sexta-feira, 27 de agosto de 2010

DANÇA DAS ONDAS - 2 -

- ROSA VIVA -
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No caminhar para o seu escritório, Adélia ficou a pensar no caso do morto. E lembrou-se do seu pai o quanto mexia nos fios da instalação da casa, sem medo de levar choque. Foi um delírio para Adélia aquela sensação terrível de poder ver o morto ainda sem estar na urna. A moça sentiu tonturas nessa ocasião. A sua roupa era uma velha saia desprezada e uma blusa já sem uso de há muito. Ela rebuscou no armário e foi o que encontrou de forma mais rápida. De qualquer forma, Adélia estava vestida. Por precaução, ela levou a sombrinha e a capa. Caso voltasse a chover, bem estaria agasalhada quando a tormenta sacudisse as ruas. Um rapaz sentou em seu lado, no banco do Bonde e abriu o jornal já do dia mais que anterior. A moça olhou de soslaio uma matéria de um casal morto durante a tempestade em qualquer cidade do país por aqueles dias. Adélia sentiu vontade de vomitar. Náuseas. E então lembrou não ter tomado café, dado aos afazeres da casa, com o pessoal lavando os panos frios e úmidos da noite e madrugada passada. Sua cabeça rodou por instantes e Adélia fez-se forte para agüentar até chegar ao escritório da repartição. No local funcionava um boteco de vender refrescos, bolos, café e tantas coisas mais. Adélia tomaria um café forte no boteco para ver se passava o enjoou. O rapaz do jornal só procurava ler as matérias esportivas. Para a moça, aquilo tudo era de menos importância. A noite chegou abrupta e de repente, o céu escureceu, o sol apagou, a vida desmoronou. Ninguém viu ou ouviu quando Adélia caiu. O rapaz do jornal se ergueu em um susto. A moça despencou em cima do seu ombro. Ele olhou e viu a cor lívida da jovem senhorita. Boca aberta e sem cor. Dentes a mostra. Pedacinhos de dentes. Quase não se via. Cabelos caídos em desalinho. Olhos revirados e mortos. O rapaz gritou.

--- Acudam!! Motorneiro! Trocador! Acudam! A moça está morta!!! – gritou o rapaz do jornal.

Por inteiro o pessoal que viajava no Bonde se levantou com pressa. Alguns gritavam:

--- Acudam a moça!!! – era o grito da maioria do pessoal.

Um homem já velho arredou os pés e saiu dizendo baixo:

--- Eu vou sair daqui antes que digam que fui eu! – resmungava o homem sentado no banco a frente.

O trocador veio depressa para ver o que sucedera. Vendo a moça desmaiada, avisou ao motorneiro e esse disse não haver nenhum hospital pelas redondezas. O Bonde trafegava péla Rua de Liberdade um lugar ainda sem calçamento e com casas de um lado e do outro. Casas pequenas de gente humilde. O trocador voltou depressa para a cadeira onde estava a moça e esfregou os seus pulsos. Não havia resposta. Álcool também não havia em qualquer local do Bonde, pois o homem perguntou ao motorneiro:

--- Tem álcool ai? – perguntou o trocador.

--- Não senhor. Tem um enfermeiro logo adiante. A moça pode ser levada até ele. Eu vou parar o Bonde. Um instante. Ele mora na casa vizinha a da esquina. – respondeu o motorneiro.

O povo se juntou para levar a moça que continuava desmaiada, com uma cor horrível. A falta de sangue lhe dava esse temor. Com poucos instantes o Bonde parou e os que estavam no Bonde levaram a moça segurando pelas pernas e pelos ombros até a casa do enfermeiro. Para segurar Adélia, precisava não mais de quatro homens. As mulheres ficaram no transporte comentado umas para as outras:

--- Ai meu Deus! O que vai ser da família da moça? – indagou uma mulher escorada no Bonde que continuava parado.

--- Ela morreu mesmo? – perguntou outra mulher a quem estava comentando.

--- Não sei! Não sei! Parece!. Os homens foram para a casa do enfermeiro. – respondeu a mulher.

--- Morreu nada! Foi só um chilique! – disse por sua vez o homem velho.

