, sempre na retaguarda daquele batalhão de três meninos e uma mulher, Zenon fez disparo com seu rifle de doze tiros matando a mulher e as crianças. O fato se deu numa montanha onde tinha árvores como jurema, pereiro, caldeiras e tantos outros da mesma espécie. Zenon pegou os corpos e enterrou num local de difícil acesso. Quando acabou, suado até demais, enxugou o rosto com a manga do blusão, olhou para o que fez e voltou pelo mesmo lugar sem nada temer e nem sentir. Cumprira as ordens do coronel e estava satisfeito com a missão que lhe fora incumbida.
A chegar à casa do coronel. Ele foi até o escritório dizer:
--- Pronto coronel. Tudo feito. – disse o homem com a cara meio enrugada.
Dalí ele foi a banheiro tomar o seu banho semanal e tirar das costas todas as mazelas que encontrara naquele dia. Com o passar dos minutos Zenon se lembrou de Manoel Jacó de quem certa vez foi compadre, por parte da menina Judite de quem foi padrinho anos passados. A menina já era mocinha e ele teve que martirizá-la também junto com sua mãe e os dois irmãos. Aquela cena não saia de sua memória uma vez que foi ele quem a amparou nos braços quando ainda era pequena e prometeu zelar por sua afilhada para todo o sempre. Nesse momento lhe veio à imagem da comadre, mãe da menina que se mostrava tão feliz naqueles anos. E entre tudo isso veio às lembranças de anos passados, lances de muito amor e de maior carinho. Ao passar na sua memória tais casos, Zenon não agüentou por muito mais tempo e se largou a chorar. Chorar como criança se lembrando da sua afiliada, dos presentes tão bobos que lhe dava, do caminhar a cavalo, dos vexames que passara quando a menina caiu do seu colo e ele pensava que Judite tinha morrido. Sua mãe correndo para acudi-la, o pai Manoel gritando para se ter um pouco de cuidado. Por tudo isso Zenon chorava. E mais chorava, só, naquela sala de banho por causa de tudo ou nada. A lembrança de dias passados em família. Sua mulher brincando com os meninos de Manoel e das graças que Judite proporcionava. Lembranças que a vida jamais lhe tirava enquanto vivesse. Ao receber a ordem de chacinar aquela família inteira lhe doeu demais o coração. A vida lhe reservava segredos cuja memória não tinha noção de preço.
E ele perguntava apenas:
--- Por que eu meu Deus? Por que eu? – perguntava Zenon chorando de dor.
Nada havia o que respondesse. Ele via a todo instante como foi que matou Judite e por isso chorava demais. Lembrava-se dos momentos de brinquedos, bonecas de pano que Judite mostrava para ele como se aquilo fosse um tesouro que lhe caíra do céu.
--- Olha padrinho a minha bonequinha! – dizia a menina de apenas oito anos.
Casos do passado que então recordava e por isso mesmo ele chorava copioso como se também fosse menino. O tempo era mau para com ele por ter feito aquilo com sua afilhada cuja memória não apagava jamais. E em um derradeiro instante, a voz da menina ferida de morte a perguntar-lhe.
--- Padrinho, eu vou pro céu? – disse a menina quase morta.
--- Vai filha. Você vai. Perdoe-me por ter feito isso. Perdão. – foi o que disse Zenon chorando aquela dor, abraçado a menina, tendo em seus braços como uma boneca.
Então, naquela hora de desespero e de um homem solitário, Zenon chorou.

domingo, 23 de maio de 2010

LUZ DO SOL - 9 -

- ANA LUNA -
- 9 -
O homem estava escorado no tronco de madeira fornida e um pouco grosso onde o coronel mandava escravos desobedientes serem açoitado. Às vezes algum vaqueiro ou mesmo jagunço seria mandado para o tronco. Daquela vez, estava assinado para Manoel Jacó ser a próxima vitima, com certeza. O vaqueiro um pouco embriagado estava totalmente composto com as roupas de trabalho. Mas ao sair da Casa Grande os jagunços já que tiraram as armas de Manoel, inclusive o punhal de aço e outros armamentos que por ventura estavam com o vaqueiro condenado. Quando ele chegou ao tronco estava verdadeiramente sem as armas. Na hora do açoite, o moreno Sabugo ordenou que se tirasse a roupa do condenado:
--- Toda a roupa, senhor? – perguntou um jagunço de olhos para Zenon.
--- Tirem a roupa dele. Entenderam o que eu disse? – falou com voz arrogante Sabugo.
