terça-feira, 31 de agosto de 2010

DANÇA DAS ONDAS - 6 -

-- Mathilda May --
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O domingo chegara. O ônibus estava apinhado de gente com destino à praia da Costa, recanto aprazível para todos os admiradores da natureza bela e resplandecente. A Praia da Costa era um local muito freqüentado por todas as estações do ano, inclusive no inverno. As casinhas de pescador se misturavam com os bangalôs de gente rica. Esses homens de alta posição, homens ricos eram em sua maior parte oriunda das praias do litoral, inclusive da Praia da Costa. Eles herdaram as suas mansões construídas no tempo de suas bisavós e reformadas com o passar dos anos até épocas mais recentes. Nas casas grandes, como se chamavam as velhas casas de moradia dos ricaços, ainda se podia notar os locais onde se guardavam os escravos. Havia inclusive remotas passagens de assombrações contadas à boca pequena pelos pescadores, homens notadamente filhos ou netos de escravos. Porém, disso não se falava na viagem do ônibus o qual fazia esse transporte em viagem apenas aos domingos ou mesmo feriados. Honório seguia também com as duas irmãs, Adélia e Ângela, a mais nova dentre as duas. Em uma zoada infernal, os passageiros aproveitavam o passeio para gritar e pular como se fosse um verdadeiro carnaval. O motorista parecia acostumado com aquela fuzarca e nem fazia cara feia para os passageiros. Era tamborim, bombos, cavaquinhos, violões, pandeiros entre muitas bebidas levadas da cidade para o interior, parte longínqua da praia. A viagem durava uma hora ou pouco mais para se arranchar. Havia na Praia da Costa produtos de artesanato para vender além de bodegas sujas e pequenas para servir, pelo menos, cachaça aos seus freqüentadores. Quando o transporte chegou ao seu destino final, outros ônibus vindos do interior do Estado e de outros Estados já estavam acostados naquele local. Muitos desses carros chegaram durante à noite e madrugada do sábado e domingo. No local, era uma verdadeira festa. Gente por todo o lado. Uns já embriagados. Outros a dormir no meio do terreno. Asfalto não tinha o que por sinal era uma vila. A estrada era de barro batido. Quando chovia, havia um alagadiço no trecho fazendo estragos aos transportes. Havia ali carros grandes e pequenos, todos de passageiros ou mesmo de aluguel.

Ao saltar do ônibus no qual viajavam Honório, Adélia e Ângela dentre os demais passageiros, de posse de seus apetrechos rumaram com toda a pressa para qualquer lugar da vila onde pudessem ficar tranqüilos. Mesmo assim, era difícil de encontrar novo local para se hospedar. As casas de veraneio não alugavam espaço. Restavam apenas as casas dos pesadores onde, não raro, principalmente as moças teriam de servir para as suas necessidades, além de trocar de roupa para os não vestidos como prevenção. Nas habitações paupérrimas dos pescadores, feitas de palhas de coqueiros na sua cobertura e de taipa nas suas paredes carcomidas, havia uma espécie de banheiro ou latrina onde as moças e mulheres podiam trocar de roupa. No imenso mau cheiro que exalava esses locais deixava a desejar um melhor comportamento dos freqüentadores, pois a cada vez uns e outros conseguiam sair, achando graça do fedor intenso.

--- Mais parece um Quartel. – disse alguém saindo na carreira.

Bem que parecia. Em 1802, o Exercito de Napoleão Bonaparte tinha de fazer suas necessidades em um local único coberto por uma lona. Depois de fazer suas necessidades, quatro soldados vinham fazer a limpeza retirando o estrume do local. E com esse estrume, faziam-se negócios para armamento, nascendo então às bombas. Nem tudo era perdido como se pensava. Nos locais de defecação da casa pobre de pescadores, os resíduos era posto em um buraco mais ou menos fundo e deixado por tempos infindos. Os dejetos não serviam para coisa nenhuma, a não ser fazer fedor.

Quando as moças Adélia e Ângela se aprontaram, rumaram na companhia do rapaz Honório para a beira-mar e ali chegaram a adormecer sob o sol intenso do verão. Ângela gozou de excelente plenitude de um calor ardente. Adélia não fez por menos, embora não tivesse um guarda-sol para cobrir seu corpo franzino e quase nu. O rapaz se deleitava com tudo aquilo como o senhor das duas moças. Pela primeira vez ele pode ver o corpo ardente de Adélia tão desprovido de cobertas. Ela era uma jovem moça encantadora, igual a sua irmã. Gente passava ao largo sem perder de vista aqueles corpos esbeltos ao se bronzear a luz do sol. Cada homem se admirava em ver tanta majestade em formosura. E não se cansava em falar:

--- Que bela dama! – diziam alarmados os vermes homens.

Uma bodega transformada em bar e restaurante tinha crustáceos para servir durante à hora do almoço. Os três amigos bem logo se refestelaram de tudo para o sossego do proprietário como um mestre costumava dizer:

--- É o melhor de toda redondeza da praia. – falava o homem a sorrir.

E talvez fosse. Goiamum, ostras, camarões. Tudo servido ao pirão de farinha e mais um pouco de arroz, pimenta de cheiro e – para quem quisesse – tapioca molhada. Os três degustaram de tudo um pouco. No decorrer do almoço, Ângela indagou de repente, a Honório:

--- Você é noivo, Honório! – perguntou a mocinha com um sorriso na face.

--- Menina! Tenha modos! Isso é lá para se perguntar a um rapaz? – retrucou Adélia com raiva

--- Deixa. Ele responde! – relatou a irmã menor.

--- Eu? Mas que pergunta! Não. Não sou noivo e nem tenho namorada! – respondeu o rapaz a sorrir febrilmente.

--- Tá vendo! Nem fez questão. – replicou Ângela a sorrir.

--- Mas não é para se perguntar uma coisa dessas! – respondeu Adélia com raiva a ponto de esganar a irmã.

--- Ora. Besteira. Ele nem se alarmou. Não foi Honório? – perguntou Ângela sorrindo enquanto degustava camarão.

--- Que nada. Eu até me lembrei de uma história. Um rapaz, de seus trinta anos, era aviador. Tinha ele uma namorada. Viveram felizes em todos os momentos de suas vidas. Certo dia, ele partiu em missão, durante a guerra, como sempre fazia. Mas, dessa vez, ele não voltou. Seu avião foi alvejado por um morteiro e ele morreu. Passaram-se dias até que a noiva soube do caso. Então, ela ficou inconformada. Foi isso o fim daquele amor. – disse Honório sem sorrisos.

--- Virgem! Que coisa triste! Parece até um filme! – respondeu Ângela querendo chorar.

--- É. Parece. Mas é a vida. O amor tem seus altos e baixos. Um vive eternamente, sem rusgas. Outro fenece ao entardecer. – destacou Honório.

--- Você é escritor? – perguntou Adélia temerosa.

--- Quem? Eu? Não! Eu trabalho em uma firma de despachos mercantes, perto de você. – respondeu Honório sorrindo.

--- Perto? – perguntou Adélia assustada.

--- É. Perto. No mesmo bairro. – sorriu Honório a Adélia.

--- Ah sim. No mesmo bairro. Eu sei. Não tem mesmo namorada? – indagou Adélia curiosa.

--- Olha quem fala? – sorriu Ângela como por vingança.

E nesse momento Honório sorriu para a mocinha que estava exultante de prazer.

--- Não. Ah não ser essa bela e encantadora garota que tanto me faz sorrir. Se ela quiser, é claro. – sorriu Honório para Ângela.

--- Hum! Não tenho idade para ser noiva. Ela é que tem. Pergunte a ela se quer ser sua noiva! – sorriu Ângela para Honório que continuava a conversar.

--- O amor é como uma rosa. Brota devagar. Em determinado instante, ela floresce. Surge exuberante e cheia e encantos igual a uma açucena. Branca ou vermelha. Porém formosa e de doce olor. – sorriu Honório para Adélia quão extasiada estava.

--- Você é um poeta. Sabe decifrar as mais belas nuances da poesia. – argumentou Adélia.

--- Se eu fosse poeta, talvez você fosse para mim uma rosa. – elevou o rapaz a doce encanto.

--- É. Mas não sou nem uma rosa e você é um poeta. – sorriu Adélia querendo dizer outra coisa

Os dois, Adélia e Honório, ficaram sentados à mesa um olhando para o outro. Ângela somente olhava para um e outro sorrindo devagar, saboreando seus camarões. O minuto demorava uma eternidade a se passar. Adélia ficava ali, só a olhar o rapaz bem dentro dos seus olhos como uma vespa, uma das divindades do Olimpo, filha de Saturno. E ele, com ambas as mãos no queixo a olhava firme, com os cotovelos apoiados à mesa. Nenhum falava coisa alguma. Olhavam-se apenas. Ela mais que exuberante denotava os queixumes de mulher amada. Mas que a eternidade do tempo o minuto se passou e ele lhe fez a demorada questão:

--- Case comigo! – pediu o rapaz a moça quanto não mais se ouvia falar.

--- Mas nem nos conhecemos de verdade. – relutou Adélia em afirmar o sim.

--- Case comigo. Sou eu que te peço. – disse o rapaz no meio de tão infernal barulho dos homéricos fazedores de galhofas em toda a praia da Costa.

--- Vou pensar! – respondeu a moça de modo suave e tranqüilo.

--- E eu fico com quem? – sorriu Ângela ao fim do caso.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

DANÇA DAS ONDAS - 5 -

Angelina Jolie
No dia seguinte, um tanto despreocupado por conta de Adélia, o rapaz chegou muito cedo ao escritório de despachantes e se apegou com seus apontamentos. O patrão, Jorge Dumaresq, sempre se atrasava por um motivo qualquer. O restante dos funcionários já estava no labor. Apenas Luiza não havia chegado. Portanto, aparentemente, estava tudo em perfeita ordem. No dia passado Honório também não viera na parte da manhã. Por sua importância ao serviço, o patrão nada reclamou. Afinal, ele, Honório, era sobrinho de Dumaresq. Portanto, o seu nome também era Honório Dumaresq. A chave do escritório, no primeiro andar do prédio ficava com um empregado. O homem chegava todos os dias logo cedo. Fazia a limpeza de tudo e até dos móveis e cestos de lixo, depois disso descansava até chegar quem mandasse fazer algo.