Nesse ponto, os homens com Adélia bateram a porta do enfermeiro de nome Miguel e não demorou muito para que fossem atendidos, pois o enfermeiro estava já atendendo outro paciente acometido de asma brônquica. Quem atendeu os homens que conduziam Adélia foi o seu auxiliar. Havia oito homens na porta, porém quatro seguravam a moça. Foi só abrir a porta e a turma entro cabeça adentro do consultório fazendo o maior alarde.

--- Socorro. Acudam. A moça teve um desmaio no Bonde! – dizia um deles apavorado.

Nesse momento, o rapaz do jornal que ajudava a levar Adélia colocou-a em uma maca própria para atender doentes e, com a ajuda de outros dois, pediram ao enfermeiro Miguel que cuidasse a jovem, pois a moça estava sem sentidos. O enfermeiro deixou o outro paciente aos cuidados do seu auxiliar e veio de imediato ver o novo problema.

--- Desmaio! – falou o enfermeiro.

--- É só desmaio mesmo? – perguntou o rapaz do jornal ao enfermeiro.

--- Ela acorda já. – comentou o enfermeiro retirando um frasco do bolso e passando de modo rápido nas narinas de Adélia.

Foi tiro e queda. A moça recobrou os sentidos e o enfermeiro mandou que os passageiros aguardassem fora, pois agora o assunto era com ele. Adélia recobrou os sentidos e, mesmo assim, o enfermeiro fez uma aplicação de soro na veia para poder dar segurança ao feito. Um tubo suspenso foi colocado junto à moça e o enfermeiro procurou a veia para colocar a seringa de injeção. Adélia era toda zonza. Somente fazia uma lamentação.

--- Tenha calma. Respire fundo. Vamos restabelecer a sua vida. – respondeu Miguel enfermeiro

O enfermeiro Miguel mediu a sua pressão e a temperatura. Depois de alguns minutos, ele voltou à sala e perguntou se alguém conhecia a moça. O rapaz do velho jornal foi o único a responder.

--- Não senhor. Porem ela deve morar para os lados de Belém. Ela estava calada. Não disse nada a ninguém. Nem para onde seguia. – falou o rapaz.

--- Ah bom. Ela está no soro. Depois eu creio que ela deve ir para a sua casa. Não tem nada na barriga. Talvez ela não tenha tomado nem café ainda hoje. Quem pode responder pela moça? – perguntou Miguel enfermeiro

Todos se entreolharam e ninguém não disse nada. Por fim, o rapaz do jornal se prontificou em fazer o que era possível.

--- Eu fico a moça! – respondeu o rapaz.

--- Ainda bem. Seu nome? É só para anotar na ficha! – falou Miguel enfermeiro.

--- Honório. Eu chamo Honório. – respondeu o rapaz.

--- Tem um carro aqui ao lado que pode conduzir a moça para a sua casa. Ela não deve trabalhar, hoje. Se você quiser, é só falar com o motorista. – relatou Miguel.

--- Está bem. Mas quantas horas ela vai ficar tomando soro? – perguntou Honório.

--- Uma hora. Não mais que isso. E saiba que ela deve ir ao médico. – respondeu Miguel.

--- Está bem. Eu digo a ela. E por acaso ela vai ficar curada? – indagou Honório.

--- Vai. Vai. Foi apenas uma síncope. – respondeu o enfermeiro a sorrir.

--- É danado! E onde é que essa moça mora? – perguntou inquieto o rapaz.

--- Ela dirá, com certeza. – sorriu o enfermeiro.

Passaram-se os minutos e nesse espaço de tempo o soro já havia acabado. O enfermeiro fez algumas perguntas a Adélia, como por exemplo, o seu nome, estado civil, onde morava, data de nascimento e coisas simples. A moça estava meio abatida e quase nada respondeu. E se respondeu foi de forma muito lenta. O enfermeiro perguntou se a moça poderia andar. E ela disse com a cara de choro:

--- Vou ver. – e se levantou da maca bem devagar.

Então, apoiando-se nos pés, segurando a maca com a mão, Adélia ainda sentiu a cabeça rodar para depois de alguns instantes ela indagar ao enfermeiro.

--- Será que posso? – chorou a moça.

--- Pode. Pode. Vá com jeito. Sente-se naquela cadeira ao lado do rapaz. – respondeu Miguel.

Inquieta, Adélia perguntou ao homem onde era que estava um tanto chorosa.

--- Na enfermaria de Miguel. – respondeu o homem a sorrir.

--- Enfermaria? – indagou sobressaltada Adélia.

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