Os quatro jagunços obedeceram mais deixaram o homem vestido da cintura para baixo porque a surra seria dada apenas nas costas da vítima que estava para ser sacrificada. Quando os jagunços acabaram de tirar a roupa de Manoel Jacó disseram para Sabugo.
--- Pronto senhor. Tiramos. – relatou um dos jagunços.
--- Não estou vendo que vocês tiraram tudo. Eu disse TUDO. Traje completo. – berrou satanicamente Sabugo.
Os jagunços ficaram desconfiados e olharam para Zenon que, por seu lado fez um gesto apenas movendo a boca e as sobrancelhas puxando para cima os ombros. Os capangas entenderam o mandado e rasgaram toda a roupa do vaqueiro, do gibão de couro, guarda peito, perneira e até os sapatos deixando o homem completamente despido até mesmo sem ceroulas. Quando os capangas acabaram de tirar a roupa de Manoel Jacó disseram.
--- Está nu, senhor. - disse um capanga sob os olhares de Zenon que estava sisudo com a cara de mal, barba comprida, cabelos também compridos e um chapéu da cabeça.
--- Tá bom. Agora é a vez de perguntar ao distinto senhor. Como o senhor quer que eu dê a surra, mestre? – perguntou de mansinho Sabugo.
--- Bata devagar, senhor. Devagar. – disse Manoel Jacó já chorando pela dor que ia sentir.
--- Tá bom. Mestre Zenon. Ele pede que eu faça devagar. Posso? – perguntou de forma zombeteira o serviçal Sabugo.
O capataz Rafael Zenon calado estava e calado ficou erguendo só os ombros, subindo e descendo como quem diz: “Não tenho nada com isso”.
--- Tá bom. Foi o capataz quem mandou, viu Jacó? Faço o que ele manda! – falou o moreno Sabugo ao pé do ouvido de Jacó. De início deu logo dez lamboradas com toda a força de que dispunha o seu muque e a cada chicotada se ouvia lamentos fortes do vaqueiro Manoel como que dissesse: “Pára. Tá bom. Chega. Dói muito”. O serviçal parou, olhou para o feitor e disse:
--- Dez! - falou Sabugo.
E continuou a bater mais forte chegando a mais quinze rebenques de couro cru que o sangue escorria pelas costas do vaqueiro Jacó salpicando de todo as vestes de Sabugo. O vaqueiro, então, só fazia gemer de dor com os jagunços temendo cada chibatada e encolhendo a todos tamanha malvadeza que o homem fazia a Jacó. Por seu lado, Zenon olhava impassível. De repente, a cena continuou. Sabugo deu mais dezenove lamboradas nas costas de sua vítima que, não suportando a dor, desmaiou, ficando suspenso no tronco apenas. Vendo o desfalecimento de Jacó, o homem Sabugo desceu do tronco e caminhou até Zenon dizendo.
--- Tome seu chicote. Ele só agüentou quarenta e nove chibatadas. Vou tomar banho. Estou todo molhado de sangue do verme. – disse Sabugo olhando para as suas vestes.
Nesse momento, Zenon pegou o caminho da Casa Grande e foi até o escritório do coronel Ezequiel Torres e lá chegando encontrou Maria Rosa, a sua filha Luna, o filho Euclides e o coronel. Este era o único que estava sentado em sua poltrona. Os demais estavam de pé. Zenon olhou e não disse nada. Ele falou apenas com o coronel que estava olhando para Zenon, balançado as pernas separadas.
--- Pronto coronel. O homem desmaiou. Que faço com ele? – perguntou Zenon de cabeça um pouco abaixada e voz firme como de costume.
--- Mate-o!!! – respondeu o coronel sem contemplação.
O capataz ainda assim ficou esperando algo mais ameno e o coronel fez com a mão direita o sinal com o dedo polegar para baixo.
--- É pra já, coronel. É pra já. – disse Zenon e saindo após.
A moça Luna que estava em pé junto a sua mãe, estremeceu e ficou escorada no seu corpo como se temendo que aquilo fosse demais. O menino Euclides estava apoiado junto a sua mãe. E assim permaneceu quieto. Na seqüência, o coronel Ezequiel Torres remendou a mãe de Luna a passar da casa de dona Josefa, a mãe Zefa, para ir naquela tarde a sua casa, pois havia o que fazer. Era preciso só dizer o que foi dito. Mãe Zefa era parteira e sabia fazer além de partos, operações e abortos nas moças e mulheres daquela região. E Rosa entendeu muito bem as instruções que o coronel havia dado e apenas disse:
--- Sim senhor, coronel. – falou Rosa sem maiores emoções.