Nesse dia, Honório espirrava mais parecia um bode. Para cessar tanto espirrado ele usava um tubo de um medicamento o qual o médico lhe receitara. A todo instante o rapaz estava pondo o medicamento nas narinas apesar de com isso não cessar os espirrados.

--- Isso é o frio. – relatou o homem que abriu o escritório de despachante.

--- Essa porcaria, desde cedo eu estou desse jeito. É estalecido mesmo. – falou Honório ao tempo qual sugava as narinas. Os seus olhos se enchiam de lágrimas por conta dos espirros.

E o rapaz roncava feito um porco para desentupir o nariz todo congestionado. Era uma mania de tal forma onde a cada espirrado, Honório cuspia e gritava bravo:

--- Merda! Isso é uma porra!!! – gritava Honório com seus espirrados.

E toca a limpar as narinas, roncando, escarrando, enfiando o lenço na boca para evitar estar limpando de qualquer forma o nariz de vez em quando. Nesse ponto, chegou Luiza mais alegre que nunca dando bom dia até as paredes. No instante viu Honório com os seus espirrados e o lenço socado na boca. Luiza olhou admirada e perguntou ao rapaz se estava gripado;

--- Não! Espirando! – respondeu Honório com muita raiva.

--- E para que o lenço na boca? – quis saber a moça de ver o rapaz com a boca cheia de lenço.

--- Pra não responder pergunta besta! – gritou o moço a sua companheira.

--- Tenha calma. Tudo se ajeita. Não precisa ficar com raiva. - respondeu a moça com imensa calma e depois sorrindo.

--- Merda! Isso é uma merda! – era o sinal de que vinha mais espirrado.

E a moça sorrindo muito ainda disse com calma.

--- Eu vou logo sair daqui antes que eu leve um coice de jumento. – e se retirou para outra escrivaninha mais afastada.

O rapaz nem notou a observação de Luiza e se notou não levou em consideração. Aquele estalecido durava o dia todo com certas pausas quando o rapaz podia descansar um pouco. Em meio aos estalecidos, surgiu o dono do escritório de despachantes, senhor Jorge Dumaresq. Ao ver o rapaz com a tal rinite alérgica, o homem tratou de dispensar Honório do expediente para que o jovem fosse para casa por os pés em água morna ou quente. Dizia o homem ser um santo remédio para rinite.

--- Já receitaram tudo na vida. Só falta eu meter uma bala no focinho! – respondeu o jovem atônito.

O homem o repreendeu dizendo que ele tivesse cuidado com as palavras e pensamentos, pois aquele mal não era tão ruim assim.

--- Há coisas piores da vida. Vá pra casa. – relatou Dumaresq.

O rapaz obedeceu e pegou um carro de praça para poder ir mais depressa e agüentar a coriza no tempo vindo. E no carro, toca a espirrar como nunca até que o motorista disse a ele:

--- Cheire um pouco de gasolina! – falou o motorista com certa malícia.

--- E é bom isso? – perguntou Honório surpreso da vida.

--- Não sei. Nunca tive isso. Talvez seja porque desde menino cheiro gasolina. Os mecânicos dizem ser bom pra. ... – respondeu o motorista.

--- Besteira. Isso não põe ninguém pra frente. – resmungou Honório.

--- E como o carro anda? – perguntou o motorista sorrindo.

--- (?) – Você quer é gozar com minha cara! – respondeu Honório da dúvida.

--- Olhe bem como você está espirando menos. – rebateu o motorista alegre da vida.

--- Pois vou cheirar. Pronto! Um garrafão de gasolina! – retrucou de vez Honório.

E o motorista caiu na gargalhada com a tolice do rapaz.

Quando a jovem Adélia estava em casa, pensou no rapaz Honório. E pensou forte. As coisas ruins pelas quais ele enfrentara no tempo em que ela sofrera o vertiginoso desmaio. Aquilo ela nem desejaria mais pensar. Tudo não passara de um pesadelo. E assim, Adélia acharia um meio de satisfazer Honório a convidá-lo para um passeio às margens do rio do Algodão, tão famoso pelo seu acabamento alinhado, com as antigas residências à sua margem. Os barcos à vela a passear pelas águas melancólicas da ribeira. Para Adélia, aquele voltear seria uma forma de agradecer a Honório pelo feito. Ela pensava o tempo todo de como aquele rapaz morasse no bairro onde ela também morava e não tivera uma oportunidade apenas de vê-lo antes daquele malsinado dia.

Com o passar dos dias, Adélia recebeu em sua casa a visita do rapaz Honório, caso já bastante comum para ambos. Era noite. E eles conversaram a bel prazer. A mãe de Adélia trouxe uma xícara de café para oferecer ao moço. A irmã mais moça chegou até a porta do corredor e sorriu para o rapaz. Não disse nada. Apenas sorrio. Adélia foi quem falou:

--- Cumprimenta o moço, Ângela! – falou Adélia como querendo se desculpar pela falta de gentileza de sua irmã.

A moça meio sem jeito chegou até o rapaz e o cumprimento bem lento.

--- Como vai, senhor? – sorriu Ângela.

--- Não tão bem quando você. Mas vou seguindo a vida. – respondeu Honório com um sorriso

--- A senhora é minha mãe. – referiu-se Adélia a mulher do café.

--- Prazer, senhora. Meus respeitos. – falou Honório a mulher.

--- Com prazer. Meu nome é Almira. Qual o seu, por favor? – perguntou Almira.

--- Honório, senhora. Imensa satisfação. – respondeu Honório com os seus cumprimentos.

Algumas horas eram passadas e Honório se preparava para sair quando deu a lembrança de convidar Adélia para ir à praia da Costa, no domingo seguinte. De inicio Adélia ficou meio cismada e, então, Honório disse que podia levar as irmãs. Ele não sabia se tinham mais algumas além de Ângela, que foi apresentado naquela noite. Com efeito, Ângela era uma linda garota, talvez um pouco jovem. De uma forma ou de outra, ela faria excelente companhia a Honório uma vez que a mocinha tinha semblante primoroso. Com um impulso de Ângela, a moça se decidiu em ir à praia da Costa no sábado, logo cedo da manhã.

--- Eu irei, sim. – declarou Adélia já não cismada, pois a sua irmã caçula era a força de seguir em frente.

--- Ótimo. Eu virei apanhá-las! Certo? – sorriu Honório direto para Adélia.

Em retribuição, a moça também sorriu, mostrando prazer em ter um amigo que se poderia contar como fiel, até aquele ponto. Na verdade, Adélia não sabia de mais nada a respeito de Honório como se ele era casado, se tinha namorada ou noiva, se tinha pais e irmãos, de quem era a sua família e coisas simples cujo poder era demais eficiente. Apenas Adélia sabia que ele era Honório e morava no mesmo bairro onde a moça morava e nada mais. Quando o rapaz saiu de sua casa, Adélia ficou a meditar sobre esses temas.

--- Será mesmo que ele seja só? Tem mãe? Irmãs? Trabalha em que? – isso era o mais por saber Adélia depois daquele encontro casual em sua moradia.

--- Ele é noivo, Adélia? – perguntou Ângela de supetão.

--- Quem? Não sei! Como vou saber? – indagou Adélia querendo desviar o assunto da irmã mais nova.

--- Perguntando a ele: “Você é noivo?”. E veja se ele fala a verdade ou não. – respondeu Ângela sorrindo.

--- Eu vou lá perguntar uma coisa dessas! – respondeu Adélia ainda por demais cismadas.

--- Pois eu pergunto domingo. E vejo o que ele responde! – sorriu a garota.

--- Você não vai perguntar nada. Está ouvindo? – respondeu Adélia com voz ativa.

domingo, 29 de agosto de 2010

DANÇA DAS ONDAS - 4 -

KIM NOVAK
- 4 -
O certo é que Honório havia cumprido a sua obrigação daquele momento e estava feliz por ter sabido qual a empresa aquela a jovem Adélia trabalhava e ter progresso no seu afazer. Para mais tarde Honório gostaria de ter noticias de Adélia, qual o seu progresso, uma vez passada a primeira fase quando houve o desmaio. Talvez, aquele desfalecimento fosse apenas conseqüência do mal tempo da noite anterior. O fato é como Honório ficou tão preocupado com a moça coisa não feito por outras moças de quem gostara certas vezes no passado. Então, restara apenas esperar pelo entardecer e procurar, em casa de Adélia, saber qual o seu estado.

Na tarde do mesmo dia, Honório esteve no Porto para verificar uma fatura de mercadorias vinda no dia anterior. Na ocasião ele passeou pelo Porto olhando onde os homens fizeram a construção de um dique para sustentar toda a força das águas quando havia maré alta. A situação do Porto era vexatória, pois em tempo de maré alta as vagas avançavam para fora das calçadas em uma verdadeira dança das ondas. Então, Honório notou aquela imperícia posta pela a engenharia e ficou a imaginar soluções cabíveis para o tal assunto. Dele não dependeria qualquer atividade. Mas, a direção dos Portos teria a resolver tal situação vexatória. Ele estimou num carrego que viesse a sofrer com a queda brusca do transporto para o rio quando as ondas ficassem mais bravas. Naquela hora da tarde, a maré já estava no cume da calçada a ponto de alcançar a rua. De qualquer jeito a situação para os portuários ainda era calma. Os guindastes imensos ali postados faziam o seu serviço de tirar e por mercadorias no interior dos navios ancorados. Honório olhou bem para os guindastes os quais formavam uma série de seis a levar e trazer mercadorias imensas como madeiras e sacarias. Então, Honório pensou como sempre pensava;

--- Esses guindastes ainda farão uma tragédia nesse porto. – pensou Honório conjecturando.

