sexta-feira, 13 de agosto de 2010

MEIAS DE SEDA - 43 -

- MEIAS DE SEDA -
- 43 -
O trem apitou dando o sinal que chegara a estação e era o final da viagem. Um jato quente de vapor marcou o final da linha. Outro apito o maquinista fez soar. As rodas do trem fizeram tração ao contrario como se andasse para trás. Porém o trem não saiu do canto. Dos vagões de passageiros desceram as pessoas que estavam chegando para a capital. O relógio da estação marcava cinco horas e vinte e cinco minutos. O tempo era calmo, salvo pela viagem atormentada dos passageiros vindos de cidades do norte do Estado. O maquinista olhou para o foguista e disse apenas:

--- Chegamos afinal. – disse o maquinista Artêmio passando a mão pela testa.

--- Está bem. Tudo certo. – respondeu o foguista.

O pessoal descia às pressas com suas bagagens de mão, desembarcando na calçada da estação, uns falando, outros calados. O trem ainda trazia bodes, vacas e ovelhas para serem sacrificados um dia desse qualquer. Eles estavam apinhados nos carros de trás, todos mugindo ou berrando numa confusão sem fim, com o passar pelas pernas dos maiores pelos pequenos. Essa era a vida de todos os dias de um trem de passageiros que trazia cargas de todos os gêneros. Na confusão que se fazia na estação, Artêmio saltou da locomotiva todo sujo e com os papeis nas mãos. Dalí ele logo rumou para a gerência da Rede Ferroviária onde prestaria contas da viagem. Alguns instantes. Na ocasião Artêmio parte para a sua casa onde tomaria banho frio e trocaria de roupa. A viagem era exaustiva e longa. Mesmo assim, apesar do cansaço, era comum para o maquinista. Um dia e outro não. Um dia e outro não. Enfim o foguista se despediu de Artêmio e este saiu sem pressa para a sua moradia. O céu estava escurecendo porque a hora da Ave Maria já era cantada no rádio que alguém sintonizava a estação.

Ao chegar a sua casa, Artêmio encontrou a mulher em desarvorado pânico. Ela falava pelos cotovelos assuntos que o homem não entendia muito bem. Até parecia que a sua chegada não fora providencial, pois Suzana era toda inquieta cuspindo fogo para tudo que era de lado. O homem tirou o chapéu e jogou sobre o porta-chapéus olhando para os garotos que faziam suas lições. Notou a falta de Salésia no local e logo perguntou a Ênio, o mais velho onde estava a irmã. O garoto apontou com o dedo polegar dizendo que a moça estava no seu quarto, com certeza. Artêmio se deu por satisfeito e foi ver o que estava acontecendo lá por dentro. A mulher estava uma fera, zangada com os seiscentos diabos. Por que era tanto desaforo ele não sabia. E então chegou de mansinho e perguntou o que estava havendo:

--- Pergunta a tua filha! Ela agora quer ser freira. O casamento que se lasque! – respondeu malcriada a mulher cheia de ódio e do rancor.

--- Ora que besteira! E precisa tudo isso por nada? – perguntou Artêmio mais ameno.

--- Ah. Precisa sim! Eu vou ter um trabalho desgraçado para botar tudo a perder? Ah que não vou. O vestido já está pronto. A data marcada. Agora vem com a história de – “mãe vou ser Freira”. Parece até a Irma Miquelina! – respondeu a mulher com total arrogância.

--- Coisa boba. Onde ela está? – perguntou Artêmio despreocupado.

--- Lá no quarto. Escondida! – falou Suzana com bastante raiva.

Nesse passo da conversa Artêmio saiu para o quarto de Salésia. A porta estava fechada. Ele chamou pelo nome e ela respondeu que estava ocupada. Artêmio disse que era só um minuto. Salésia não acreditou e novamente disse ao pai que naquela hora estava bastante ocupada.

--- Só um minutinho! – falou o homem.

--- Agora não. Estou rezando. – respondeu Salésia como quem chorava.

--- Está bom. Quando acabar me chame. – ponderou Artêmio angustiado.