A mocinha parece ter sentido o que o seu pai dissera e voltou a chorar lento, pois sabia que ela era a única que era para sofrer alem do feto de dois meses. Agarrada a sua mãe, Luna saiu do escritório do seu pai enquanto ele dizia:
--- Não quero ver mais nenhuma cara de Manoel Jacó nessa terra. - falou com muita raiva o coronel Torres.
Então os três saíram da Casa Grande apesar do choro a moça. Enquanto isso, no quarto de banho, perto da cozinha da casa, Sabugo se tratava com esmero tirando todo o vestígio de sangue que podia estar encravado até mesmo nos dedos dos pés. Além disso, ele estava a tomar um bom banho coisa que não fazia há uma semana. E aproveitou o ensejo para se refrescar. No quarto de banho tinha cerca de vinte jarras bem robustas que comportava toda a água puxada pelo moinho, um cata-vento feito e posto nos arredores da Casa Grande. Logo depois do banho Sabugo pediu uma roupa completa a dona Bastinha e disse que o resto de ele deixou era para queimar até o fim. Em momentos, Sabugo deixou a casa de banho, um quarto imenso, e saiu cruzando na sala com uma moça bastante atraente e bela como estrela cintilante que ele não se importou em perguntar de quem se tratava. A moça olhou para ele com altivez e muito séria. Então passou à frente sem nenhum comentário a fazer. A moça era alva e loira tendo um vestido comprido até aos pés. O seu nome era Eunice Luna, a mais nova da casa filha do coronel Ezequiel.
Quando chegou ao escritório do coronel, Sabugo cumprimentou o patrão e disse que tudo tinha sido feito conforme as ordens dadas. O coronel disse apenas:
--- Muito bem. Agora tenho uma coisa para que você faça. Vá até a Vila e diga ao delegado e ao monsenhor que venham aqui, urgente mesmo, que tenho um negócio para conversar com ambos. Não se demore. Faça apenas o que eu mando fazer. Depressa! – falou o coronel Ezequiel com a cara ainda dura.
--- Sim senhor, coronel. É pra já. – disse Sabugo e voltou para a porta de onde partiu.
Do alpendre para o chão media cerca de dois metros. Sabugo pulou no seu cavalo, um também puro sangue, e marchou com tanta pressa, cujo porteiro não teve nem tempo de abrir a porteira do Rancho, tendo feito o jovem Sabugo saltar por cima da cerca e desembestar como louco varrido a procura do caminho da vila. O homem da porteira quando viu, assombrado, o jovem Sabugo saltar sobre a cerca, comentou:
--- Virgem! Pra que eu sirvo aqui? – comentou o homem da cancela.
Depois que Manoel Jacó foi tirado do tronco, Zenon disse aos quatro jagunços que o levassem para o juazeiro onde o coronel costuma enterrar suas vitimas. Os homens se entreolharam porque Jacó ainda respirava e gemia.

sábado, 22 de maio de 2010

LUZ DO SOL - 8 -

- ANA LUNA -
- 8 -
Tão logo o vaqueiro Manoel Jacó chegou a Casa Grande encontrou o patrão, coronel Ezequiel Torres bufando pelas ventas com tal impertinente demora. Já passara mais de uma hora que Zenon saíra a procura a procura do vaqueiro e só então voltara com ele como se fosse escoltado. Até certo ponto, sim. O jovem Sabugo estava na sala a ouvir os reclamos do coronel pela demora que levara Zenon. Esse disse que buscar até nos arredores da mata onde havia touro brabo sem encontrar ninguém por lá ou alguém que disse que Manoel Jacó estava ali ou acolá. As informações que obtivera eram todas desencontradas e ninguém dava como certa a presença do vaqueiro Jacó àquela hora da manhã. Por fim, Zenon disse que já estava de volta para a Casa Grande quando encontrou Manoel Jacó dormindo atrás da senzala dos escravos. E foi por isso mesmo a demora de encontrá-lo. O homem tão perto e se procurando tão longe.
--- Quer dizer que o senhor estava dormindo, não é? – perguntou o coronel.
--- Só estava madornando. Tive noite acordado procurando vacas! – respondeu o vaqueiro.
--- Ah bom. Isso é que é trabalho. Merece madornar. Mas vamos a conversa que é mais interessante. Você conhece esta moça? – apontou o coronel para Luna.
Um suor frio desceu pela espinha do vaqueiro ao ver a moça que ele nem pensava mais devido ao tempo que fazia. Dois meses. E ele respondeu:
--- Não senhor, Coronel! – respondeu Manoel todo entalado com a resposta.