As águas do rio faziam uma afluência que batia na borda do cais. O rapaz viu tudo com imenso temor. De imediato, um dos navios encostou-se à borda do cais fazendo imenso barulho. Honório assustou-se com aquela zoada inesperada. Até correu para dentro do galpão do cais. Um portuário vinha a passar e sorriu para Honório. E o rapaz algo suado, ainda disse:

--- Que medo! – respondeu Honório assustado.

--- Isso é normal. É quando uma onda bate forte no casco do navio e ele encosta-se ao cais. – explicou o portuário.

--- Mas faz susto para quem não espera! – respondeu Honório com temor.

O portuário sorriu e já deixava o local quando Honório lhe perguntou sem emoções visíveis.

--- Escute aqui! O senhor não acha que esse cais está muito baixo? – perguntou Honório.

--- É. Está. Já foram feitos três requerimentos e entregues a direção do porto e não houve resposta. – respondeu o portuário.

--- É danado. Ninguém faz nada para resolver o problema! – reforçou Honório.

--- Semana passada a água bateu até na Capitania. Eles tiveram que retirar tudo! – sorriu o portuário.

--- É. Eu ouvi falar no caso. Mas alguma coisa tem que ser feita. – disse Honório com raiva.

--- É. Depois alguém faz. O rio alaga as outras partes do bairro. Alaga a praça. Alaga tudo. – explicou o portuário.

--- Isso é fato. Eu vou falar com um rapaz de um jornal para ele mandar fazer matéria sobre o assunto. – reclamou Honório cheio de ódio.

--- Um jornal de uns dias atrás deu matéria sobre isso. Quando houve uma maré braba. – sorriu o portuário largando caminho e dizendo até logo a Honório.

Com isso, o rapaz ficou cismado. Três requerimentos e nenhuma resposta. Talvez a dragagem do rio não pudesse ser feita, era o mais provável para Honório como solução. Ao cabo de tudo isso, o rapaz voltou ao escritório onde trabalhava no Bairro Alto. Sempre com a cabeça voltada para o problema do qual ouvira o homem do Porto dizer. Do primeiro andar do seu prédio, onde ele prestava serviços para um despachante, Honório ficou inquieto com o tal problema. Na verdade, não era mais para se preocupar. Essas cheias sempre aconteceram. Até porque as casas de comercio já estavam quarenta centímetros acima do nível da rua. Quando houve uma cheia no bairro, foi um verdadeiro transtorno para os donos de lojas. Houve um tempo onde na Rua do Carmo as casas de moradias eram mais baixas do traçado da rua. Porém, isso foi a bastante tempo. E naquela época, a maré alta entrava de casa adentro.

A mulher gorda acompanhada de uma jovem moça entrou na sala pequena, por sinal, e foi falar com o homem cuja atividade era de despachante. A mulher cochichou baixinho o qual mesmo o homem não pode ouvir. Em contrapartida o homem falou tão baixo ainda onde apenas ele e a moçinha se entenderam. Certamente, o homem despachante sairia com pouco mais para cumprir sua obrigação. E assim foi feito. Dentro de instantes, o despachante passou talco no rosto e disse ao rapaz.

--- Cuide que eu volto logo. – disse o despachante.

O rapaz concordou com o despachante. A moça estava a trabalhar, batendo a maquina em um requerimento. Quando o chefe saiu, ela olhou para Honório e fez um ar de riso. Ele entendeu e disse a moça que aquela “estava no papo”.

--- Mais tarde somos nós. – respondeu Honório caçoando com a moça cujo nome era Luiza.

--- Pegue aqui, ó! Já tenho o meu! – respondeu Luiza apontando o dedo.

Honório sorriu e tudo voltou ao estado original. Ele sabia do caso de Luiza. E sabia também de uma boa cantada a moça, vinte e dois anos, não escapava. Certa vez ela se ofereceu ao rapaz. Aquela desatenção não passava de um minuto. Até porque, quem queria ter uma renda para manter a sua luxúria. O emprego lhe rendia um salário. O noivo nada lhe provinha. Uma vez ou outra, ela saía com certas pessoas, inclusive Honório. E então, nada mais do que certo procurar a casa de Zé Barros depois do expediente. Mesmo assim, os dois se ocuparam no serviço e nada mais foi falado. O rapaz pensava então no caso da moça adoentada. Adélia podia estar melhor ou pior. Isso ele não sabia. Tentaria saber mais tarde, indo até a casa onde Adélia residia. Afinal, os dois moravam em um só bairro: o Belém.

Tão logo o expediente terminou, os dois se despediram com a promessa de um dia melhor. Porém, a mocinha retrocedeu e chamou Honório. Esse logo entendeu o seu chamado. E assim caminharam para a casa do Zé de Barro e enfim ambos ficaram ao desespero imenso de um amor infindo. Em nada conversaram. Ao sair, o rapaz lhe deixou a gorjeta para ouvir apenas o reclamo da companheira:

--- Muquirana! – disse a moça para o rapaz.

Então Honório sorriu ao perguntar:

--- Quer mais? Amanhã eu tenho recebido dinheiro e te dou. – respondeu Onório sorrindo.

--- Verdade? Sou tua apenas. Se quiser, eu sou! – respondeu a moça delirante.

--- Verdade? Só minha? E teu noivo? – indagou Honório querendo escapulir da enrascada.

--- Eu não sou noiva. E acabo hoje mesmo. Eu te quero. Só a ti! – respondeu Luiza cheia de ânsias e dengo.

O rapaz voltou a sorrir. Ele não se esquecia de Adélia, pois afinal talvez fosse virgem. E se não fosse, tudo bem. Nada havia de importante no caso.

Depois do jantar, Honório largou para a casa de Adélia, para saber das novidades com relação a virgem moça. Quando passou perto de sua casa, uma urna mortuária guardava alguém. Certamente esse alguém havia morrido durante o dia ou a noite passada. Talvez um velho, com certeza. Ele nem parou para saber de mais detalhes. Tinha umas pessoas a porta e outros dentro a casa. Era tudo que ele conseguia ver, afinal. Remoendo a sua cabeça por não ter de ficar qualquer tempo, Honório chegou à residência onde morava a jovem moça. Havia luz no terraço e ele bateu palmas para alertar quem pudesse ouvir. Pessoas de casas vizinhas chegaram de imediato para saber quem era. Uma mocinha respondeu com um sorriso. Ele devolveu tal sorriso com o seu modo de tratar aqueles que se acercavam dele.

--- Olá! – respondeu uma voz. Ele viu que se tratava de Adélia. Era ela muito jovem e bela.

--- Olá. Você está bem? – sorriu Honório para a jovem.

--- Estou. Entre. Faz favor. – sorriu Adélia com prazer.

--- A senhorita nem sabe como passei o dia! – respondeu Honório a sorrir.

--- Ah. O senhor foi até meu trabalho? Eu soube. A moça que o recebeu esteve aqui. Não precisava de tal coisa. Eu fui à tarde à repartição. Tive uma licença de três dias. – disse a moça a Honório.

--- Assim é bem melhor. Três dias de repouso. Fico feliz ao saber a noticia. – sorriu Honório.

sábado, 28 de agosto de 2010

DANÇA DAS ONDAS - 3 -


- DIANA DORS -
- 3 -
A moça veio se sentar ao lado de Honório, o rapaz do jornal e, com muito cuidado, ainda pálida gemeu um pouco como querendo reclamar de alguma dor ou coisa assim. Magra, bem magra de fazer dó, vestindo saia e blusa, o que dera para arrumar depois da tempestade do dia que passou, ele ainda tremeu de frio. O rapaz Honório, olhou para Adélia e sorriu. A moça olhou para o rapaz e perguntou sobremaneira:

--- Você vinha no Bonde? – perguntou Adélia ainda meio preguiçosa.

--- Sim. Você perdeu os sentidos em meu ombro. Quer dizer: quase no meu ombro esquerdo. – respondeu Honório sorrindo.

--- Nossa! Que situação! E agora? – indagou Adélia abismada.

--- Agora o que? – sorriu o rapaz a perguntar.

--- Meu trabalho? – disse a moça sobressaltada.

--- Não se incomode. Eu aviso onde você trabalha. – respondeu o rapaz a sorrir.

--- Mas é distante. – chorou a moça.

--- Não tem importância. Quando você estiver melhor, eu vou levar você em sua casa. Não se preocupe. – respondeu Honório.

--- O senhor é daqui? – perguntou Adélia.

--- Moro um pouco longe. Mas dar-se um jeito. Onde você mora? – perguntou suave o rapaz.

--- Você vai me levar em casa? Não precisa. Eu acerto em ir. – respondeu Adélia.

--- Está bem. Mas vai como para a sua casa? – perguntou sorrindo o rapaz.

--- Não sei. – respondeu Adélia com a cabeça ainda rodando.

Nesse ponto, o auxiliar de enfermagem veio com uma xícara de café quente para ela beber. A moça fez cara feia e disse não precisar. O rapaz insistiu e disse que eram ordens do enfermeiro para que ela ingerisse um pouco de café. Com cara feia e tudo, ela bebeu o café. Ao bater o estômago, o café quente lhe deu ânimo, o que lhe estava faltando.

Aos poucos, Adélia foi se recuperando a ponto de poder andar dentro da sala de enfermagem. Olhando para onde Miguel enfermeiro estava a trabalhar, notou o homem a cuidar de uma criança com um tumor nos quadris. A moça, de imediato voltou, postando as mãos na boca e reclamando não querer mais ver o que havia observado. Então, Adélia perguntou a Honório quanto devia pelos cuidados do enfermeiro. O rapaz, de volta,perguntou:

--- Você tem dinheiro? – indagou o rapaz.

--- Quase nada. – respondeu Adélia com a cara tristonha.

--- Então deixa assim mesmo. Eu já paguei pelo soro. Isso não é nada. Queres ir agora? – perguntou Honório satisfeito com a recuperação da moça.

--- Mas diga quanto te devo! – indagou Adélia não querendo estar devendo a ninguém.

--- Não sei. Eu esqueci. – comentou Honório sorrindo.

--- Vai! Diga logo! – disse Adélia com a voz de choro.

--- Vou chamar o carro. Você diga onde mora. O motorista vai levá-la em casa. – recomendou Honório.

--- Não digo. Quero saber quanto te devo! – lamentou Adélia.

--- Ah. Vou buscar o carro. – respondeu o rapaz.

Em instantes, o motorista estava na porta do enfermeiro a esperar a moça. Honório, com o mais cuidado, levou Adélia até o assento traseiro do veículo e tomou o banco dianteiro do carro rumando para a Rua da Estrela, uma artéria cheia de lama e buracos. Quando estava na rua, Honório perguntou a moça onde devia parar. Ela respondeu:

--- Bem ali, onde tem aqueles colchões. Adiante. – respondeu Adélia.

--- Você tem que ir ao medico. Foi à recomendação do enfermeiro. – relatou Honório com cara de bom moço.

--- Pode deixar. Eu vou! – respondeu Adélia um pouco tristonha.

--- Vai hoje? – perguntou Honório com certa prudência.

--- Vou ver. Não sei. Tenho que avisar no trabalho. – respondeu Adélia ligeiramente triste.

--- O endereço! – pediu Honório com certa pressa.

--- Que endereço? – perguntou Adélia, cismada.

--- Do seu trabalho. Eu aviso que você está doente. – relatou Honório.

--- É um escritório do Bairro Alto. Pode deixar. Eu logo me arrumo. – respondeu Adélia como querendo se sentir livre de tanto incômodo.

--- Não tem importância. A senhora já foi atendida. Agora é avisar seus parentes. – comentou o rapaz desapontado por não ter o endereço do trabalho a moça.

--- Muito obrigada. Eu fico aqui mesmo. Lama. Ainda é o resultado de ontem. – fez ver Adélia.

O rapaz apertou a mão de Adélia com suavidade e apreço dizendo até breve, pois alimentava a esperança de encontrar a moça em pouco tempo. O veículo fez o seu retorno e rumou para onde esteve parado até àquela hora. No caminho de volta o motorista falou ao rapaz sem cuidado ou desprazer.

--- Eu acho que você encontra o endereço da moça nos apontamentos de Miguel enfermeiro, pois ele costuma tirar todas as informações de um paciente e guardar com cuidado. – profetizou o motorista do veículo.

--- É isso. Com a breca! Eu não tinha pensado nisso!!! – exclamou Honório pleno de alegria.

--- Possa ser que desta vez, ele não tenha tirado. Mas. – ressaltou o motorista.

--- Vou passar no gabinete do enfermeiro agora! – sorriu Honório satisfeito.

E foi o que o rapaz praticou. Em sua passagem, esteve com Miguel Enfermeiro e lhe pediu debaixo de sete segredos o endereço de onde trabalhava a jovem Adélia. O enfermeiro ficou um pouco assustado e perguntou ao rapaz:

--- Quem te disse que eu tenho? – falou o enfermeiro amedrontado.

--- Uma veneta. O senhor tem? – perguntou Honório.

O enfermeiro ficou meio duvidoso. Mas, com certeza acreditou na intenção do rapaz, por causa de pagar a consulta e a medicação que Miguel cobrara. De qualquer jeito, o enfermeiro deu o endereço de onde trabalhava a moça. Quase de imediato o rapaz rumou para o bairro onde se instalava o escritório da jovem moça. Eram quase onze horas da manhã momento quando chegou ao escritório o rapaz. O porteiro estranhou tal presença. Mesmo assim, Honório disse ser portador de uma noticia para a direção da empresa de parte da senhorita Adélia. O porteiro anotou o nome e pediu sua identidade prometendo devolve-la na sua volta.

Tendo feito o procedido, o rapaz foi dar a informação prestada por Adélia. A chegar ao escritório, foi logo recebido por um atendente. Honório disse trazer uma informação da senhorita Adélia de forma urgente. A moça estava sentada no birô perguntou do modo o qual estava havendo com Adélia, pois até àquela hora a moça não tinha aparecido para o trabalho;

--- Agora ela está bem. Sentiu-se mal logo cedo e foi ser atendida em um consultório do Bairro Belém. Porem há recomendação para voltar ao médico. Creio apenas dela voltar amanhã. Provavelmente. – falou Honório bem convicto.

--- Ave Maria! Adélia doente? – exclamou a funcionária da escrivaninha aterrorizada.

--- Creio seja só isso. – relatou o rapaz.

--- Ave Maria! Adélia doente! Gente! Venha ouvir essa! Adélia está doente! Está mal mesmo! Coitada! Eu vou já a casa dela! – exclamou em alta voz a funcionária do balcão.

--- Não é preciso. Ela tem que ir ao médico. – relatou o rapaz procurando tranqüilizar de modo o restante do pessoal.

--- Ela morreu? – perguntou uma mais apavorada.

--- Quem morreu? – perguntou assustado um serviçal meio corcunda que entrava na sala.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

DANÇA DAS ONDAS - 2 -

- ROSA VIVA -
- 2 -
No caminhar para o seu escritório, Adélia ficou a pensar no caso do morto. E lembrou-se do seu pai o quanto mexia nos fios da instalação da casa, sem medo de levar choque. Foi um delírio para Adélia aquela sensação terrível de poder ver o morto ainda sem estar na urna. A moça sentiu tonturas nessa ocasião. A sua roupa era uma velha saia desprezada e uma blusa já sem uso de há muito. Ela rebuscou no armário e foi o que encontrou de forma mais rápida. De qualquer forma, Adélia estava vestida. Por precaução, ela levou a sombrinha e a capa. Caso voltasse a chover, bem estaria agasalhada quando a tormenta sacudisse as ruas. Um rapaz sentou em seu lado, no banco do Bonde e abriu o jornal já do dia mais que anterior. A moça olhou de soslaio uma matéria de um casal morto durante a tempestade em qualquer cidade do país por aqueles dias. Adélia sentiu vontade de vomitar. Náuseas. E então lembrou não ter tomado café, dado aos afazeres da casa, com o pessoal lavando os panos frios e úmidos da noite e madrugada passada. Sua cabeça rodou por instantes e Adélia fez-se forte para agüentar até chegar ao escritório da repartição. No local funcionava um boteco de vender refrescos, bolos, café e tantas coisas mais. Adélia tomaria um café forte no boteco para ver se passava o enjoou. O rapaz do jornal só procurava ler as matérias esportivas. Para a moça, aquilo tudo era de menos importância. A noite chegou abrupta e de repente, o céu escureceu, o sol apagou, a vida desmoronou. Ninguém viu ou ouviu quando Adélia caiu. O rapaz do jornal se ergueu em um susto. A moça despencou em cima do seu ombro. Ele olhou e viu a cor lívida da jovem senhorita. Boca aberta e sem cor. Dentes a mostra. Pedacinhos de dentes. Quase não se via. Cabelos caídos em desalinho. Olhos revirados e mortos. O rapaz gritou.

--- Acudam!! Motorneiro! Trocador! Acudam! A moça está morta!!! – gritou o rapaz do jornal.

Por inteiro o pessoal que viajava no Bonde se levantou com pressa. Alguns gritavam:

--- Acudam a moça!!! – era o grito da maioria do pessoal.

Um homem já velho arredou os pés e saiu dizendo baixo:

--- Eu vou sair daqui antes que digam que fui eu! – resmungava o homem sentado no banco a frente.

O trocador veio depressa para ver o que sucedera. Vendo a moça desmaiada, avisou ao motorneiro e esse disse não haver nenhum hospital pelas redondezas. O Bonde trafegava péla Rua de Liberdade um lugar ainda sem calçamento e com casas de um lado e do outro. Casas pequenas de gente humilde. O trocador voltou depressa para a cadeira onde estava a moça e esfregou os seus pulsos. Não havia resposta. Álcool também não havia em qualquer local do Bonde, pois o homem perguntou ao motorneiro:

--- Tem álcool ai? – perguntou o trocador.

--- Não senhor. Tem um enfermeiro logo adiante. A moça pode ser levada até ele. Eu vou parar o Bonde. Um instante. Ele mora na casa vizinha a da esquina. – respondeu o motorneiro.

O povo se juntou para levar a moça que continuava desmaiada, com uma cor horrível. A falta de sangue lhe dava esse temor. Com poucos instantes o Bonde parou e os que estavam no Bonde levaram a moça segurando pelas pernas e pelos ombros até a casa do enfermeiro. Para segurar Adélia, precisava não mais de quatro homens. As mulheres ficaram no transporte comentado umas para as outras:

--- Ai meu Deus! O que vai ser da família da moça? – indagou uma mulher escorada no Bonde que continuava parado.

--- Ela morreu mesmo? – perguntou outra mulher a quem estava comentando.

--- Não sei! Não sei! Parece!. Os homens foram para a casa do enfermeiro. – respondeu a mulher.

--- Morreu nada! Foi só um chilique! – disse por sua vez o homem velho.

Nesse ponto, os homens com Adélia bateram a porta do enfermeiro de nome Miguel e não demorou muito para que fossem atendidos, pois o enfermeiro estava já atendendo outro paciente acometido de asma brônquica. Quem atendeu os homens que conduziam Adélia foi o seu auxiliar. Havia oito homens na porta, porém quatro seguravam a moça. Foi só abrir a porta e a turma entro cabeça adentro do consultório fazendo o maior alarde.

--- Socorro. Acudam. A moça teve um desmaio no Bonde! – dizia um deles apavorado.

