segunda-feira, 23 de agosto de 2010

MEIAS DE SEDA - 53 -

Ginger Rogers
- MEIAS DE SEDA -
- 53 -
No sitio de Jubal que ele conservava próximo da linha de passagem do trem, José, o rapaz que ajudava a cortar feno, agora tinha também outro ajudante de nome Ezequías que cuidava do plantio enquanto José cuidava do outro sítio ao lado vez que seu Osias não podia mais dar conta por causa da sua saúde debilitada. Osias tinha amputado a perna direita e com isso procurou mais ficar na sua casa, pois era muito esforço para ele, de muletas, sair para o sitio, o segundo sitio que Jubal comprou de Osias. Então, José ficou dividido com os seus afazeres além de ter que fazer a conferencia das vendas da granja de Mangabeira – Fazenda dos Dois – onde tinha muito mais que se fazer. A fazenda era entregue ao homem, senhor Miguel, o qual cuidava da venda das frutas e tomava conta do gado e cavalos, além de porcos, cabras, carneiros e até galinhas. Nos dias de feira José estava em Mangabeira e só voltava no outro dia. Para tanto, ele se montava no cavalo de nome Pintado uma vez que o Otário cara de vez em Mangabeira. Para visita cotidiana, Jubal passava pelo sitio, conversava um pouco, orientava o que estava se fazendo e depois saia para outros lados. Às vezes chamava José para dar-lhe orientação com respeito ao Zeca (José Bento) não falando nem no nome do rapaz, fazendo somente um gesto com o dedo no olho:


--- Olho nele! – queria dizer Jubal, pois após a saída de Osias do sítio o homem ficou solto de canga e corda.

Os encontros mais festivos eram no sábado para o domingo, quando Jubal e sua esposa, Natália além dos filhos destes, almoçavam, jantavam, tomava café na Fazenda dos Dois onde tudo era alegria geral. José aproveitava o instante para dar seus namoricos com a filha do caseiro da Fazenda, Manoel de Tal que sempre olhava os dois para evitar agarração. O nome do caseiro era Manoel de Tal, sem sombras de dúvidas. A filha do caseiro se chamava Dulce. Porém, todos a chamavam de Dudu. Vez por outra José e Dudu se embrenhavam mato adentra e lá faziam o que tinham gosto ou o queriam fazer. Ela era uma garota de 17 anos coisa igual com a idade de José. E passavam horas e horas até surgir cheios de matos, capim, pega-pinto entre outros lances. Eles chegavam desconfiados e quanto se perguntava:

--- Onde estavam? – perguntava Manoel com a cara azeda.

--- Vendo as vacas. – sorria Dudu puxando no braço do seu companheiro de fuzarca.

--- Pois sim. Se as vacas estão desse lado! – respondia Manoel com desconfiança.

--- É as vacas amojadas! – sorria Dudu para aquietar seu pai.

--- Esse tempo todo? – perguntava novamente Manoel de Tal mais ainda desconfiado

--- É que elas estão para dar cria. – respondia Dudu sorrido.

--- Quero ver a cara desse bezerro! – relutou Manoel, com seu cachimbo na boca e se virando para o outro lado.

No dia seguinte, segunda-feira, Jubal já estava, bem cedo, no sítio que foi do velho Osias e que ele arrematou por uns níqueis a mais. No lugar, Jubal já estava a conversar com seu Libório, dono de uma caminhoneta que estava propenso a comprar o excedente do feno que sobrava depois de Jubal despachar os primeiros fenos para o Esquadrão da Policia e a Prefeitura da Cidade. Com isso, mesmo vendendo aos carroceiros, ainda sobrava feno para outros donos de cavalos e asnos, gente que guardava mais de mil animais em toda a cidade, dentre eles seu João Freire, seu José Freire, seu Joaquim e muitos outros donos de asnos da capital. O acerto foi de Libório levar o feno em troca de pagamento na hora. Libório “chorava” porque os que compravam não tinham nunca dinheiro na hora. Jubal dizia em troca:

--- Dê um jeito. O negócio é esse!- - falava Jubal sem muito entusiasmo no assunto.

--- Mas seu Jubal? – reclamava o homem estirando assim a conversa.

Mesmo assim, ficava a palavra do mais forte: Jubal Valadares. Depois dos acertos, Jubal passava em vista o que estava havendo do sítio de Osias – que já era dele -, orientava Zeca, o caseiro do sítio de Jubal, voltava ele para o sitio antigo, conversava com José assuntos diversos, olhava o trabalho de Ezequias que, no fim das contas sempre argumentava com José, neto de dona Eunice, doméstica de sua casa:

--- Não gosto desse rapaz! – dizia baixinho para somente José ouvir.

O rapaz José ficava meio desconfiado e nada proferia. Após certo tempo, com Jubal olhando o resto do telhado da casa de guardar instrumentos de trabalho, ele, sem comentários, saía devagar e sempre para o seu carro, no alto da Rua Ocidental. E dali seguia ladeira à fora pensando em Natália e no que a mulher lhe disse que certa vez conheceu uma senhora de nome Vitória e que perguntou a sua mãe.

--- Olá Corina. É a menina que você cria? – perguntava Vitória de corpo descomunal.

No Mercado da Cidade, Jubal já estava no seu lugar reservado para tomar café, comer mungunzá e jogar conversa fora. O local era o Café de Nazinha freqüentado pelos mais diversos tipos de gente. Os talhadores de carne ficavam próximos ao Café e sempre ofereciam a sua carne de gado à freguesia.