--- Tá bom. Não conhece. Ela é minha filha, sabia? – perguntou o coronel bem jeitoso.
--- Sabia sim, senhor. Quer dizer não sabia coronel. – respondeu suando o vaqueiro.
Na sala estava Zenon, Sabugo, a mãe de Luna que se chamava Maria Rosa, e um filho de coronel, o menino Euclides. Todos eles prestaram atenção à resposta do vaqueiro que disse não saber quem era Luna, filha do coronel Ezequiel Luna Torres.
--- Ótimo. Não sabia é porque não sabia. Luna, você conhece esse homem aqui? – perguntou o coronel falando Aldo para Luna.
--- Conheço meu pai. É ele quem me ofendeu. Tem até o punhal na cintura dele. Foi ele que me pegou a força, com uma historia de a minha mãe lavar roupa dele e enfiou o punhal na minha garganta dizendo que eu me calasse. Fez tudo o que quis. Eu estava assombrada. Senti dores horríveis. Vomitei sangue depois que ele saiu. Quis gritar e não pude. Chorei por muitos dias. Fiquei calada por temor de ele voltar. Por muitos dias eu sonhei com ele voltando. Acordei assombrada. Não dormia direito. E nem me alimentava que prestasse. Vivi um enorme pesadelo. Agora, tenho aqui na barriga a lembrança daquela manhã terrível. Um filho dele. Foi o que ele plantou em mim. – falou Ana Luna ainda com assombro.
--- E o que diz amigo? – perguntou o coronel de forma desprezível.
--- É mentira dela, coronel. É mentira dela. – retrucou Manoel Jacó, assombrado com os detalhes que a moça contou do que viveu.
--- Mentira, não, seu peste. Minha filha não mente. Ouviu? - gritou o coronel de forma embravecida e partindo para cima do vaqueiro com as mãos em riste.
--- Desculpe coronel. Desculpe. – intimidou-se o vaqueiro.
--- A prova, Luna!. A prova!. – pediu arrogante o coronel de modo intempestivo.
--- Está aqui meu pai. - falou Ana Luna entregando-lhe o botão que ela arrancou do gibão de couro do vaqueiro.
--- Deixa em conferir. Pronto! É este aqui! Seu peste. E agora, heim? – rosnou o coronel
--- Mas esse botão faz tempo que eu perdi. Talvez numa vereda. – quis argumentar Manoel Jacó.
--- Então minha filha está mentindo, peste? – gritou o coronel de cara a cara com Jacó.
--- Não senhor. Ela deve de ter achado. – tremeu Jacó.
--- Zenon, para o tronco com ele! – declarou o coronel ao seu feitor.
--- Espere coronel. Espere. Eu caso com ela. – gritou o vaqueiro desesperado.
--- Para o tronco! – disse outra vez o coronel Ezequiel Luna Torres.
--- Marcha canalha. – respondeu Zenon ao vaqueiro.
Quando Manoel Jacó chegou à porta dos fundos da Casa Grande, quatro jagunços estavam preparados com as correntes para lhe atar os pulsos e os mocotós dos pés. E ali mesmo fizeram o serviço de acorrentá-lo. O homem estrebuchava por todos os meios. E Zenon indagou ao coronel.
--- Faço eu mesmo coronel? Ou mando outro? Tem aqui Sabugo que está doido pela festa. – falou enrouquecido o primeiro bandoleiro da casa.
--- Faça como quiser. – bradou o coronel Ezequiel saindo da porta dos fundos onde tinha ido vê o acoitamento que levaria Manoel Jacó.
--- Tá vendo. É você compadre. - disse sorrindo o pistoleiro.
--- Pois sim. Mas temos que fazer uma aposta. - disse sorrindo Sabugo.
--- Aposta de que cabra? Aposta de que? – falou sisudo, com sua barba enorme de grande e cabelo não menos na sua cabeça coberto por um chapéu de abano.
--- Aposta, pois. Você escolhe. Vai nos dedos ou nos palitos? – sorriu Sabugo.
--- AH sim. Assim tá bom. Pensei na historia do calço. – falou Zenon ainda cismado.
--- Vai? – perguntou Sabugo.
--- Nos dedos. É mais rápido. – retrucou Zenon.
--- Tá bom. Então comece! - respondeu Sabugo.
--- Comece o que? É você quem começa. – respondeu Zenon.
--- Par ou impar? – perguntou Sabugo.
--- Que diabo é isso. – perguntou Zenon estranhando o jogo.