Nesse momento, o rapaz do jornal que ajudava a levar Adélia colocou-a em uma maca própria para atender doentes e, com a ajuda de outros dois, pediram ao enfermeiro Miguel que cuidasse a jovem, pois a moça estava sem sentidos. O enfermeiro deixou o outro paciente aos cuidados do seu auxiliar e veio de imediato ver o novo problema.

--- Desmaio! – falou o enfermeiro.

--- É só desmaio mesmo? – perguntou o rapaz do jornal ao enfermeiro.

--- Ela acorda já. – comentou o enfermeiro retirando um frasco do bolso e passando de modo rápido nas narinas de Adélia.

Foi tiro e queda. A moça recobrou os sentidos e o enfermeiro mandou que os passageiros aguardassem fora, pois agora o assunto era com ele. Adélia recobrou os sentidos e, mesmo assim, o enfermeiro fez uma aplicação de soro na veia para poder dar segurança ao feito. Um tubo suspenso foi colocado junto à moça e o enfermeiro procurou a veia para colocar a seringa de injeção. Adélia era toda zonza. Somente fazia uma lamentação.

--- Tenha calma. Respire fundo. Vamos restabelecer a sua vida. – respondeu Miguel enfermeiro

O enfermeiro Miguel mediu a sua pressão e a temperatura. Depois de alguns minutos, ele voltou à sala e perguntou se alguém conhecia a moça. O rapaz do velho jornal foi o único a responder.

--- Não senhor. Porem ela deve morar para os lados de Belém. Ela estava calada. Não disse nada a ninguém. Nem para onde seguia. – falou o rapaz.

--- Ah bom. Ela está no soro. Depois eu creio que ela deve ir para a sua casa. Não tem nada na barriga. Talvez ela não tenha tomado nem café ainda hoje. Quem pode responder pela moça? – perguntou Miguel enfermeiro

Todos se entreolharam e ninguém não disse nada. Por fim, o rapaz do jornal se prontificou em fazer o que era possível.

--- Eu fico a moça! – respondeu o rapaz.

--- Ainda bem. Seu nome? É só para anotar na ficha! – falou Miguel enfermeiro.

--- Honório. Eu chamo Honório. – respondeu o rapaz.

--- Tem um carro aqui ao lado que pode conduzir a moça para a sua casa. Ela não deve trabalhar, hoje. Se você quiser, é só falar com o motorista. – relatou Miguel.

--- Está bem. Mas quantas horas ela vai ficar tomando soro? – perguntou Honório.

--- Uma hora. Não mais que isso. E saiba que ela deve ir ao médico. – respondeu Miguel.

--- Está bem. Eu digo a ela. E por acaso ela vai ficar curada? – indagou Honório.

--- Vai. Vai. Foi apenas uma síncope. – respondeu o enfermeiro a sorrir.

--- É danado! E onde é que essa moça mora? – perguntou inquieto o rapaz.

--- Ela dirá, com certeza. – sorriu o enfermeiro.

Passaram-se os minutos e nesse espaço de tempo o soro já havia acabado. O enfermeiro fez algumas perguntas a Adélia, como por exemplo, o seu nome, estado civil, onde morava, data de nascimento e coisas simples. A moça estava meio abatida e quase nada respondeu. E se respondeu foi de forma muito lenta. O enfermeiro perguntou se a moça poderia andar. E ela disse com a cara de choro:

--- Vou ver. – e se levantou da maca bem devagar.

Então, apoiando-se nos pés, segurando a maca com a mão, Adélia ainda sentiu a cabeça rodar para depois de alguns instantes ela indagar ao enfermeiro.

--- Será que posso? – chorou a moça.

--- Pode. Pode. Vá com jeito. Sente-se naquela cadeira ao lado do rapaz. – respondeu Miguel.

Inquieta, Adélia perguntou ao homem onde era que estava um tanto chorosa.

--- Na enfermaria de Miguel. – respondeu o homem a sorrir.

--- Enfermaria? – indagou sobressaltada Adélia.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

DANÇA DAS ONDAS - 1 -

Kathryn Grayson

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Adélia chegou ao trabalho precisamente às oito horas da manhã, onde alguns laboriosos já estavam desde as sete horas no serviço diário. Para alguns, o trabalho começava às sete horas. Para outros, o expediente era um pouco depois. Entre esses funcionários, estava Adélia, moça franzina, alva de cor, cabelos encaracolados chegando até aos ombros, sorridente para todos brincalhona para alguns, atenciosa para quem pedisse algo que lhe estava a faltar no seu birô de trabalho. Essa era Adélia, quase todos os dias, pois não havia expediente na repartição apenas aos domingos, dias santos e feriados. No período noturno, Adélia juntava seus livros e caminhava para a aula em um colégio da Cidade. Antes de partir, costumava dar o seu adeus a cada um com um alegre tchau como era costume fazer. Isso, após um dia inteiro de trabalho onde, para muitos dos seus colegas era tão pouco ainda. Porém, para todos Adélia de imediato chegava com o que pedisse: caneta, papel, fotos, releases, entre outras coisas, como telefone a chamar para algum lugar. Assim, a jovem moça estava a trabalhar em seu primeiro emprego. Para todos os que no escritório trabalhavam a moça era a primeira entre todas as moças a ser cumprimentada.

--- Olá Adélia! –

--- Como vai Adélia? –

--- Algo de novo Adélia? –

--- Bom dia Adélia! –

Era assim que todos a cumprimentavam. Prontamente, ela então respondia. No Gabinete do Diretor ou da Presidência era a mesma chamada para quando Adélia caminhava ao local. E então, a moça fazia o percurso de ida e de volta. Acostumada ela estava, pois de onde vinha, era comum se oferecer ajuda a alguém. Adélia morava no bairro de Belém e trabalhava no Bairro Alto onde o comercio pululava noite e dia. De dia era o comercio convencional. À noite era o comercio da prostituição. Para Adélia era um temor trabalhar em um escritório que fechasse suas portas além das seis horas da tarde. A Rua do Carmo era a principal do comércio, bares, restaurantes e encosto dos ébrios os quais por ali bebiam e adormeciam. Noites vagas translúcidas e serenas. Nas tardes de frio de inferno onde o ameno resedá floreava, Adélia se cobria com o seu véu de labirinto de cores brancas e passava ligeira por entre os transeuntes que deixavam também seus gabinetes de trabalho ou os seus enormes balcões de despachar consumidores até mesmo de última hora.

Na hora em que largava do trabalho, deu-se o mesmo o que havia ocorrido quando Adélia chegou completamente molhada pelo aguaceiro que caía na cidade devido a um imenso temporal. Aliás, na boca da noite, a situação foi mais grave ainda. Com o dia se acalmando, até o sol surgindo, para Adélia aquele era um dia plenamente normal depois do banho que ela levou na parte da manhã. Porém, não foi assim. Às seis horas da tarde, o bairro Alto já estava alagado por uma tempestade de verão. Os veículos eram cobertos pelas águas que chegavam a medir dois metros de altura, afetando tudo que encontrava pelo caminho. Casas naufragadas no seu primeiro solo ou solo térreo. Bombeiros tiravam as pessoas por botes ou helicópteros. Alguns chegavam a atravessar o aguaceiro fazendo uma corda humana; um na frente e outro atrás e assim por diante até chegar a um canto onde desse para passar. A mulher gritava por socorro, pois a filha estava sendo arrastada pela caudalosa enxurrada. Ela temia pela vida de sua filha:

--- SOCORRO! ACUDAM-SE! A MINHA FILHA!!! – gritava ao desespero a mulher enquanto a correnteza levava a filhinha, mergulhando a cada ponto do caminho das águas em correnteza. O homem caiu na água e nadou até conseguir pegar a menina. Levantou-a acima da cabeça e gritou para a sua mãe e aos que estava na fila de gente fazendo a corrente para puxar o desesperado homem:

--- Peguei. Está aqui! – gritava o homem, nu da cintura para cima.

A mulher vibrou de contentamento e ao desespero com um pouco de tempo tomou a filha nos braços sempre a chorar. E tudo isso Adélia via em pânico, ao desespero. Notava-se que a moça estava bem agasalhada, com uma capa por cima do vestido e galochas que lhe cobriam até o meio da canela. No entanto, o frio fazia desespero com todo o efeito possível. Três prostitutas se encostaram ao balcão do restaurante grã-fino onde qualquer um se abrigava e disseram;

--- Hoje não dá nem para o café. – disse uma a sorrir tiritando de frio.

--- É o que você pensa! Hoje estão como loucos! – falou a outra em amplas gargalhadas.

Diante de tais comentários, Adélia se afastou para outro local do restaurante e fez uma cara de quem não aprovava tal atitude das damas. E essas sorriam para qualquer um que ainda assim passava por perto apesar de saber não ser aquele o local de preferência das damas. Em um tempo, uma dama perguntou ao garçom se podia servir uma dose de uísque para acalmar os ânimos. O garçom, tipicamente homossexual, olhou a dama e levantou a cabeça, dando rabisca e saindo do local sem dizer coisa alguma. Com certeza, desta forma estava dita que não podia servir doses as mulheres desacompanhadas, principalmente as damas da noite. Com isso, as três damas gargalharam ainda mais. Do lado de fora o frio e a chuva caindo sem cessar enfeitava a paisagem langorosa na qual o tempo se fazia presente.