Do interior do quarto nada mais se ouviu. Salésia tinha um velho Oratório onde ela guardava todas as imagens de santos. Tinha sido um Oratório de sua avó que herdara de sua mãe – mãe da avó. Era uma verdadeira relíquia para quem o tivesse. Ornado em madeira, o Santuário guardava todas as relíquias de Santos que a sua bisavó trouxera de Portugal quando em viagem. Ela era menina quando recebeu o Oratório de sua avó e guardou como verdadeiro relicário para todos os tempos. Era por demais cuidadosa com os santos e anjos que tinha depositado naquele Santuário. Com efeito, Salésia guardava todas as promessas feitas e depositadas no seu interior. O Oratório de Salésia podia abrigar, além do santo protetor, tudo o que se relacionava à devoção cotidiana, ocupando seu espaço dentro do seu quarto de dormir. Quando da Festa do Santo padroeiro, a moça – desde menina – levava para um local reservado onde se podiam celebrar novenas e preces coletivas. Quando passava esse tal período Salésia o guardava em seu quarto. Diante desse Oratório, é que ela fazia as suas preces.

Logo depois do jantar chegou à casa de Salésia o seu noivo Jubal para fazer a sua corte e ali ficar até 9 horas da noite. Era uma corte onde estavam presentes o pai, a mãe e os irmãos de Salésia. Foi nessa ocasião que a moça disse ao noivo que não mais casaria com ele, pois o seu destino seria o da oração, devotando-se as Freiras da Clausura. O homem olhou perplexo para o seu Artêmio e esse disse apenas o que a moça repetira, não sabendo o porquê de toda aquela história. Por sua vez, Suzana, mãe de Salesia, chorando bastante apenas disse:

--- Isso é coisa do Diabo. Ela vai casar sim. Quer sim ou quer não. O casamento está marcado e ela vai cumprir a promessa que fez perante Deus. – falou Suzana ardendo em choro.

--- Não é coisa do Demo. É coisa minha. Eu apenas decidi que estou apta a ser Freira e nada mais. – respondeu a moça sem chorar.

--- Mas minha filha, essa é uma decisão séria para se tomar de um momento para outro. – respondeu Artêmio querendo persuadir a moça a não ser Freira.

--- Esperem! Esperem! Ela tomou sua decisão. Eu sei que é uma decisão se não precipitada, pelo menos aos cuidados dela mesma. Se ela tomou tal decisão, é bom esperar o que vai acontecer. – ponderou Jubal.

--- Jubal. Eu amo você. Eu te quero muito. Mas, acima de tudo está Deus. E se Deus me chama, não tenho porque recusar. – respondeu Salésia a Jubal.

--- Não tem importância. Eu espero por tudo. De qualquer forma você é quem decide. – argumentou Jubal meio cabisbaixo.

Ao passo de alguns instantes a moça pediu licença e se ausentou da sala de visitas. Ela recolheu-se ao seu quarto, com certeza, em baixo de choros. Ela perdia um amor, mas teria a promessa de Deus de amar ao próximo. Do quarto onde estava ainda ouviu o seu noivo sair e tomar o carro depois de se despedir de Artemio. A sua mãe, Suzana, não se levantou do lugar onde estava.

A noite parece ter sido longa demais. Salésia não conciliou o sono e para tanto se ajoelho ao chão pesado e duro e se pôs a orar em nome de Deus, horas a fio até que o dia amanheceu. Quando os pássaros diurnos cantavam nos pés de oliveiras existentes próximas, a máquina do trem passava pela estrada porto de sua casa, Salésia caiu no chão, desmaiada por causa de tantas horas de oração. A sua mãe foi quem abriu a porta com cuidado e a encontrou desacordada e de imediato chamou o marido para acudir a jovem moça:

--- Socorro! Socorro! Acuda Artemio. Salésia está morta. – gritou Suzana ao desespero de mãe muito aflita.

Artemio chegou ao local onde a jovem moça estava desmaiada e bradou com todo o ímpeto ao dizer:

--- Acorda! Acorda! Que fizestes? Acorda! – gritou Artemio ao sacudir Salésia para que ela voltasse ao sentido.

Vizinhos acorreram a todo o clamor de Suzana para saber o que tinha acontecido que por tanto ela clamava. Seus filhos acorreram ao quarto da Irma e de imediato a moça recobrou a consciência com todos os alarmes feitos por sua mãe. O pai já estava com a filha em seu braços, abanando com uma tampa de caixa de sapatos a face da garota. A moça tornou do seu desmaio e a casa se encheu de gente a procura de saber o que estava a haver. O pai colocou Salésia em sua cama.

Nenhum comentário: