quinta-feira, 5 de agosto de 2010

MEIAS DE SEDA - 34 -

- MEIAS DE SEDA -
- 34 -
Em frente do Solar de Virginia, em quase final de tarde, em dia da semana, um grupo de homens e mulheres, todos vestidos de uniforme e saias compridas de modo que não subiam nem com um vendaval, estavam agrupados, em cerco, todos com a Bíblia nas mãos e mais uns livros de Orações. Os crentes! Eram assim como se chamavam a eles. Todos Orando a Deus para que afastassem o demônio que assombrava a todos naquelas noites tão serenas que já acercavam. Canções emotivas as mulheres, moças, rapazes e homens cantavam. Eram somente por suas vozes sem qualquer ajuda de um microfone e aparelho de som. Um jovem mancebo tocava em uma corneta quando havia a necessidade de tocar. Em outras ocasiões um homem gritava bem alto quase como um desesperado a Palavra de Deus e clamava a todos os que não queriam ouvir:
--- Venham Irmãos. Venham se entregar a Jesus. Já é tempo. Do contrario o Demônio vem ceifar as vossas almas. Venham Irmãos. Venham. Graças ao Senhor. – cantava o preceptor em sua voz estridente que fazia afastar quem ele quisesse que viesse.
As damas do Solar apreciavam, por cima do muro, sobre a calçada que dava para a rua e achavam graça até demais dos ensinamentos do homem. Algumas das damas assobiavam alto o compasso da melodia que as mulheres, moças e rapazes entoavam. Algumas dessas damas jogavam a saia para cima como se espanta galinhas do aceiro do quintal de casa. Outras levantavam as vestes e mostravam as nádegas para o Pastor que não se cansava em chamar essas almas perdidas e atribuladas pelo Demônio que estava a solta por todos os caminhos onde os incrédulos percorriam sem temor aquele que fazia o mal.
--- Venha Irmã! É tempo de salvar tua alma. – gritava o pastor enquanto os crentes oravam e pediam ao Senhor a proteção para essa gente perdida. As gargalhadas se ouviam por trás dos muros de mulheres e homens que não se prendiam em dizer:
--- Sai daí seu bosta. Estamos-nos é gozando com a sua cara. Você é um merda. – diziam vozes de dentro do Salão. E então se ouviu uma vitrola em alto som a tocar musicas de carnaval.
Após certo tempo de espera chegaram dois soldados e um cabo da polícia que Virginia chamou para espantar os crentes do meio da rua. E após certa discussão os crentes foram embora do local com a promessa de não voltarem nunca mais e se postar em frente aquele antro de perdição. Era quase noite quando tudo voltou à calma e os negócios voltaram ao normal e tranqüilo no Solar de Virginia. A noite começou em meio às alvoroçadas mulheres a dançar o seu balé do prazer e da moção. Fulgentes diademas então ofertaram os mais ilustres homens às raparigas sugestivas que vinham a chegar aos seus encantos. Naquele antro nem alma tinham os gloriosos senhores do exemplar prazer.
Ao som de um bolero as mulheres deliravam aos braços dos seus amados quando prometiam lembranças as quais elas podiam pedir naquele instante. O homem da banca, um vendedor de bijuterias sempre estava por perto para oferecer os mais insinuantes colares de pérolas que, quase sempre era um enfeite de qualquer preço e que os bem-aventurados senhores nostálgicos se embebedavam de puro prazer a entregar a sua amada, onde a cada gesto de carinho feito pelo amado, sempre recebia em troca os verdadeiros afagos da sensual mulher. O gargalhar de uma mulher dava sinal de que ela gostara do carinho que o homem lhe fizeram. Quase ou totalmente nua, a mulher de pele branca, cabelos compridos, lábios de rubra sensualidade, busto nem muito volumoso e beleza em seu rosto, pernas, coxas e delirantes nádegas, ela era a mulher impressionante e majestosa. Com a sua soberba suntuosidade, a mulher encantava a todos quando perambulava ao léu no salão ao som da melodia inebriante e mágica. Ela era a verdadeira dama das camélias.
Nos braços de quem a protegia a dama soltava gritinhos saltitantes igual a um colibri. Nancy era o seu nome. A mulher se delirava quando o amante dizia que ela era um hino onde se podiam deleitar canções de amor sensualidade e de prazer. A musa toda nua e embriagada se espalhava no sofá do salão a espera do seu homem ardente. Por vezes, o másculo um tanto ébrio repetia aquele nome da mulher amada como sonetos ou poesias. Delírio total entre aplausos dos que estavam a cobiçar a esplêndida Nancy. O aroma delicado e meigo era o olor sutil emanado de flores de um jardim ou de um delirante pomar filtrado como sendo das delicadas finas flores a exalar carinhoso o seu perfume de uma mulher encantadora cuja atração era o recordar um amor.
