terça-feira, 31 de agosto de 2010

DANÇA DAS ONDAS - 6 -

-- Mathilda May --
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O domingo chegara. O ônibus estava apinhado de gente com destino à praia da Costa, recanto aprazível para todos os admiradores da natureza bela e resplandecente. A Praia da Costa era um local muito freqüentado por todas as estações do ano, inclusive no inverno. As casinhas de pescador se misturavam com os bangalôs de gente rica. Esses homens de alta posição, homens ricos eram em sua maior parte oriunda das praias do litoral, inclusive da Praia da Costa. Eles herdaram as suas mansões construídas no tempo de suas bisavós e reformadas com o passar dos anos até épocas mais recentes. Nas casas grandes, como se chamavam as velhas casas de moradia dos ricaços, ainda se podia notar os locais onde se guardavam os escravos. Havia inclusive remotas passagens de assombrações contadas à boca pequena pelos pescadores, homens notadamente filhos ou netos de escravos. Porém, disso não se falava na viagem do ônibus o qual fazia esse transporte em viagem apenas aos domingos ou mesmo feriados. Honório seguia também com as duas irmãs, Adélia e Ângela, a mais nova dentre as duas. Em uma zoada infernal, os passageiros aproveitavam o passeio para gritar e pular como se fosse um verdadeiro carnaval. O motorista parecia acostumado com aquela fuzarca e nem fazia cara feia para os passageiros. Era tamborim, bombos, cavaquinhos, violões, pandeiros entre muitas bebidas levadas da cidade para o interior, parte longínqua da praia. A viagem durava uma hora ou pouco mais para se arranchar. Havia na Praia da Costa produtos de artesanato para vender além de bodegas sujas e pequenas para servir, pelo menos, cachaça aos seus freqüentadores. Quando o transporte chegou ao seu destino final, outros ônibus vindos do interior do Estado e de outros Estados já estavam acostados naquele local. Muitos desses carros chegaram durante à noite e madrugada do sábado e domingo. No local, era uma verdadeira festa. Gente por todo o lado. Uns já embriagados. Outros a dormir no meio do terreno. Asfalto não tinha o que por sinal era uma vila. A estrada era de barro batido. Quando chovia, havia um alagadiço no trecho fazendo estragos aos transportes. Havia ali carros grandes e pequenos, todos de passageiros ou mesmo de aluguel.

Ao saltar do ônibus no qual viajavam Honório, Adélia e Ângela dentre os demais passageiros, de posse de seus apetrechos rumaram com toda a pressa para qualquer lugar da vila onde pudessem ficar tranqüilos. Mesmo assim, era difícil de encontrar novo local para se hospedar. As casas de veraneio não alugavam espaço. Restavam apenas as casas dos pesadores onde, não raro, principalmente as moças teriam de servir para as suas necessidades, além de trocar de roupa para os não vestidos como prevenção. Nas habitações paupérrimas dos pescadores, feitas de palhas de coqueiros na sua cobertura e de taipa nas suas paredes carcomidas, havia uma espécie de banheiro ou latrina onde as moças e mulheres podiam trocar de roupa. No imenso mau cheiro que exalava esses locais deixava a desejar um melhor comportamento dos freqüentadores, pois a cada vez uns e outros conseguiam sair, achando graça do fedor intenso.

--- Mais parece um Quartel. – disse alguém saindo na carreira.

Bem que parecia. Em 1802, o Exercito de Napoleão Bonaparte tinha de fazer suas necessidades em um local único coberto por uma lona. Depois de fazer suas necessidades, quatro soldados vinham fazer a limpeza retirando o estrume do local. E com esse estrume, faziam-se negócios para armamento, nascendo então às bombas. Nem tudo era perdido como se pensava. Nos locais de defecação da casa pobre de pescadores, os resíduos era posto em um buraco mais ou menos fundo e deixado por tempos infindos. Os dejetos não serviam para coisa nenhuma, a não ser fazer fedor.

Quando as moças Adélia e Ângela se aprontaram, rumaram na companhia do rapaz Honório para a beira-mar e ali chegaram a adormecer sob o sol intenso do verão. Ângela gozou de excelente plenitude de um calor ardente. Adélia não fez por menos, embora não tivesse um guarda-sol para cobrir seu corpo franzino e quase nu. O rapaz se deleitava com tudo aquilo como o senhor das duas moças. Pela primeira vez ele pode ver o corpo ardente de Adélia tão desprovido de cobertas. Ela era uma jovem moça encantadora, igual a sua irmã. Gente passava ao largo sem perder de vista aqueles corpos esbeltos ao se bronzear a luz do sol. Cada homem se admirava em ver tanta majestade em formosura. E não se cansava em falar:

--- Que bela dama! – diziam alarmados os vermes homens.

