terça-feira, 3 de agosto de 2010

MEIAS DE SEDA - 32 -

- MEIAS DE SEDA -

- 32 -

Inaldo estava no café de dona Nazinha, logo cedo da manhã, pelas seis horas, ou mais tardar, conversando alegremente com Jubal, contando as façanhas de Mauricio, o Lunático, e o que o homem dizia como verdade, pois era assim que o Lunático acreditava, mesmo contrariando os dogmas da Igreja Católica. Jubal ouviu a conversa de Inaldo e não deu importância ao fato. Afinal, ele estava ciente de que a Bíblia não era algo para se contestar. Ao final da conversa, Inaldo olhou sem querer, para o lado do Café de Doca e viu por lá a figura magra de Zilene andando com umas muletas, se amparando em cada ponto de esquina do café. Inaldo olhou bem para ter a certeza do que vira e então chamou o seu amigo Jubal para mostrar a moça de muletas e como Zilene estava. Eram passados poucos meses. A moça já podia se locomover de um ponto a outro, porém somente amparada por duas muletas. Aquele fato deixou triste o rapaz tendo pena da moça que outrora fora tão bela e vistosa. Jubal se voltou para conferir o incidente e apenas disse:
--- É a vida! – falou Jubal como se comentasse um caso estranho.
--- Mas, quem diria. Tão jovem. Dá pena. – respondeu o jovem rapaz.
--- Você deve ter pena de você mesmo. Ao dizer que sente pena de outra pessoa, apenas quer dizer: “graças a Deus não foi comigo”. Veja o sentido de se dizer “eu tenho pena de fulano”. Entendeu? – perguntou Jubal a Inaldo.
--- É verdade. A gente não deve dizer isso. Mas que dá pena dá. – sorriu Inaldo.
Jubal teve que sair do Café tomando outra direção que a do Café de Doca. Por sua vez, Inaldo rumou para o Café de Doca onde estava àquela hora, puxando por muletas a jovem e bela Zilene, um tanto pálida e mais franzina que antes do tiro que levou nas costas. Ela puxava por uma perna e assim mesmo caminhava aos trancos e barrancos escorando-se nas mesas do Café e nas paredes que separavam o Café de um e outro estabelecimento. A divisão era feita por um muro baixo na altura de um metro, mais ou menos. Dava-se para observar quem estava do outro lado do Café e se precisasse conversar com outra pessoa no botequim vizinho, não tinha teima. Conversava-se assim mesmo. Quando Inaldo chegou ao Café de dona Doca aproximou-se de Zilene com um olá. Ela tomou um susto, pois não esperava a presença do jovem e de forma tão delicada. Respondeu-lhe o olá e começara a conversar sobre a saúde, doença, tiro e coisa mais. A mãe de Zilene foi quem não gostou da presença do rapaz, pois para ela foi Inaldo quem enveredou a sua filha pelo descaminho. E disse de cara que não gostava dele por coisa nenhuma.
--- Ô mão. Cala tua boca. Ele está fazendo apenas uma visita. E o que é que tem? Se houve desacerto, não foi culpa de Inaldo. – falou Zilene atormentada.
--- Pois sim. Vamos ver quem está certa! – disse com ira a mãe de Zilene.
--- Ora! Deixa pra lá Inaldo. – falou a moça ainda atormentada pelo vozeiro de sua mãe que estava além de malcriada.
--- Não tem importância. Já recebi outras pedras. Estou acostumado ou pelo menos me acostumado. O importante é você está aqui e estar passado bem. Quando houve incidente eu estive no Hospital e perguntei por você. A atendente disse que você estava bem, porém não estava recebendo visitas ainda. Eu parti do hospital e me topei com sua mãe com uma cara de braba e fui embora. Não voltei mais. Apenas me informava com estava você e nada mais. – respondeu Inaldo, tranquilamente.
--- Obrigada! Ninguém me disse isso! – falou Zilene sorrindo e quase chorando.
--- Apesar dos contratempos, você, para mim, continua sendo uma diva, um encanto, uma beleza. Apesar do que ocorreu. – falou Inaldo, com lágrimas nos olhos.