Duas horas de espera para o tempo melhorar. Já não chovia mais. As águas turbulentas se iam escoando rua a fora até chegar do rio do Algodão e daí levadas para o mar. Adélia já não estava mais no restaurante. Ela, então, foi para o ponto do bonde. Com a agitação das águas baixando no seu topo, o bonde voltava a circular, pois era garantida a passagem do transporte coletivo. Nesse espaço de tempo, eram oito horas da noite ou coisa assim. Os garçons com as suas calças levantadas até o joelho ajeitavam os salões colocando mesas e cadeiras nos seus devidos lugares. O temor que atrapalhou a moça cedia lugar ao tremor do frio inquietante. As damas da noite voltavam a circular cheia de viço. Era a troca do serviço diurno em igual pelo noturno. Quando o Bonde chegou ao seu ponto de parada, gente molhada, conseqüência do aguaceiro, Adélia embarcou, temendo por ao chão um pacote contendo pães que o homem levava para alguém de sua casa, com certeza. Quase cheio, o Bonde largou até a parada da linha mais a frente onde embarcaria mais gente encharcada. Era assim que chegava ao fim aquele dia de horror para todos os que trabalhavam no Bairro Alto da Cidade que de Alto somente tinha o nome, pois ficava na parte baixa do Comércio onde a vida fervilhava então durante noite e dia. No local onde Adélia morava, o Bairro de Belém, a situação não parecia tão normal assim. Faltava luz elétrica no local, com as luminárias das ruas às escuras e com certeza das casas também, pois um curto circuito deixou tudo embaciado. Depois de uma hora de viagem para Adélia, o Bonde que trafegava aos trancos e barrancos já nem podia seguir viagem, pois a falta de energia afetara igualmente, toda a linha de energização. O transporte teve parar muito antes até onde havia força, pois no local do fim ou quase fim do limite já não podia mais chegar. Os poucos ocupantes do transporte saíram a pé, subindo morros de areia e de lama até atingir o Bairro do Belém, onde tudo era escuridão. Para poder chegar a sua moradia a moça teve que enfrentar altos e baixos caminhando por uma fila indiana de gente que prosseguia até as suas residências. De hora para outra ela olhava para o céu certificando-se de que não havia mais perigo de chuva. Com a falta de energia urbana, se podia ver um céu coberto de nuvens apostando que estaria por vir mais aguaceiro a qualquer instante.

A moça, depois de muito sacrifício, andando por cercas, dependurando-se nos velhos arames, encostada nas ramas até mesmo de urtigas cuja comichão era de matar qualquer um, chegou finalmente, após de atravessar com os pés no chão um verdadeiro lamaçal, a sua casa onde homens, meninos, velhos e outros mais retiravam a lama de dentro do domicílio.

--- Que tempo!. – dizia Adélia por o mal tempo que passou.

Dizia isso e tiritava de frio como uma anciã. A moça estava encharcada até a medula. E não parava de tremer. Para o desassossego dos que estavam na faina, ela agarrou de uma vassoura e ajudou a tirar a lama de dentro de sua casa. Eram mais de nove horas da noite. Todos na rua estavam fazendo o mesmo. Eram baldes de encher de água a tirar a lama coalhada. Meninos, até pequenos, faziam o mesmo serviço. E Adélia, com o cansaço e tudo, também ajudou a tirar a lama coisa durante até as primeiras horas da madrugada. O roncar de um trovão deixava os moradores em pânico. Via-se o lampejo de um relâmpago caído longe. Muito embora tal aviso inquietasse os moradores com a mais torrente chuva certamente por vir. E a luta continuou a noite inteira e pela manhã do dia seguinte, sem cessar. Alguns moradores, já pela manhã, dormiam em cima de colchões improvisados. Eles não agüentaram o acabado sono. Outros continuavam a trabalhar de forma incansável.

E nesse dia, mesmo deixando suja a sua moradia, tarefa de limpar as suas irmãs, pai e mãe, Adélia seguiu mesmo febril e com um longo sono por não ter dormido, para o seu ingrato trabalho. O sol brilhava forte e não havia sinal de nova tempestade tropical. No passar do caminho, uma família lamentava a morte de um rapaz. Ele consertava um bico de lâmpada quando, sem esperar, o fornecimento de luz foi restabelecido pela madrugada. O choque foi tamanho, que o rapaz não se desgarrou do fio de energia. Então, morreu na hora.

--- Virgem Maria! Como é que pode? – comentou Adélia.

--- Morreu mesmo. De uma vez só. E não morreu a mãe porque nós seguramos à velha. – comentou um rapaz talvez da própria casa do falecido.

Adélia se benzeu, demorou um pouco para ver se conhecia a vítima e depois partiu para o seu trabalho logo cedo da manhã.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

MEIAS DE SEDA - 55 -

Marilyn Monroe
- MEIAS DE SEDA -
- 55 -
Em um dia qualquer daquele mês, dona Chiquita, a mãe de Jubal, aproveitou a visita de sua filha Carmen para seguir de mudança para a sua casa onde nada lhe perturbava, nem mesmo os rapazes. Para ambos, Chiquita era a avó querida. E voltar para viver com eles era o máximo que podia acontecer. No seu caminhar para a casa de Carmen, a anciã reclamava horrores com o que estava sendo feito com a nova “hospede” que chegara ao seu ambiente. Para Chiquita, a anciã Helena não valia nem um cruzado, modo de se dizer quando alguém ou alguma coisa não prestava para coisa alguma. No caminhar de carro de aluguel, Chiquita era todo o tempo a dizer tais argumentos. Que Jubal casou com uma mulher por se parecer com a sua antepassada; que ele fazia o que ela queria; que ele não mandava em nada; que a chácara de Mangabeira era outra coisa comprada só para satisfazer a vaidade de Natália; que ele já falava em viajar pelo Brasil e outros desmandos cujo hábito toda mulher começava a falar:

--- Vá ver que ela já está buchuda! – disse a anciã ao pé do ouvido de Carmen.

--- Ô mãe. A senhora também está demais. – respondeu sorrindo a filha.

--- É ruim, a velha! Ainda por cima colocaram no meu quarto para ela dormir! E fica todo o tempo: Isso é rosário? Estais rezando? Quantas contas têm um terço? Run! Que velha mais chata! Eu viro as costas e faço que estou a dormir! Vá pra China! Velha chata! – arrebatou a mulher descompondo a mulher Helena.

Essa foi demais para Carmen que quase morre do sorrir. Por mais que quisesse se recompuser, Carmen não podia fazer coisa alguma sempre a sorrir. A sua mãe estava naqueles dias de ira. Sentia-se tomada do seu canto por uma estranha qualquer. Nem se importava se era mãe de quem ou de quem. Chiquita estava resoluta de não mais voltar para a sua casa e ficar a morar com sua filha queria. Quando falava em Helena, a mulher dizia sempre a mesma coisa:

--- Ela devia está com uma lavagem de roupa! Nem para isso ela presta! – articulou a anciã Chiquita com relação à dona Helena.

Nesse ponto Carmen não se agüentou mais. Estirou suas pernas no interior do carro de praça a sorrir desvairadamente.

O homem do realejo passava pouco antes das onze horas em frente à praça publica do Alecrim a anunciar o Jornal da Cidade que àquela hora estava em sua segunda edição. Morrera o presidente da Republica pela manhã e aquele era o assunto primordial do dia. Todos procuravam saber do fato, mesmo aqueles incrédulos costumados a falar:

--- Já morreu tarde. – diziam os incrédulos de forma arrogante.

--- Ele já devia ter feito isso antes. – respondia outro.

--- Ele morreu mesmo? – era o que se ouvia dizer de uma mulher desatenta.

--- Ai meu Deus. Meu pai morreu. – argumentava mais um que acreditava ser verdade.

O assunto tomou conta da cidade, dos Estados, do Brasil e do Mundo: MORREU O PRESIDENTE DO BRASIL; BRASIL DE LUTO; MORRE O PRESIDENTE. Entre outras manchetes espetaculares. Rádios eram ligados para se ouvir a última noticia. Prantos pelas alamedas. Gente triste, acabrunhada só dia:

--- Como é que pode? O homem estava bom ainda ontem. E hoje morreu! – contestava o mais desconhecido dos homens. E as mulheres, em suas casas, ao pé do rádio, eram só lamento. Preces efusivas eram o que se ouvia. Missas em solene prece aos mortos eram a todos os instantes ouvidos na Igreja Catedral. As Igrejas católicas da cidade se encheram de fieis a rezar contrito o pesar pela morte do Presidente. Choros e prantos, lágrimas derramadas em luto ao abençoado morto. Um drama sem par envolveu o país a só instante e na cidade, o velho do realejo não parava de tocar anunciando o Jornal da Cidade. Para todos os que ouviam era o sinal do realejo, mesmo nos bairros mais afastados, o acorde lamentável da dor compungida. As portas das casas eram fechadas em sinal de luto e de dor aflita. As bodegas abriram apenas somente uma banda de porta para atender aos mais carentes, principalmente a procura de velas. Quanta imensurável dor era sentida pela morte do pai dos pobres. Enfim, era tudo de uma tristeza imensa para cada um dos brasileiros a morte do seu Presidente. Em qualquer local era a tristeza imensa e o deserto em cada um dos sentidos operários no frio agudo daquele mês. O herói nacional teve sua vida ceifada por forças superiores à sua luta popular.

Quando chegou à residência de sua filha, na Tração, dona Chiquita ainda não sabia do ocorrido. Apenas viu as casas com suas portas fechadas. Contudo, não deu muita importância como dizendo:

--- O povo saiu? – disse a anciã verificando casas vizinhas.

--- Não, mãe. O Presidente morreu! – respondeu Carmen com lágrimas nos olhos.

--- E porque estás chorando? – indagou a anciã a sua filha.

--- Por nada, mãe. Por nada. – contrapôs Carmen a sua mãe.

--- Nem na morte do teu pai tu choravas tanto! E agora? – indagou a mulher a sua filha

--- Foi o Presidente que se matou. Eu ouvi o homem do realejo. – respondeu Carmen.

--- Virgem! E ele já sabe disso? – perguntou a anciã.

--- Sabe mãe. Sabe. Todo mundo já sabe. – chorou a jovem mulher falando de forma paciente.

--- Um grande presidente. – retrucou o motorista do carro de aluguel.

A mulher Natália quando retornou a sua nova casa, vindo da Escola, encontrou muita algazarra e lamento. A mais compungida era Olinda, a do meio, cujo pranto não cabia para si. Ao perguntar o que houve, Natália ouviu um triste lamento:

--- Minha avó foi embora outra vez. – respondeu a moça com a voz chorosa.