--- É dez! É dez! É dez! Levando tudo faço por nove. Dez! Dez! Dez! Vai querer freguesa? – falavam os talhadores.

Jubal já nem mais se azucrinava com a gritaria dos talhadores. Apenas fazia de conta que não ouvia. Nesse dia, a mulher Nazinha tinha outra conversa. Ela sempre trazia uma conversa nova e diferente. Então, sem mais nem menos, aproveitando o sossego da freguesia do Café, perguntou a Jubal:.

--- Já viu a senhora? – perguntou Nazinha a Jubal pondo as costas para o lado dos Cafés adjuntos.

--- Que senhora? Não vi não! – respondeu Jubal surpreso e querendo saber mais.

Nazinha mexia um caldeirão cheio de mungunzá bem apressada como nunca. E olhava para Jubal e o caldeirão para evitar do mesmo “queimar” e por seu mungunzá a perder.

--- A dona! A Doca! Mulher infeliz! Agora é espírita! – respondeu Nazinha sem se voltar do canto.

Jubal então sorriu e disse à mulher que mexia com pressa o caldeirão de ferro quase cheio de mungunzá.

--- Mas vocês não se entendem! Deixa a mulher em paz. Espírita é como qualquer outra religião. – comentou Jubal sem fazer cerimônia.

--- Como qualquer outra, não! Eu sou católica apesar de não freqüentar a Igreja. Mas sou católica. E ela é espírita. – reclamou Nazinha com muita raiva.

--- Veja! Tanto faz espírita como católico, protestante, judeus e até mesmo maçons. Tudo é uma coisa só. Se uns prestam é por que recusam o não prestar. Tudo é uma coisa só. Eu conheço dona Bela que é uma senhora muito católica. Já tem outras, como dona Joaquina, que é crente. Tudo é uma coisa só. – respondeu Jubal tentando contemporizar a situação.

--- É. Mas ela é espírita do brejo. Dá ataque. Fica se tremendo toda. E não reza, tem mais essa! - fez crítica dona Nazinha ao seu freguês de sempre.

Jubal sorriu de fazer vergonha. E Nazinha ficou olhando para perguntar de vez:

--- Inda acha graça? Pois fique sabendo que ela conversa com os espíritos. Até mesmo com a filha dela. A Zilene. O espírito dela vem dizer coisas do passado. Taí! Pronto! O senhor não acredita? Pergunte a ela! Vá lá! Pergunte! – recitou a mulher Nazinha com os bofes saindo pela boca.

--- Besteira! Cada um pensa o que quer e o que pode. – fluiu Jubal a Nazinha.

--- Sabe quem me disse? A empregada. A cozinheira. Uma mulher que foi com ela até a Casa de não sei o que. – respondeu zangada Nazinha.

--- Centro Espírita. – respondeu Jubal desalentado.

--- Centro o que? É isso. É essa coisa mesmo. – respondeu Nazinha mais braba ainda.

--- Eu não sei. Falar com Zilene? Ela morreu faz pouco tempo! – falou Jubal não acreditando muito bem.

--- É. E tem mais: a morta deu o nome de uma loja para ela comprar um livro! – rebateu a mulher de forma espantada.

--- Qual loja? – perguntou Jubal um tanto curioso.

--- Não sei. Parece que o nome era Cortina de não seu o que! – respondeu a mulher de forma zangada.

--- Cortina de Pérola? – perguntou Jubal com persistência.

---- Isso! Isso! É essa Cortina que o senhor fala. – respondeu Nazinha moendo o milho.

--- Eu sei onde fica. É logo aqui, em frente ao Mercado. No andar de cima. – falou Jubal quase correndo para ir dizer a Doca.

--- Pois é. E a bruxa não encontrou nunca. Sei não. Esses espíritos têm cada uma! – respondeu Nazinha mexendo o caldeirão de ferro.

Passado o tempo e Jubal teve a idéia de procurar dona Doca para ver se ela encontrou o livro que a moça havia dito. Afinal, Zilene estava morta e não tinha por que temer a raiva da sua mãe. Tudo o que aconteceu era passado. Nesse momento, ele só temia a Deus e nada mais. E caminhou por um tempo por locais diferentes até chegar ao Café de dona Doca onde teceu seus cumprimentos e perguntou à mulher se já havia achado o livro que o espírito de Zilene havia recomendado.

--- Não achei. E acho até que o espírito era de outra pessoa. Já estou desconfiada de tudo. – reclamou dona Doca sem querer olhar para Jubal.

--- Pois bem. A senhora me desculpe pela minha entrada de qualquer jeito. Mas, eu digo que a Cortina de Pérola fica aqui em frente ao mercado, no seu primeiro andar. É uma salazinha de nada. Pertence ao velho Jacó. Ele tem muitas coisas antigas. Livros principalmente. Se a senhora quiser, pode ir até a loja de Jacó. Pode ser que ele tenha o livro. Como é o nome do livro? – perguntou Jubal olhando para Doca.

--- Como é o nome Hermínia? – perguntou Doca a cozinheira sem se virar para Jubal e de forma mais que tranqüila.

--- A moça está dizendo que é: “Anjos”. Ela me falou agora. “Anjos”. É esse o nome. – respondeu Hermínia.

--- E minha filha está aqui? – perguntou de surpresa a mulher que só voltava às costas para Jubal.

--- Está. Junto à senhora. Ela diz que a senhora faça o favor de olhar para o senhor Jubal. Não guarde rancor por nada.

--- Desculpe meu senhor. Foi minha filha quem pediu para eu olhar para o senhor. – respondeu Doca para Jubal de rosto abaixado.

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