quarta-feira, 25 de agosto de 2010

MEIAS DE SEDA - 55 -

Marilyn Monroe
- MEIAS DE SEDA -
- 55 -
Em um dia qualquer daquele mês, dona Chiquita, a mãe de Jubal, aproveitou a visita de sua filha Carmen para seguir de mudança para a sua casa onde nada lhe perturbava, nem mesmo os rapazes. Para ambos, Chiquita era a avó querida. E voltar para viver com eles era o máximo que podia acontecer. No seu caminhar para a casa de Carmen, a anciã reclamava horrores com o que estava sendo feito com a nova “hospede” que chegara ao seu ambiente. Para Chiquita, a anciã Helena não valia nem um cruzado, modo de se dizer quando alguém ou alguma coisa não prestava para coisa alguma. No caminhar de carro de aluguel, Chiquita era todo o tempo a dizer tais argumentos. Que Jubal casou com uma mulher por se parecer com a sua antepassada; que ele fazia o que ela queria; que ele não mandava em nada; que a chácara de Mangabeira era outra coisa comprada só para satisfazer a vaidade de Natália; que ele já falava em viajar pelo Brasil e outros desmandos cujo hábito toda mulher começava a falar:

--- Vá ver que ela já está buchuda! – disse a anciã ao pé do ouvido de Carmen.

--- Ô mãe. A senhora também está demais. – respondeu sorrindo a filha.

--- É ruim, a velha! Ainda por cima colocaram no meu quarto para ela dormir! E fica todo o tempo: Isso é rosário? Estais rezando? Quantas contas têm um terço? Run! Que velha mais chata! Eu viro as costas e faço que estou a dormir! Vá pra China! Velha chata! – arrebatou a mulher descompondo a mulher Helena.

Essa foi demais para Carmen que quase morre do sorrir. Por mais que quisesse se recompuser, Carmen não podia fazer coisa alguma sempre a sorrir. A sua mãe estava naqueles dias de ira. Sentia-se tomada do seu canto por uma estranha qualquer. Nem se importava se era mãe de quem ou de quem. Chiquita estava resoluta de não mais voltar para a sua casa e ficar a morar com sua filha queria. Quando falava em Helena, a mulher dizia sempre a mesma coisa:

--- Ela devia está com uma lavagem de roupa! Nem para isso ela presta! – articulou a anciã Chiquita com relação à dona Helena.

Nesse ponto Carmen não se agüentou mais. Estirou suas pernas no interior do carro de praça a sorrir desvairadamente.

O homem do realejo passava pouco antes das onze horas em frente à praça publica do Alecrim a anunciar o Jornal da Cidade que àquela hora estava em sua segunda edição. Morrera o presidente da Republica pela manhã e aquele era o assunto primordial do dia. Todos procuravam saber do fato, mesmo aqueles incrédulos costumados a falar:

--- Já morreu tarde. – diziam os incrédulos de forma arrogante.

--- Ele já devia ter feito isso antes. – respondia outro.

--- Ele morreu mesmo? – era o que se ouvia dizer de uma mulher desatenta.

--- Ai meu Deus. Meu pai morreu. – argumentava mais um que acreditava ser verdade.

O assunto tomou conta da cidade, dos Estados, do Brasil e do Mundo: MORREU O PRESIDENTE DO BRASIL; BRASIL DE LUTO; MORRE O PRESIDENTE. Entre outras manchetes espetaculares. Rádios eram ligados para se ouvir a última noticia. Prantos pelas alamedas. Gente triste, acabrunhada só dia:

--- Como é que pode? O homem estava bom ainda ontem. E hoje morreu! – contestava o mais desconhecido dos homens. E as mulheres, em suas casas, ao pé do rádio, eram só lamento. Preces efusivas eram o que se ouvia. Missas em solene prece aos mortos eram a todos os instantes ouvidos na Igreja Catedral. As Igrejas católicas da cidade se encheram de fieis a rezar contrito o pesar pela morte do Presidente. Choros e prantos, lágrimas derramadas em luto ao abençoado morto. Um drama sem par envolveu o país a só instante e na cidade, o velho do realejo não parava de tocar anunciando o Jornal da Cidade. Para todos os que ouviam era o sinal do realejo, mesmo nos bairros mais afastados, o acorde lamentável da dor compungida. As portas das casas eram fechadas em sinal de luto e de dor aflita. As bodegas abriram apenas somente uma banda de porta para atender aos mais carentes, principalmente a procura de velas. Quanta imensurável dor era sentida pela morte do pai dos pobres. Enfim, era tudo de uma tristeza imensa para cada um dos brasileiros a morte do seu Presidente. Em qualquer local era a tristeza imensa e o deserto em cada um dos sentidos operários no frio agudo daquele mês. O herói nacional teve sua vida ceifada por forças superiores à sua luta popular.

Quando chegou à residência de sua filha, na Tração, dona Chiquita ainda não sabia do ocorrido. Apenas viu as casas com suas portas fechadas. Contudo, não deu muita importância como dizendo:

--- O povo saiu? – disse a anciã verificando casas vizinhas.

--- Não, mãe. O Presidente morreu! – respondeu Carmen com lágrimas nos olhos.

--- E porque estás chorando? – indagou a anciã a sua filha.

--- Por nada, mãe. Por nada. – contrapôs Carmen a sua mãe.

--- Nem na morte do teu pai tu choravas tanto! E agora? – indagou a mulher a sua filha

--- Foi o Presidente que se matou. Eu ouvi o homem do realejo. – respondeu Carmen.

--- Virgem! E ele já sabe disso? – perguntou a anciã.

--- Sabe mãe. Sabe. Todo mundo já sabe. – chorou a jovem mulher falando de forma paciente.

--- Um grande presidente. – retrucou o motorista do carro de aluguel.

A mulher Natália quando retornou a sua nova casa, vindo da Escola, encontrou muita algazarra e lamento. A mais compungida era Olinda, a do meio, cujo pranto não cabia para si. Ao perguntar o que houve, Natália ouviu um triste lamento:

--- Minha avó foi embora outra vez. – respondeu a moça com a voz chorosa.

--- Outra vez? Mas ela há de voltar. Foi passar uns dias fora. Só isso. – respondeu Natália tranqüilizando a mocinha.

--- Não volta não. Ela disse que não voltava mais. – respondeu Olinda para Natália.

--- Bem. Vamos ver. Tudo se ajeita. Hoje não houve aula. Já no fim da aula a mestra suspendeu e mandou todos para casa. Morreu o Presidente. – explicou Natália.

--- Eu vou ligar o radio para ouvir. – respondeu Olinda desesperada.

--- E os outros dois? – perguntou Natália a Olinda.

--- Oceanira? Lá dentro. Otávio, no quarto dele. Tua mãe está deitada. – respondeu Olinda enquanto sintonizava o rádio.

Natália foi até a cozinha onde cumprimentou dona Eunice, avó de José do sítio de feno e viu de perto a moça Oceanira que estava com lágrimas nos olhos. A mulher entendeu o que se passava e disse apenas:

--- Sossegue. Tranqüila! Tudo se ajeita! – recomendou Natália.

A moça nada respondeu. Apenas enxugou as lágrimas caídas em sua face. Ainda olhou de repente para o quarto de sua avó Chiquita e lembrou que ali estava a Helena, mãe de Natália. Com certeza estava a dormir, pois o ressonar que ouvira há pouco tempo dizia que a mulher estaria a dormir. Com o passar do tempo, Oceanira já acostumara com a anciã depois das festivas boas vindas do primeiro dia. A mulher quase em nada falava a não ser quando Oceanira perguntava algo. A anciã tinha um olhar sombrio mas, tinha vez que a sua aparência era da filha Nora ou mesmo de Natalia. Mulher forte para a sua idade, de pouca estatura como deveria ter sido Nora e a exemplo, Natália, mãos suaves, pés delicados e de cor alva. Após passar alguns dias Oceanira lhe perguntou sobre sua mãe, e a mulher respondeu:

--- Ela viveu muito tempo no interior. – dizia Helena com a cabeça abaixada.