--- Você diz par ou impar. Os dedos que aparecerem indicam o vencedor. – explicou Sabugo cheio de sorrisos.
--- Tá bem. Entendi. Eu quero par. – respondeu Zenon meio atrapalhado.
--- Vamos aos dedos. Já! – disse Sabugo.
Quando os dois mostraram os dedos indicadores tinha um em cada mão. Vencia assim o competidor que escolheu o par. Vencia o jogo o jovem Sabugo. O outro, Zenon, ainda não entendera muito bem a jogada. Ele pensava que Sebastião Sabugo havia menosprezado no jogo. Por certo tempo ficou a imaginar fazendo aquele jogo sozinho. Depois de algum tempo soltou uma gargalhada e disse.
--- É. Você venceu mesmo. E a sua vez de estalar o chicote. – convenceu-se Zenon.
Por certo tempo Zenon ficou desajeitado a jogar consigo mesmo e cada vez que acertava quase morria de achar graça com as proezas de Sabugo. E disse mais.
--- Você ainda tem que me ensinar outros jogos. – sorriu Zenon.
--- Ensino sim. Agora é a vez do vaqueiro Manoel. Ele vai ensinar como se deflora uma moça filha de um patrão. – e deu uma larga risada.
Os demais capangas, já chegando ao tronco onde penduraram Manoel Jacó, também sorriram a valer. Tudo era festa para os seis jagunços. Menos pra um. Manoel Jacó. Zenon nem sorriu com a pilheria de Sabugo que continuava sorrir. E em contrapartida Sabugo perguntou a Manoel Jacó.
--- Pronto amigo? – com um largo sorriso no rosto.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

LUZ DO SOL - 7 -

- ANA LUNA -
- 7 -
Eram passados dois meses quando Luna começou a vomitar sem motivo aparente. Ela estava na beira do Riacho das Pedras quando foi acometida de náuseas e vômitos. Sua mãe indagou o que a moça estava sentindo e ela disse não saber. Parecia ser da comida do dia anterior. A mãe de Luna duvidou de tal afirmação, pois todos comeram do feijão que a mulher preparou naquele dia. A moça então não sabia dizer mais nada. Talvez fosse do cuscuz que comera antes de ir para o riacho lavar roupa junto com sua mãe e o irmão Euclides, de oito anos de idade. A mãe de Luna não disse nada, mas ficou desconfiada de tal afirmação. O cuscuz não fez mal nem a Maria Rosa e nem tampouco ao menino Euclides, o que deixava só a moça a vomitar insistentemente. A mulher nem fazia idéia do que poderia ser. Podia ser uma enxaqueca passageira, uma vez que de enxaqueca a moça sempre sofria. Era então melhor esperar por mais algum tempo, pois o negocio de vômito deveria passar. Maria Rosa recomendou que a filha se cuidasse e não precisava ir mais ao riacho naquela manhã. Foi então que a mulher, dona Zefa, que lavava roupa da beira o riacho comentou:
--- Sei não. Não é para me meter. Mas você veja a barriga dela! – falou Zefa.
--- Que? Minha filha? Buchuda? Isso nunca! – disse Maria Rosa meio desaforada.
--- É o deixa ver. – respondeu a mulher Zefa.
Então a cisma parou no caso da barriga de Luna. Se ela estivesse de barriga saberia de quem era. E sua mãe não tolerava tal fato. Foi então que a mulher resolveu a perguntar de forma atrevida e descomposta que caso era de tal barrigada.
--- Sei não, mãe. Sei não! – respondeu a moça.
--- Você não anda as escondidas pelo mato, desgramada? – interpôs a mulher, sua mãe ao notar a barriga meio cheia da mocinha.
--- Nunca fiz isso, mãe. Juro por Nossa Senhora! – afirmou a moça.
--- Tu não fez mesmo com nenhum moço do cercado? Me conta, se não te arranco as transas! – retrucou Maria Rosa.
--- Juro por Deus que não! – respondeu Luna ficar com medo de Manoel Jacó que prometera vingança. E neste ponto começou a chorar.