--- Obrigada. Você foi sempre o homem de minha vida. Eu estava louca quando deixei você. Devo tudo isso as mulheres que moravam perto de minha casa. A casa que vê alugou. Elas foram que me fizeram a cabeça. – resmungou Zilene chorando.
--- Não se incomode com isso. Onde você está morando? – perguntou Inaldo de modo como não querendo saber e sabendo.
--- Com minha tia. O marido dela tem uma fóbica e me trouxe hoje. Esse foi meu primeiro dia que venho aqui. – respondeu Zilene fazendo um pouco de sorriso.
--- Verdade? – replicou Inaldo de forma feliz.
--- É e foi. Ele veio de trazer e com certeza me levará de volta quando terminar o serviço. Minha tia é aquela. – e se virou Zilene para apontar a mulher – Sinhá. Tudo mundo a chamam assim. Mas o nome dela na verdade é Senhorinha. – e caiu na risada a moça por achar o nome engraçado.
Inaldo também sorriu com o gesto de Zilene. E ainda perguntou se ela voltaria ao hospital para fazer novos exames e a moça confirmou.
--- Parece que ainda vai levar algum tempo. Agora eu tenho que me conformar. É uma desgraça que traz um remédio. Se eu estou assim é porque Deus me privou de andar como antes. De dançar. De muitas coisas. Eu agradeço a Deus Ele ter me poupado a vida. Se não fosse Ele eu estaria morta. – confessou Zilene se apoiando na muleta.
Inaldo pensou ligeiramente no ovo da galinha que Mauricio quebrou para mostra Deus como sendo a fonte da vida. Pensou e voltou à razão para não querer pensar mais. Seria Deus tudo isso? Ou apenas uma lenda medieval aquilo que o autor do livro contou? Ele preferiu esquecer o deus que Mauricio tinha visto. O tempo foi passando e ele olhou para o seu relógio vendo que precisava assinar o ponto na Prefeitura. Inaldo quis dizer alguma coisa a mais, porém evitou fazer. Despediu-se de Zilene dizendo que no outro dia estaria por perto para eles conversarem.
--- Quem sabe? Talvez? – falou o rapaz sorrindo.
A moça quis dar-lhe um beijo, mas recuou temendo os desaforos proferidos por sua mãe que continuava a falar contra Inaldo de dentro do Café. Apenas apertou-lhe a mão e naquele aperto de mão traduziu tudo o que tinha para lhe dizer com os nobre sentimentos de algum tempo a passar naquele momento. Inaldo sorriu e partiu.
Zilene chorou como uma criança e partiu para a mulher das tapiocas. Era um tipo bem avantajado aquela mulher. Ela olhou para a moça e sorriu. Zilene ainda chorava e não pode dizer nem mesmo “muito obrigado” para a mulher. Depois de algum tempo a moça falou.
--- Ele, que tanto me amava. Eu não presto pra nada! – e voltou a chorar.
--- Paciência, minha filha. Paciência. Deus dá o frio conforme a roupa. Paciência. – (respondeu a mulher das tapiocas). – Tome uma tapioca para você. – falou a mulher se compadecendo do sofrimento de Zilene.
O rapaz da tábua da carne olhou para Zilene e disse para o outro seu vizinho que aquela era a mulher sedução do Solar de Alba e ali estava sem movimentar uma das pernas.
--- É pena! E ela vai voltar a dançar? – perguntou o açougueiro.
--- Sei lá. – (e voltou a gritar seus preços de carne) – É dez! É dez! É dez! Vamos levar patrão? – perguntou o homem a uma pessoa que estava examinando a carne verde.
O homem olhou bem para a carne e disse ainda:
--- Faz por oito? – perguntou o comprador.
--- Não dá. É dez mesmo. – respondeu o talhador.
--- Se fizer a oito eu levo três quilos. – conversou o homem.
--- Tá bom. Vou partir. – e o açougueiro tirou os três quilos da carne verde.
Nesse instante, mais sossegada, mesmo com o coração partido, Zilene voltou para o Café de Dora e por lá se sentou ao lado de um freguês que estava fazendo sua refeição matinal com mungunzá e leite. O homem com roupa suja de óleo de carro perguntou a Zilene como quem não querendo saber muita coisa.
--- Acidente? – perguntou o mecânico.


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