--- Outra vez? Mas ela há de voltar. Foi passar uns dias fora. Só isso. – respondeu Natália tranqüilizando a mocinha.

--- Não volta não. Ela disse que não voltava mais. – respondeu Olinda para Natália.

--- Bem. Vamos ver. Tudo se ajeita. Hoje não houve aula. Já no fim da aula a mestra suspendeu e mandou todos para casa. Morreu o Presidente. – explicou Natália.

--- Eu vou ligar o radio para ouvir. – respondeu Olinda desesperada.

--- E os outros dois? – perguntou Natália a Olinda.

--- Oceanira? Lá dentro. Otávio, no quarto dele. Tua mãe está deitada. – respondeu Olinda enquanto sintonizava o rádio.

Natália foi até a cozinha onde cumprimentou dona Eunice, avó de José do sítio de feno e viu de perto a moça Oceanira que estava com lágrimas nos olhos. A mulher entendeu o que se passava e disse apenas:

--- Sossegue. Tranqüila! Tudo se ajeita! – recomendou Natália.

A moça nada respondeu. Apenas enxugou as lágrimas caídas em sua face. Ainda olhou de repente para o quarto de sua avó Chiquita e lembrou que ali estava a Helena, mãe de Natália. Com certeza estava a dormir, pois o ressonar que ouvira há pouco tempo dizia que a mulher estaria a dormir. Com o passar do tempo, Oceanira já acostumara com a anciã depois das festivas boas vindas do primeiro dia. A mulher quase em nada falava a não ser quando Oceanira perguntava algo. A anciã tinha um olhar sombrio mas, tinha vez que a sua aparência era da filha Nora ou mesmo de Natalia. Mulher forte para a sua idade, de pouca estatura como deveria ter sido Nora e a exemplo, Natália, mãos suaves, pés delicados e de cor alva. Após passar alguns dias Oceanira lhe perguntou sobre sua mãe, e a mulher respondeu:

--- Ela viveu muito tempo no interior. – dizia Helena com a cabeça abaixada.

--- Mas em que cidade? – perguntou a moça.

--- Não sei. Só me lembro da feira que ela fazia toda semana. – respondia Helena levantando a cabeça e depois baixando de novo.

--- A senhora era pequena? – perguntou a sua neta, pois a mulher dizia ser mãe legítima de Nora, a primeira esposa de Jubal.

--- Era. Meu pai, esse nem me lembro quem foi. Tinha muito homem na casa onde nós morávamos. E minha mãe ficava com um e com outro. – falou Helena a sorrir.

--- Sei. Sei. Mas, me diga se a senhora se lembra de quando é que teve a minha mãe Nora? – perguntou de modo simples a neta de dona Helena.

--- Lembro. Foi no ano de 1915. Eu tive as duas filhas no ano de 15. Era bem moça ainda. E nesse tempo quem podia criar seus filhos era somente gente rica. Assim, uma mulher ficou com Nora e outra ficou com Natália. Isso eu me lembro. Agora quem foi que ficou com cada uma de minhas filhas eu não posso dizer. Eram as duas mulheres de maiores posses que eu, que não tinha nada na vida. – salientou Helena.

--- Quer dizer que a minha casou quando? – indagou Oceanira querendo saber ao certo

--- Nesse tempo eu não estava mais com as meninas. Quer dizer: eu nunca estive a não ser por uns tempos que fiquei na casa de Natália como lavadeira. Porém eu nada dizia a ela ou seus pais. – respondeu Helena olhando para Oceanira.

--- Minha mãe casou quando tinha 20 anos. Isso foi em 1935. Ela perdeu o primeiro filho, teve o segundo que fui eu, passou até 1940 quando veio a Olinda; depois perdeu duas barrigas e, por fim, teve o menor, Otávio. Então, no parto, ela não resistiu e morreu. Essa é a nossa história. – proclamou Oceanira desapontada com a morte de sua mãe para que fora uma excelente progenitora.

--- Eu não sei se ela teve sorte ou não. Eu acho que não, pois veio a morrer de parto. Agora, no seu tempo, ela teve mais sorte com a mãe adotiva. Ela jamais soube de alguma coisa, penso eu. – falou Helena desapontada.

--- E seu trabalho na casa de Natália foi para que? – perguntou Oceanira curiosa.

--- Foi para ver a minha filha. Não lhe dizia quem eu era. Mas estava com ela por um breve período. Depois eu fui embora. Voltei algumas vezes. Mas, ela já estava crescendo e eu vi que não precisava dizer a ela quem eu era. – articulou Helena.

--- Mas a senhora sofreu bastante. – falou Oceanira querendo cativar a sua avó.

--- Sofri muito. A gente tem um filho. Dá esse filho a alguém. E depois tem que voltar e não pode dizer que é a sua mãe – falou a mulher chorando.

--- Não precisa chorar. Agora a senhora está junto a ela e na casa que foi de sua irmã. Eu sou parecida com minha mãe. Então a senhora tem agora aqui duas filhas. Não gêmeas. Mas pode considerar a minha gratidão como de uma também filha que não é gêmea, porém que se torna gêmea. – respondeu Oceanira abraçado a anciã.

Nesse instante, a mulher colou a sua face nos seis de Oceanira dizendo que aquilo era tudo o que gostaria de ter. Podia até morrer. Mas já conseguira encontra a sua filha amada.

O tempo passou, o dia chegara ao fim e Helena adormecera em seu leito.

No mês de janeiro de 1955, Jubal programou uma viagem levando consigo a esposa, Natália, a filha adotiva de Natália de nome Mirna, os filhos de Jubal, que eram; Otavio, Olinda e Oceanira. Todo esse pessoal e mais a bagagem de cada um. Ele pretendia passar as férias do mês em um local aprazível, em outro Estado. A viagem foi feita com êxito. Natalia recomendou a sua mãe muito sossego em companhia de Eunice, a empregada doméstica, e do seu filho José, jovem que tomava conta dos sítios na margem da rede ferroviária e da chácara de Mangabeira. Eles partiram logo cedo, pois eram quatro horas quando o carro de praça estacionou em frente a residência dos Valadares Guimarães. Tão logo chegou, o motorista tratou de arrumar as malas no bagageiro e dentro da mala do carro com a maior pressa possível. Jubal, Natália, Mirna e Oceanira também estavam no local para ajudar. Em poucos minutos o carro saiu com seis passageiros, uma exorbitância para o veiculo, pois o automóvel somente levaria quatro passageiros. Para acomodar toda agente, o menino, Otávio foi ao colo de sua irmã Oceanira e a menina Olinda, mesmo com seus quinze anos, foi sentada no colo de Natalia. A viagem era curta. Em um instante o veiculo chegou a Estação Ferroviária, onde a família Valadares embarcaria no trem das cinco e meia. Do momento até o trem chegar à estação de embarque, foi tempo. A fila de gente se formou no meio do salão com suas bagagens. Gente que viajaria nos carros de segunda categoria. Gente que seguia viagem nos de primeira classe. Crianças chorando, outras perguntando:

--- Minha boneca, mãe? – perguntava uma menina.

--- Você deixou em cima da cama, - dizia a mãe da menina.

E tome choro para quem suportar. Enfim, o embarque. O trem chegou meia hora antes para arrumar o pessoal. Jubal já estava com as passagens na mão. Eram seis ao todo. No carro de segunda categoria, o povo se arrumava de qualquer jeito. Enquanto os vagões de primeira, as cadeiras eram alcochoadas. Tinha um porem: o gabinete sanitário era daqueles que se olhar, era para ver o chão embaixo. Só era usado quando o trem estava trafegando. Quando o relógio da estação marcava cinco e meia, o trem apitou três vezes. Então começou o sufoco da meninada. Uma algazarra e tanto. O trem fazendo fumaça e sacudindo para trás. Era lenha queimando e brasa soltando para baixo da composição. Entre uma coisa e outra, advertência de Natália:

--- Olha quem está atrás, do outro lado! – advertiu Natália em bons modos.

Jubal olhou para trás e viu duas freira e uma noviça. A noviça pelo que pode ver, era Salésia que seguia para o Convento em outro Estado.

--- É Salésia! – disse o homem espantado.

--- Fale com ela. Não seja mal educado. – respondeu Natália sorrindo.

--- E eu posso? – indagou Jubal espantadíssimo.

--- Fale com a Madre que ela consente. – respondeu Natália com suavidade.

Jubal se levantou quando o trem dava os primeiros solavancos. Ele procurou se aprumar e chegou até a Madre. Então perguntou se podia falar com a noviça. A Madre da frente com quem Jubal falava falou para a Madre de detrás. E essa ouviu a noviça ao dizer que o homem queria cumprimentá-la. A noviça fez que sim, era amigo da família, mas não descruzou em momento algum os braços postos um dentro do outro pelo ábito. Finalmente ele pode corresponder com a noviça, pois estava em viagem de férias com a sua família. E ainda estava até com Oceanira, amiga da noviça Salésia. Ela fez que sim, porém não sorriu, olhando apenas para a sua Madre acompanhante.

--- Boa viagem para as três irmãs. – falou Jubal acanhado com a recepção negativa.