Um choro baixinho que depois se foi tornando mais intenso à medida que a sua mãe arregalava-lhe os olhos querendo uma confissão sem meias conversas para tomar posição de mãe que ela era. A moça chorou por muito tempo sem poder ou querer falar o nome de quem fez tal gravidez prematura, pois afinal ela era quase menina e temia da sorte de ter a garganta cortada por Manoel Jacó, vaqueiro destemido e arrogante da fazenda Maxixe, do coronel Ezequiel Torres. Homem de confiança do coronel que não teria como acreditar na acusação de uma menina, apesar de ser a filha do mesmo coronel, a despeito de fora de um casamento protocolar. Por fim esse era o drama de Luna, catorze anos de idade, sem a mínima condição de acusar o vaqueiro Manoel Jacó, homem forte do lugar. Apesar de ter em Rafael Zenon o seu feitor, o coronel Ezequiel Torres acreditava sumamente no que dizia Manoel Jacó. A sua palavra só perdia para Zenon, apesar de ter naquele momento um novo ajudante da fazenda que se chamava Sebastião Sabugo que Ana Luna ainda não conhecia tão bem como o resto da capangada e dos próprios homens da senzala, os negros escravos que muito andavam pela fazenda. Eram cerca de duzentos negros escravos e Ana Luna conhecia todos ou quase todos muito bem.
Por fim, Ana Luna resolveu falar entre soluços de prantos como uma menina que temia ser para depois uma mulher qualquer.
--- Foi Manoel Vaqueiro, minha mãe. – disse a mocinha de modo choroso.
--- E que é esse Manoel Vaqueiro, sina sem condições? – perguntou Rosa com bastante raiva a ponto de esganar a sua filha.
--- O homem do coronel. Manoel Jacó. Parece. Chamam de Manoel Vaqueiro. Todos chamam por ele assim. Ele me botou o punhal na garganta e fez o que fez. Um dia que a senhora veio para o riacho. Lá pelas sete e meia da manha. Eu estava só quando ele chegou com uma historia de roupa suja. Eu apanhei a roupa. Ele me pediu água. Eu fui buscar. Então se deu o negócio. Passei muitos dias sem comer e quase não falava. A senhora se lembra disso. Quase não falava com a dor na garganta do punhal que o peste socou em mim. – confessou Ana Luna atemorizada.
--- Vamos falar com o seu pai – AGORA!. Ele vai saber disso. Doa a quem doer. Ora se vai. Vamos. Chegue! – reclamou a mulher.
E a moça temeu de ir por causa do arrogo de Manoel Jacó. Mas a mãe da mocinha foi mais ativa e pegou o menino Euclides e a filha Ana Luna e tomou o rumo apressado da Casa Grande onde por certo estaria o coronel Ezequiel Torres àquela hora da manhã. E não demorou tanto tempo para os três chegarem a casa do coronel onde Maria Rosa encontrou o feitor Zenon conversando animado com outro homem que mais tarde ela ficou sabendo se tratar de Sebastião Sabugo. Ela e os filhos foram entrado enquanto a mulher perguntou de imediato pelo coronel Ezequiel.
--- Ele está no escritório, dona Rosa. – respondeu Zenon com um sorriso leve.
--- Vá chamar! – disse a mulher de forma autoritária.
--- Pois não. Chamo já. De que se trata? – perguntou Zenon, curioso.
--- Não é de sua conta. Chame o coronel! – falou zangada Maria Rosa.
--- Pois não. É pra já. – retrucou Zenon de forma Cortez.
Zenon sabia do romance que havia entre o par. Por isso, ele mesmo decidiu chamar o coronel no escritório da frente enquanto a mulher Maria Rosa, encostou a filha na parede de forma que quem viesse do fora não veria Ana Luna quase escondida atrás do pilar de sustentação da casa. Zenon chegou ao escritório e pediu licença ao coronel. Em seguida foi dizendo ao seu patrão que lá dentro da sala de jantar estava Maria Rosa acompanhada dos seus dois filhos. Como era incomum tal visita, o coronel perguntou do que se tratava.
--- Ela não disse. Quer falar com o senhor. – falou Zenon baixando a cabeça.
--- Ora merda! O diabo Rosa quer uma hora dessas? – resmungou o coronel.
E saiu para a sala de jantar onde encontrou Rosa e seus dois filhos. Sorrindo, ele perguntou:
--- Do que se trata, Rosa? – perguntou sem cerimônias o coronel.
--- Sua filha está de barriga e quer que o senhor saiba quem fez. – respondeu a mulher de forma bem zangada.
--- De barriga? E o que tenho com isso? – respondeu o coronel.
--- Foi um vaqueiro do senhor quem fez a desgraceira. E é melhor que ela mesma conte pra não ouvir por outras bocas.
--- Foi o vaqueiro Manoel Jacó que me pegou a força. Enfiou um punhal na minha garganta e disse que eu não dissesse nada,. – chorou a moça entristecida.
--- Meu vaqueiro fez isso? – falou alarmado o coronel.
--- Fez sim. E eu tenho provas! – respondeu a moça.