Uma bodega transformada em bar e restaurante tinha crustáceos para servir durante à hora do almoço. Os três amigos bem logo se refestelaram de tudo para o sossego do proprietário como um mestre costumava dizer:

--- É o melhor de toda redondeza da praia. – falava o homem a sorrir.

E talvez fosse. Goiamum, ostras, camarões. Tudo servido ao pirão de farinha e mais um pouco de arroz, pimenta de cheiro e – para quem quisesse – tapioca molhada. Os três degustaram de tudo um pouco. No decorrer do almoço, Ângela indagou de repente, a Honório:

--- Você é noivo, Honório! – perguntou a mocinha com um sorriso na face.

--- Menina! Tenha modos! Isso é lá para se perguntar a um rapaz? – retrucou Adélia com raiva

--- Deixa. Ele responde! – relatou a irmã menor.

--- Eu? Mas que pergunta! Não. Não sou noivo e nem tenho namorada! – respondeu o rapaz a sorrir febrilmente.

--- Tá vendo! Nem fez questão. – replicou Ângela a sorrir.

--- Mas não é para se perguntar uma coisa dessas! – respondeu Adélia com raiva a ponto de esganar a irmã.

--- Ora. Besteira. Ele nem se alarmou. Não foi Honório? – perguntou Ângela sorrindo enquanto degustava camarão.

--- Que nada. Eu até me lembrei de uma história. Um rapaz, de seus trinta anos, era aviador. Tinha ele uma namorada. Viveram felizes em todos os momentos de suas vidas. Certo dia, ele partiu em missão, durante a guerra, como sempre fazia. Mas, dessa vez, ele não voltou. Seu avião foi alvejado por um morteiro e ele morreu. Passaram-se dias até que a noiva soube do caso. Então, ela ficou inconformada. Foi isso o fim daquele amor. – disse Honório sem sorrisos.

--- Virgem! Que coisa triste! Parece até um filme! – respondeu Ângela querendo chorar.

--- É. Parece. Mas é a vida. O amor tem seus altos e baixos. Um vive eternamente, sem rusgas. Outro fenece ao entardecer. – destacou Honório.

--- Você é escritor? – perguntou Adélia temerosa.

--- Quem? Eu? Não! Eu trabalho em uma firma de despachos mercantes, perto de você. – respondeu Honório sorrindo.

--- Perto? – perguntou Adélia assustada.

--- É. Perto. No mesmo bairro. – sorriu Honório a Adélia.

--- Ah sim. No mesmo bairro. Eu sei. Não tem mesmo namorada? – indagou Adélia curiosa.

--- Olha quem fala? – sorriu Ângela como por vingança.

E nesse momento Honório sorriu para a mocinha que estava exultante de prazer.

--- Não. Ah não ser essa bela e encantadora garota que tanto me faz sorrir. Se ela quiser, é claro. – sorriu Honório para Ângela.

--- Hum! Não tenho idade para ser noiva. Ela é que tem. Pergunte a ela se quer ser sua noiva! – sorriu Ângela para Honório que continuava a conversar.

--- O amor é como uma rosa. Brota devagar. Em determinado instante, ela floresce. Surge exuberante e cheia e encantos igual a uma açucena. Branca ou vermelha. Porém formosa e de doce olor. – sorriu Honório para Adélia quão extasiada estava.

--- Você é um poeta. Sabe decifrar as mais belas nuances da poesia. – argumentou Adélia.

--- Se eu fosse poeta, talvez você fosse para mim uma rosa. – elevou o rapaz a doce encanto.

--- É. Mas não sou nem uma rosa e você é um poeta. – sorriu Adélia querendo dizer outra coisa

Os dois, Adélia e Honório, ficaram sentados à mesa um olhando para o outro. Ângela somente olhava para um e outro sorrindo devagar, saboreando seus camarões. O minuto demorava uma eternidade a se passar. Adélia ficava ali, só a olhar o rapaz bem dentro dos seus olhos como uma vespa, uma das divindades do Olimpo, filha de Saturno. E ele, com ambas as mãos no queixo a olhava firme, com os cotovelos apoiados à mesa. Nenhum falava coisa alguma. Olhavam-se apenas. Ela mais que exuberante denotava os queixumes de mulher amada. Mas que a eternidade do tempo o minuto se passou e ele lhe fez a demorada questão:

--- Case comigo! – pediu o rapaz a moça quanto não mais se ouvia falar.

--- Mas nem nos conhecemos de verdade. – relutou Adélia em afirmar o sim.

--- Case comigo. Sou eu que te peço. – disse o rapaz no meio de tão infernal barulho dos homéricos fazedores de galhofas em toda a praia da Costa.

--- Vou pensar! – respondeu a moça de modo suave e tranqüilo.

--- E eu fico com quem? – sorriu Ângela ao fim do caso.

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