domingo, 16 de maio de 2010

LUZ DO SOL - 2 -

- ANA LUNA -
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A terra do coronel Ezequiel Torres era um mundo. Com seus 200 hectares, ela era cultivada com as mais variedades de frutas e legumes. Porém, o coronel Ezequiel se importava principalmente com a criação de gado de corte e leiteiro além de ter sua enorme coleção de cavalos puro sangue. A senzala da fazenda abrigava duzentos escravos, nesse tempo sem liberdade. As mulheres-escravas eram principalmente acolhidas nos serviços domésticos. Os homens-escravos eram tratados como animais. Valiam o tanto que pesavam. Para o Coronel Ezequiel Torres, devia haver uma reunião a cada quinze dias para se por em ordem o que havia acontecido no sertão da vila do Riacho das Pedras onde o sacerdote, Monsenhor Bento, era a maior autoridade da Igreja Católica na região. Em tais reuniões, Monsenhor Bento estava presente a despeito de sua posição com outros latifundiários de maior distancia quando o padre tinha que ir rezar missa ou encomendar corpos dos seus filhos na fé. Nesse dia, o coronel Ezequiel Torres marcara reunião com os seus principais aliados como seja: Major Pontes de Mesquita, Capitão Zenóbio Manso, o Promotor Publico Zaqueu Martins, o Delegado Euclides e demais autoridades além da presença de um Juiz de Direito que se encontrava presente e o coronel desconhecia quem era.
O Coronel abriu a reunião feita a portas fechadas, como se dizia, era um verdadeiro Conclave. Depois de anunciar as presenças de todos, ele ficou devendo a do Juiz de Direito cujo nome perguntou na mesma ocasião.
--- Nome, por favor! – perguntou o coronel Euclides.
--- Doutor Mardoqueu Ramos. – respondeu o Juiz com cara trancada.
Em seguida o Coronel falou em tom forte sob o silencio de todos os presentes.
--- Pois bem. O que se tratar aqui, somente aqui é tratado. Ninguém passa a frente o que se tratou, a não ser com outro companheiro, vendo se ninguém ouve a conversa. Entendido? Muito bem. Nesses últimos dias três escravos fugiram da Fazenda “Lavrador” do Major Pontes de Mesquita. Os Capitães-do-mato souberam que eles foram acolhidos na Fazenda do Barão de Itabira, homem rude e detestado por todos os que o conhecem. Ele recebeu os escravos na sua fazenda sob a promessa de que seriam livres em pouco tempo. É mentira desse Barão, pois se sabe que ele está a serviço do Imperador. Desse modo, tudo o que ele diz é mentira. Nós sabemos o que esse Barão quer. Só mata e come. Um ladrão do mais baixo calão e que só se importa com o dinheiro que recebe do Imperador.
E o Coronel se pôs a dizer todas as infâmias que havia cometido o Barão de Itabira sem temer coisa alguma porque estava entre amigos. E discorreu sobre outras denuncias com relação aos Pereira cuja posição não se sabia qual era. Apenas de que os capangas dos Pereira faziam arruaças em praça publica a mando de seu patrão, Nicácio Pereira, no meio da multidão quando havia feira livre na Vila Riacho das Pedras. Contra os capangas nem o delegado Euclides podia fazer nada, pois, da última vez que estiveram na feira deflagraram tiros contra a própria delegacia de polícia. Eram cerca de vinte capangas para um efetivo de cinco policiais. Os “Pereira” eram homens valentes e tinham apoio do Barão de Itabira. A divisão do alto sertão nessa época era feita desta forma: Brigas, contendas, fugas e assassinatos.
Após três horas de diálogos e debates o Conclave foi dado por encerrado naquele dia sendo outro convocado para dentro de quinze dias, ou antes, mesmo se a confusão continuasse do jeito que se sucedia. Com isso, os participantes, após tomarem um cálice de xerez se despediram de forma cordial, cada um se abraçando com o outro e assim foram embora para seus afazeres com exceção do Monsenhor Bento que o Coronel Ezequiel pediu para ficar. Depois de alguns minutos, quando todos já tinham ido para as suas fazendas e escritórios, o Coronel Ezequiel se juntou no seu escritório com o Monsenhor Bento a quem perguntou:
--- Quem é aquele sujeito baixinho? – perguntou o Coronel de forma baixa.
--- Aquele gordo? Não sei. Mas ele se diz Juiz de Direito. Deve ser. Pois o promotor está sempre com ele. Eu mesmo não sei. Ele não vai nem à Missa. Como eu vou saber? – respondeu o monsenhor Bento de modo mais baixo que o próprio coronel.
--- Ele disse que seu nome é Mardoqueu Ramos. Foi o que ele me disse ao perguntá-lo. Só isso. Eu também não fiz mais perguntas. – falou o Coronel um tanto desconfiado.
--- Pois é. É o que todos sabem. É só isso. – retrucou o sacerdote.
--- Temo que ele seja um espião do Barão. – relatou o Coronel de modo prudente.
--- Pois. Pode sim. Mas nessa gente a gente confia e desconfia. – replicou o pároco de modo inquieto.
--- Escute bem. O senhor é quem pode descobrir tudo a esse respeito. E diga-lhe que a lei aqui quem manda é o mais forte. Ele só faça algo depois que conferir entre nós. Nós é que somos a lei. Eu, o Major e o Capitão. Ouviu bem? – indagou o Coronel.
--- Pois não. Pois não. Eu digo a ele no próximo encontro que eu tiver com esse tal de Mardoqueu, se bem me lembro o nome. – replicou o Monsenhor Bento com extremo cuidado.
--- Pois bem. Era só isso. Agora vá para não dar na vista de que ficou aqui. - falou o Coronel.
--- Isso não tem importância. Eu digo que fui ouvir os pecados das moças. É só isso. – respondeu o sacerdote.
--- Ah bom. As três mocinhas. Minhas filhas. É isso. – respondeu alegre o coronel Ezequiel, cheio de orgulho.
Desse modo, a reunião terminou entre o Monsenhor Bento e o Coronel Ezequiel Torres já no final daquela tarde. O sacerdote ainda pediu um pouco de xerez, pois estava com a garganta saca e ainda tinha que ouvir as confissões das três moças. O coronel Ezequiel acedeu e mandou entrar a criada nova com uma bandeja de xerez.

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