--- Que prova tem? – perguntou o coronel abismado.
--- Essa aqui. Olhe. Um botão do casaco dele! – respondeu com timidez Ana Luna.
--- Zenon. Chame esse cabra aqui. Ora já se viu! – perguntou o coronel enraivecido.
Então o feitor saiu a procura do vaqueiro Manoel Jacó por todos os recantos da fazenda, de cima a baixo, da esquerda a direita sem encontrá-lo em canto algum. Zenon procurou até nos confins das terras sem nada achar. Ao voltar para a sede da Fazenda Maxixe topou com o inesperado: Manoel Jacó dormia a sono solto por trás da senzala dos escravos. Zenon ficou com uma bruta raiva. Barbudo como era e cabelos longos da sua cabeça, o feitor encostou o cavalo próximo a Manoel Jacó, açoitou o animal e disse.
--- Levanta porqueira! O patrão está chamando você, seu bosta. – disse Zenon com raiva até demais depois de uma procura que durou mais de uma hora.
--- Oxente! Eu estava aqui, seu Zenon. – respondeu o vaqueiro timidamente.
--- Levanta. Vai lá à sala da Casa Grande. O patrão está te chamando. – disse de novo Zenon ao vaqueiro Manoel com sua voz empostada.
O vaqueiro se levantou, sacudiu o mato da roupa e pegou seu cavalo caminhando para a Casa Grande onde o patrão já devia está uma fera pela demorada espera. Zenon seguiu de perto o vaqueiro sabendo que o patrão não havia de gostar daquela espera imensa.
--- O que ele quer? – perguntou Manoel Jacó.
--- Não sei não. Pergunte a ele. – respondeu Zenon embravecido.
--- Ora que porre que eu tomei! É por isso que o coronel me chama? – perguntou Manoel Jacó desconfiado com o carão que tinha que levar.
--- Pergunte a ele! – respondeu irado o feitor.
--- Ora. Você não ajuda em nada! – argumentou o vaqueiro.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

LUZ DO SOL - 6 -

- ANA LUNA -
- 6 -
Tão logo caiu morto, ou quase morto, Zenon foi lá até junto dele e lhe perguntou quem tinha encomendado o assassinato e de quem ele estava atrás. Mas o bandido não disse mais nada. Ele estava morto mesmo. Zenon disse um palavrão por não ter conseguido do bandido qualquer coisa que o identificasse. Sabugo foi quem levantou o coronel Ezequiel depois de despejá-lo no chão de forma abrupta para evitar ele ser atingido por bala deflagrada pelo o primeiro bandoleiro que caiu morto tão logo atirou. Foi Zenon quem desferiu o disparo. O Coronel, ainda surpreso, perguntou a Sabugo como ele vira que o bandoleiro estava ali para matar.
--- Simples coronel. Eu vi o bandoleiro quando o senhor entrava na casa do doutor. Eu vi que ele estava armado. Quando o senhor me voltou estava de olho nele. Quando ele puxou a arma foi o tempo de eu lhe dizer: “Cuidado”. Ele estava ali para atirar no senhor ou em outra pessoa que entrasse. – falou Sabugo sem emoção.
--- Mas eu tinha deixado Zenon tomando cuidado de mim e da casa! – falou o Coronel.
--- Sei disso. Mas é a questão de conhecer quem está fora. Aí veio a falha. – disse Sabugo sorrido.
--- Mas você é um homem esperto. Vi agora que é. – falou o coronel.
--- Sou nada coronel. Eu tenho melhor faro para certas questões. – respondeu Sabugo orgulhosamente.
--- Você é meu rapaz. É capaz de enganar qualquer um. Lembro-me agora da corrida e do calço. Aquela foi demais. – falou o coronel cheio de orgulho.
--- Veja coronel. Eu perdia para Zenon na corrida. Ou pelo menos eu pensava nisso. E foi prudente eu fazer a traquinagem do calço. – sorriu Sabugo.
--- E o dois bandidos, você conhece algum? – perguntou o coronel.
--- Conheço todos os dois. Eles estiveram presos na cadeia de Pilar. Um é Manoel Porcaria e o outro é José Sebastião, conhecido por Tião. Ambos são bons no gatilho. Eu sou uma merda. Não sei nem pegar em uma arma. – respondeu Sabugo.
--- Olha rapaz. Não me engane. – falou o coronel.
--- Juro por Deus. Não sei de nada no gatilho. -- respondeu Sabugo serio de modo.
--- Run. Não vá me enganar. – falou o coronel desconfiado.
--- Não vou mesmo coronel. – declarou Sabugo.