O trem seguiu carreira estrada a fora, comendo lenha, soltando brasa, apitando antes de cada curva. O Chefe do Trem, homem jovem, todo fardado e de quepe vinha pelo corredor picotando as passagens dos passageiros, como era de praxe.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

MEIAS DE SEDA - 54 -

Liz Taylor
- MEIAS DE SEDA -
- 54 -
Naquela tarde de outono, céu nublado, vento frio, pessoal indiferente e solitário a caminhar pelas ruas, Natália chegou à Catedral Metropolitana, caiu de joelhos ao chão e procurou um deserto banco de madeira onde se pos a rezar contrita em sua alma, talvez pelo casamento que realizou com Jubal ou pelas pessoas tão pecadoras as quais viviam nos solares da prostituição. Foi um tempo perpétuo de reconciliação consigo mesma àquela hora tardia onde Natália somente falava com Deus, seu criador. Ela pedia não se sabe por quem, mas pedia de amplo coração pelos enfermos d’alma e da carne. No véu que lhe cobria total a cabeça e descia pelos ombros vestidos de um negro brilhante ela fazia suas sublimes homilias pelos desprovidos de espírito cujo momento era o total desconhecer do Senhor. A oração, para Natália, era momento de reflexão no dia que estava por terminar e anseios para tempos melhores no futuro de cada qual. O incondicional silêncio brotado pela sublime homilia era de absoluto e total desprendimento d’alma. No integral momento de breve contemplação divina com seu Pai querido e amado a senhora postou-se aos pés da cruz onde permanecia Nosso Senhor e se persignou para poder sair após meia hora de rezas e promessas. No momento de contrição ela bem sabia do poder da culminante oração pelos mágicos e soturnos momentos do infindo.


Ao sair da Catedral ela percorreu caminhos costumeiramente feitos pelo seu caminhar de eternos dias. E foi nesse passear, ao abandonar o velho de vistoso Templo religioso que Natália de imediato encontrou a praça por onde a mulher deveria caminhar pelas calçadas bem ornadas e cheias de encantos. Aquele passeio público era o destino de todos que por ali passavam: de bêbados a prostitutas a mulheres de conceito e cidadãos de distinção. Era por ali onde Natália pretendia fazer a sua eterna volta ao domicílio materno e paterno, por assim dizer. Não fora a eventualidade, ela despertou de imediato para a enigmática visão que lhe acudia. Quase que a dormir ou a dormir com certeza, uma anciã sentada em um mero banco de jardim, cabeça curvada para um corpo tenro estava ali à mulher de uns dias atrás. A surpresa impressionou Natália de modo irreparável. Por instantes a enxergara no dia já passado. Porém era fato que não a esquecera pelo seu modo de ser e de vestir. E então, Natália meditou bastante na eventualidade de falar ou de desaparecer correndo, temendo com ligeiro temor de rever a anciã. Por fim, tomou a sua decisão: enfrentaria a anciã ou uma megera.

Em seguida, Natália sentou-se no banco de mármore da praça ao lado da anciã. De inicio nada conversou. Na esquina da rua que passava ao lado da Catedral havia uma oficina de jornal. O pessoal daquele jornal era em uma luta constante, com certeza para por o jornal do dia seguinte em circulação. Havia várias máquinas linotipo onde homens batiam matérias. Em birôs, uns homens magros e gordos elaboravam o que havia para ser feito. Com tudo isso, Natalia olhou sem prestar atenção. Havia uma casa do lado direto de que chegava ao Templo por detrás da igreja onde morava um pessoal de grande poder econômico; era a família Saraiva. Ela já ouvira falar em tal família. Um pessoal que gozava de prestigio junto ao pároco da Catedral. A família tinha uma cadeira na Igreja cujo nome era o dela.

--- Gente rica. - pensou Natália olhando a casa da família.

A anciã continuava com a cabeça abaixada com o queixo colado ao seu peito. Parecia dormir. Ou fazia de conta que dormia. Natália não quis incomodá-la. Ela deixava a mulher como estava a fazer ao passar da hora. Um bonde vinha pelo trecho que dava somente para passar o bondinho, entrando na artéria passando por detrás da Igreja e indo parar em frente a um prédio onde funcionava uma escola de comercio. Natália olhou para o bonde que passava com gente vinda do bairro da Ribeira.

--- Negócios. – pensou Natália consigo mesma.

Nesse momento, a anciã olhou de viés para as pernas de Natália como para de certificar que ali havia gente. Não levantou o olhar. Apenas olhou as pernas e depois retornou ao seu sono, aquietando-se como estava. Natália observou a mulher e fez de conta que a acordara e cumprimentou a anciã como devia fazer. Ao largo, passavam homens de negócios, plebeus e miseráveis pedindo esmolas a quem passava. No banco que havia do outro lado da praça, bem por trás de onde estava Natália e a anciã, um ébrio dormia seu sono, deitado ao leu. A anciã se voltou para Natália desta vez olhando no rosto e, com terrível temor, fez olhar fixo enquanto Natália sorria para a anciã. A mulher voltou o rosto para outro lado e deu de costas atemorizada como para não responder coisa alguma.

--- Boa tarde, senhora! – disse Natalia com um riso na face.

E a mulher não respondeu. Fora como se estivesse alarmada e nada queria saber ou falar. A anciã reconhecera a mulher de frente da Igreja dias antes. Aquilo era para a anciã uma verdadeira assombração. Então, a anciã fez modos de sair. Natalia a conteve dizendo:

--- Não se incomode. Eu já vou sair. Pode ficar. Durma. Não é meu desejo tirar seu sono. – falou Natália de um jeito afetivo.

Então, a mulher se voltou e disse:

--- Você é ela. É ela que voltou! – falou a anciã temerosa.

--- Ela quem, senhora? Eu sou eu mesma. Não temas. – respondeu Natália com um sorriso na face.

A mulher se voltou para Natália olhando bem no fundo dos seus olhos querendo falar alguma coisa. Ela olhou e calou. O tempo passou. A anciã disse apenas isso:

--- Se não é ela, tens a cara da que morreu. – falou a anciã com temor.

--- Eu tenho? De quem? – quis saber Natália curiosa.

--- Da menina Nora. – falou a anciã com cuidado.

--- Eu pareço com essa menina? – perguntou Natália aparentemente sorrindo.

--- Você é ela. É a cara dela! É ela que voltou! – respondeu a anciã com bastante temor.

--- De quem, senhora? – perguntou Natália com certa precaução.

--- Minha filha! – discorreu a velha em tom de alarme.

--- Sua filha? – duvidou Natalia ao indagar.

--- Sim. Eu tive duas filhas. Não podia criá-las. Era jovem, quase menina, então eu doei para duas pessoas. Elas criaram Nora e Natália. Por isso eu digo que você é a sua irmã. – falou a anciã atordoada.

--- Nossa! Mas logo eu? Como é possível. Nora era a amiga que eu tinha. Casou ainda nova. Eu estive no seu casamento. Mas, juro à senhora que nunca soube dessa verdade. Apenas uma vez, uma mulher perguntou a minha mãe se eu era a filha que ela criava. Minha mãe me puxou pelo braço e nada respondeu a sua amiga. – discorreu Natalia chorando.

--- Pois eu sou a Helena que teve você e a sua irmã, Nora. – respondeu a mulher.

--- A senhora está brincando comigo. Helena era uma mulher que lavava roupa na minha casa. Eu a conheci por demais. Porém eu era ainda muito pequena. Hoje, por sua idade de cerca de sessenta anos, a senhora se modificou bastante. – respondeu soluçando a senhora Natália.

--- É isso minha filha. Mudei para velha. Hoje, as pessoas só me chamam de “velha”. Eu não tenho significado algum. Durmo nas calçadas. Ali, acolá. Alimento-me do que me oferecem. – chorou a mulher desamparada e atordoada.

--- Ô mãezinha. Venha para o meu lado. Vamos morar juntas. – clamou Natália.

E a mulher de pouco mais de sessenta anos, acolheu a filha que um dia doou.

A mudança brusca na vida de Natália aconteceu sem mesmo a mulher querer. Uma anciã de apenas sessenta anos era mais idosa que uma de setenta ou mesmo oitenta anos. Natália não sabia o porquê daquela idade tão decaída de anciã ainda jovem, pois seus sessenta anos eram para ser uma mulher vigorosa igual a tantas outras existentes no seu tempo. Mesmo assim estava Natália a ver uma pobre mulher insatisfeita com sua própria existência a dormir pelas calçadas de uma cidade. Talvez ali estivesse um pobre e enigmático espectro de mulher.

Ao chegar a casa Natália trazia além de sua mãe, roupas feitas. Eram vestidos, saias, sapatos e demais vestiários para uma mulher de certa idade. Ela entrou na casa acompanhada com a sua mãe, Helena, e chamou a todos para que vissem a mulher que concebera os filhos e para conhecer a sua verdadeira mãe. Todos estavam presentes, com exceção de Jubal que ainda não tinha voltado do seu trabalho. A mãe de Jubal foi a única a olhar do quarto onde estava. Ao que parece, a mulher teria dito:

--- Estranho! – pronunciou a mulher voltando em seguida para o seu interior.

Por orientação de Natália, a anciã Helena foi mesmo tomar banho e trocar de roupa. O que a mulher passou a usar eram roupas finas e bem ao gosto de Natália. Era um delírio total. As moças não paravam de sorrir e o menino quase um rapaz agüentava firme moendo seus desejos de estar vendo a mulher que deu à luz à sua mãe. E dizia lá consigo mesmo:

--- Não acredito! – falava baixinho o garoto.

Para Natália foi aquele um fim de tarde de festa, com alegria incontida de ver pela primeira vez a mulher que lhe deu à luz. Como sem querer dizer, Natalia só era alegria e tão boa disposição, cheia de orgulho e vaidade perene, saltitando para apresentar a nova senhora dos seus amados sonhos. Quando a anciã saiu do banheiro, de roupa trocada, a sua filha já estava na porta a lhe esperar onde apenas dizia:

--- Mãezinha. Agora a senhora está pronta para tomar uma sopa. Só espero Jubal chegar para darmos início à festa. – falou gloriosa a mulher Natalia.

Eram passadas as seis horas da tarde quando o carro parou em frente ao portão, onde ficava o muro da casa. Foi aí que entrou Jubal para o encanto supremo de sua mulher. E então Natália mostrou ansiosa.

--- Veja querido. Encontrei a minha mãe! – sorriu Natália ao dizer tais palavras.

O homem, ainda atormentado pelo vento frio de final de tarde disse somente;

--- Muito prazer, senhora. Com é seu nome? – perguntou Jubal olhando a mulher decentemente vestida.

--- Eu me chamo Helena. E o seu nome qual é? – indagou Helena a Jubal.