--- Mas em que cidade? – perguntou a moça.

--- Não sei. Só me lembro da feira que ela fazia toda semana. – respondia Helena levantando a cabeça e depois baixando de novo.

--- A senhora era pequena? – perguntou a sua neta, pois a mulher dizia ser mãe legítima de Nora, a primeira esposa de Jubal.

--- Era. Meu pai, esse nem me lembro quem foi. Tinha muito homem na casa onde nós morávamos. E minha mãe ficava com um e com outro. – falou Helena a sorrir.

--- Sei. Sei. Mas, me diga se a senhora se lembra de quando é que teve a minha mãe Nora? – perguntou de modo simples a neta de dona Helena.

--- Lembro. Foi no ano de 1915. Eu tive as duas filhas no ano de 15. Era bem moça ainda. E nesse tempo quem podia criar seus filhos era somente gente rica. Assim, uma mulher ficou com Nora e outra ficou com Natália. Isso eu me lembro. Agora quem foi que ficou com cada uma de minhas filhas eu não posso dizer. Eram as duas mulheres de maiores posses que eu, que não tinha nada na vida. – salientou Helena.

--- Quer dizer que a minha casou quando? – indagou Oceanira querendo saber ao certo

--- Nesse tempo eu não estava mais com as meninas. Quer dizer: eu nunca estive a não ser por uns tempos que fiquei na casa de Natália como lavadeira. Porém eu nada dizia a ela ou seus pais. – respondeu Helena olhando para Oceanira.

--- Minha mãe casou quando tinha 20 anos. Isso foi em 1935. Ela perdeu o primeiro filho, teve o segundo que fui eu, passou até 1940 quando veio a Olinda; depois perdeu duas barrigas e, por fim, teve o menor, Otávio. Então, no parto, ela não resistiu e morreu. Essa é a nossa história. – proclamou Oceanira desapontada com a morte de sua mãe para que fora uma excelente progenitora.

--- Eu não sei se ela teve sorte ou não. Eu acho que não, pois veio a morrer de parto. Agora, no seu tempo, ela teve mais sorte com a mãe adotiva. Ela jamais soube de alguma coisa, penso eu. – falou Helena desapontada.

--- E seu trabalho na casa de Natália foi para que? – perguntou Oceanira curiosa.

--- Foi para ver a minha filha. Não lhe dizia quem eu era. Mas estava com ela por um breve período. Depois eu fui embora. Voltei algumas vezes. Mas, ela já estava crescendo e eu vi que não precisava dizer a ela quem eu era. – articulou Helena.

--- Mas a senhora sofreu bastante. – falou Oceanira querendo cativar a sua avó.

--- Sofri muito. A gente tem um filho. Dá esse filho a alguém. E depois tem que voltar e não pode dizer que é a sua mãe – falou a mulher chorando.

--- Não precisa chorar. Agora a senhora está junto a ela e na casa que foi de sua irmã. Eu sou parecida com minha mãe. Então a senhora tem agora aqui duas filhas. Não gêmeas. Mas pode considerar a minha gratidão como de uma também filha que não é gêmea, porém que se torna gêmea. – respondeu Oceanira abraçado a anciã.

Nesse instante, a mulher colou a sua face nos seis de Oceanira dizendo que aquilo era tudo o que gostaria de ter. Podia até morrer. Mas já conseguira encontra a sua filha amada.

O tempo passou, o dia chegara ao fim e Helena adormecera em seu leito.

No mês de janeiro de 1955, Jubal programou uma viagem levando consigo a esposa, Natália, a filha adotiva de Natália de nome Mirna, os filhos de Jubal, que eram; Otavio, Olinda e Oceanira. Todo esse pessoal e mais a bagagem de cada um. Ele pretendia passar as férias do mês em um local aprazível, em outro Estado. A viagem foi feita com êxito. Natalia recomendou a sua mãe muito sossego em companhia de Eunice, a empregada doméstica, e do seu filho José, jovem que tomava conta dos sítios na margem da rede ferroviária e da chácara de Mangabeira. Eles partiram logo cedo, pois eram quatro horas quando o carro de praça estacionou em frente a residência dos Valadares Guimarães. Tão logo chegou, o motorista tratou de arrumar as malas no bagageiro e dentro da mala do carro com a maior pressa possível. Jubal, Natália, Mirna e Oceanira também estavam no local para ajudar. Em poucos minutos o carro saiu com seis passageiros, uma exorbitância para o veiculo, pois o automóvel somente levaria quatro passageiros. Para acomodar toda agente, o menino, Otávio foi ao colo de sua irmã Oceanira e a menina Olinda, mesmo com seus quinze anos, foi sentada no colo de Natalia. A viagem era curta. Em um instante o veiculo chegou a Estação Ferroviária, onde a família Valadares embarcaria no trem das cinco e meia. Do momento até o trem chegar à estação de embarque, foi tempo. A fila de gente se formou no meio do salão com suas bagagens. Gente que viajaria nos carros de segunda categoria. Gente que seguia viagem nos de primeira classe. Crianças chorando, outras perguntando:

--- Minha boneca, mãe? – perguntava uma menina.

--- Você deixou em cima da cama, - dizia a mãe da menina.

E tome choro para quem suportar. Enfim, o embarque. O trem chegou meia hora antes para arrumar o pessoal. Jubal já estava com as passagens na mão. Eram seis ao todo. No carro de segunda categoria, o povo se arrumava de qualquer jeito. Enquanto os vagões de primeira, as cadeiras eram alcochoadas. Tinha um porem: o gabinete sanitário era daqueles que se olhar, era para ver o chão embaixo. Só era usado quando o trem estava trafegando. Quando o relógio da estação marcava cinco e meia, o trem apitou três vezes. Então começou o sufoco da meninada. Uma algazarra e tanto. O trem fazendo fumaça e sacudindo para trás. Era lenha queimando e brasa soltando para baixo da composição. Entre uma coisa e outra, advertência de Natália:

--- Olha quem está atrás, do outro lado! – advertiu Natália em bons modos.

Jubal olhou para trás e viu duas freira e uma noviça. A noviça pelo que pode ver, era Salésia que seguia para o Convento em outro Estado.

--- É Salésia! – disse o homem espantado.

--- Fale com ela. Não seja mal educado. – respondeu Natália sorrindo.

--- E eu posso? – indagou Jubal espantadíssimo.

--- Fale com a Madre que ela consente. – respondeu Natália com suavidade.

Jubal se levantou quando o trem dava os primeiros solavancos. Ele procurou se aprumar e chegou até a Madre. Então perguntou se podia falar com a noviça. A Madre da frente com quem Jubal falava falou para a Madre de detrás. E essa ouviu a noviça ao dizer que o homem queria cumprimentá-la. A noviça fez que sim, era amigo da família, mas não descruzou em momento algum os braços postos um dentro do outro pelo ábito. Finalmente ele pode corresponder com a noviça, pois estava em viagem de férias com a sua família. E ainda estava até com Oceanira, amiga da noviça Salésia. Ela fez que sim, porém não sorriu, olhando apenas para a sua Madre acompanhante.

--- Boa viagem para as três irmãs. – falou Jubal acanhado com a recepção negativa.

O trem seguiu carreira estrada a fora, comendo lenha, soltando brasa, apitando antes de cada curva. O Chefe do Trem, homem jovem, todo fardado e de quepe vinha pelo corredor picotando as passagens dos passageiros, como era de praxe.

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