--- É bom você ensinar muita coisa a Zenon. Ele é bom de gatilho. Mas você sabe alguma coisa que ele não sabe. Por exemplo: ver um bandido de longe. . – argumentou o coronel um tanto desconfiado.
--- Pode deixar. Se ele quiser que eu ensine, tô pronto para o negocio. – respondeu Sabugo sem medo.
Nesse meio tempo Zenon chegou de onde estavam os dois defuntos. E disse apenas que eram dois defuntos. O coronel se impacientou com a conversa de Zenon e disse de uma só vez.
--- Eu sei Zenon. Nem precisa dizer isso. – respondeu o coronel irritado.
--- Desculpe coronel. Mas o delegado já está vindo para rever os corpos. Alias, são três defuntos. Um está mais adiante. Foi um dos vaqueiros quem o matou. – falou Zenon.
Nesse instante ele olhou para Sabugo com cara de bem mau e não disse nada. Ajeitou o chapéu na cabeça e saiu em busca do delegado. O coronel Ezequiel Torres também fez o mesmo e foi identificar os dois bandoleiros e depois o terceiro morto. Em lá chegando perguntou a Sabugo de modo particular.
--- Irmão de José. Seu nome é João do Coité. Ele esteve uns dias na prisão. Quem soltou foi o Coronel Abel Viana. – relatou Sabugo.
--- Puta Merda. Você sabe de tudo! – disse o coronel com ânsia de partir ao meio o moreno Sabugo.
--- É a vida, coronel. É a vida. E não mesa do juiz tem um papel com o nome de “Abel” e um revólver com duas balas deflagradas. – respondeu Sabugo.
--- Mas você é danado mesmo! – proferiu o coronel Ezequiel.
--- E ele me conhece. Sei disso. – respondeu Sabugo de forma calma.
--- Conhece você? – perguntou espantado o coronel.
--- Conhece. Eu fiz serviço pra ele. E ele é também um dos tais! – explicou Sabugo.
--- Um dos tais? Como assim? Bandido? – perguntou alarmado o coronel.
--- Pelo menos foi ele quem disse. E para ele, bandido só presta morto. É o que ele diz e pensa. O Joca que veio matá-lo, não o fez porque ele atirou primeiro. Se vendo ferido Joca escapou. – falou Sabugo baixinho.
--- Menino! Com quem andam minhas burras? – alarmou o coronel.
--- Pois é coronel. Quem procura, acha. E Joca achou a dele. Eu penso que quem matou Joca são os mesmo capangas que morreram hoje. Agora, tem mais um. Qualquer dia desse ele aparece. E o senhor se cuide. Agora está no meio do fogo. – relatou Sabugo.
--- Isso mesmo. Não confie em ninguém. Nem na sua própria sombra. – comentou o rapaz em confidencia.
--- Nem nos meus amigos? – perguntou assustado o coronel.
--- Quem são seus amigos, coronel? Não me responda. Deixe isso com o senhor. – comentou Sabugo.
--- Nem em você? – perguntou o coronel de forma alarmada.
--- Quem sou eu, coronel? Quem sou eu? Nos homens fortes. É nesses que o senhor não deve confiar. – relatou Sabugo.
Nesse momento chegaram o delegado Euclides e o Farmacêutico Levi para ver o cadáver que estava estirado do local vitimado por um tiro da nuca disparado por um dos três capangas do coronel Ezequiel Torres. O coronel e o seu ajudante Sabugo se pediam assim dizer, estavam no local. Também naquele local estavam os temidos três matadores do capanga João Coité e alguns circunstantes. Do mesmo modo veio ao local o ferreiro Manoel de Tal ajudar no transporte do morto, pois ele era o fazedor de enterros da Vila Riacho das Pedras. Após decidir que estava verdadeiramente morto por um tiro na nuca o homem estirado no chão, o Farmacêutico Levi se levantou de onde estava fazendo uma prece para o morto.
Manoel de Tal pegou a trena e mediu o tamanho da vítima para depois chamar o seu ajudante e carregá-lo para o necrotério da delegacia de policia onde a vitima deveria ficar até a hora do enterro. No caminho, o coronel falou para Zenon, o feitor, que ele precisava aprender lições com Sabugo, pois esse teria muito a ensinar. Zenon olhou o rival sem discutir. E Sabugo sorriu para Zenon com a cara mais sem vergonha do mundo de como quem dizia:
--- Olhe! Olhe! Olhe. Não te disse? – teria dito Sabugo, coisa que ele não falou nem um só instante. Nem disso nem de outras coisas.