A noite já estava entrando pela madrugada onde a folia no Solar de Virginia era cada vez mais delirante. As damas da noite cantando e bebendo como se aquela fosse uma noite de carnaval. Beijos delirantes e colados de rosto para rosto era o mais do que ouvia dizer entre mulheres do arrebol e homens enquanto um menestrel tocava algo que ninguém podia ouvir por tanta azafama a se fazer por todo o salão de baile. As promessas eram feitas a todo instante como se alguém disse:
--- Beija-me. Eu te dou toda a minha vida. Beija-me que eu quero o teu corpo entre estes mil perfumes. Beija-me ou eu me suicido. – era o que se ouvia dizer por parte dos amantes.
Aquele era o verdadeiro e inconteste instante de risos eufóricos dado pelas mulheres enlouquecidas pela bebida e pelo sucesso de cada momento. Delírios extremados elas mostravam-se arrebatadas pelos enigmas do seu notívago e tenaz ardoroso amores. Nancy a voltear pela o salão ela coberta por um tecido de organza que alguém jogou às suas costas continuava a ser a mulher angelical para os que todos estavam presentes. O mágico instante de fugaz prazer tornara-se verdadeiro momento de fatuidade para a jovem não importando o destino que o cometimento lhe reservava. Para Nancy era delirante aquele momento de paixão e ternura. Quando a manhã chegasse, ela estaria esgotada e adormecida aos braços de Morfeu, o deus dos sonhos. Aquele que tem a habilidade de assumir qualquer forma humana e aparecer nos sonhos das pessoas como se fosse à pessoa amada.
No decorrer de toda noite, os amantes das mulheres e do bom uísque e do melhor vinho estiveram - como todos os amantes de prostitutas costumavam fazer - no Solar de Virgínia, local aprazível e de augusto sossego entre outros lugares de meretrizes da cidade. Um jovem – nem tanto assim – fazia guarda do ambiente das mulheres e homens evitando a entrada de intrusos para o recinto. Mesmo quando havia baile de carnaval, Virginia aumentava o numero de guardas. Com isso, se podia brincar a valer a noite inteira. Água era uma coisa que havia no Solar. Para evitar faltar água na casa, Virginia tinha um contrato com um rapaz que, diariamente enchia os vasilhames. Nesse caso, o rapaz trazia água de um cacimbão existente na Rua São João, próximo a Rua São José. Com os vasilhames cheios – pois o rapaz enchia as barricas de água todos os dias – Virginia promoviam festas a qualquer hora do dia ou da noite e a semana inteira. Para o banho havia água suficiente. Porém, as mariposas costumavam tomar banho em um chamariz existente próximo ao Solar. Não por falta de água. Mas pelo habito das mariposas em algazarra tomarem banho a céu aberto.
Em outros locais existentes no bairro onde não havia água encanada, as mariposas igualmente faziam o seu asseio diário com água posta de cacimbão que, não raro, tinha em terrenos próximos. Um outro Solar que ficava na Avenida Dois também sofria pela falta de água. Com o passar o tempo, a Companhia de Água de Esgoto levou água encanada a todos esses recantos resolvendo de vez a clemência do pessoal – não só as mariposas que moravam nos recintos de meretrizes – mas igualmente a todos os moradores do bairro de Lagoa Seca. Com o tempo houve criação de outros solares de prostituição, como foi o caso de Francisquinha que funcionou por vários anos em uma rua próxima a Rua do Cacete, outra artéria bem freqüentada por pessoal, nos finais de semana. A Rua do Cacete era porque os bailes que ali havia, quando terminavam era na base do cacete. Os soldados da Policias eram os que mais apanhavam.
No caso de Virginia, ela vendeu o seu Solar à outra pessoa que desenvolveu no local a mesma atividade que sua antecessora. Mesmo assim, o Solar conservou o nome da antiga dona. As mulheres do Solar sempre mudavam para outros locais. Quando ficavam mais velhas, no caso de trinta e cinco anos de idade, tais mulheres migravam para outras pensões e quase sempre terminavam no chamado Beco da Quarentena, no bairro da Ribeira. Era a sina de tais meretrizes. As velhas damas da noite. Nancy, depois de algum tempo passou a viver com um senhor já bastante velho. Ele, com pouco tempo veio a falecer. Nancy instalou um salão para a venda de bebidas e viveu por um longo tempo. Ela era mãe de uma moça que seguiu a carreira de enfermagem ganhando a vida – como se diz por ai – honestamente.

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