segunda-feira, 9 de agosto de 2010

MEIAS DE SEDA - 38 -

- MEIAS DE SEDA -
- 38 -

No Jornal da Cidade, em outro dia, Pedro Nunes, editor geral, estava conferindo as matérias que haviam chegado. De repente, entrou na redação, afugentado, cheirando a bebida, mas consciente de si, o repórter Geraldo. De imediato, o editor perguntou-lhe com um gesto no rosto e as mãos abertas para um lado e para o outro como quem perguntava:


--- “O que há de novo?” – indagou sem falar o editor.

--- Uma bomba. Tremenda bomba. Um engenheiro foi morto em sua casa por um grupo de marginais. – disse o repórter Geraldo.

--- E o quem isso a ver com as calças? – indagou Nunes.

--- A mulher do homem foi quem arquitetou o crime! – respondeu Geraldo muito nervoso, com as suas calças caindo abaixo da cintura, gordo que não tinha tamanho e pele morena com olhos aboticados.

--- Faça a matéria. – respondeu Nunes.

--- Tem mais! Essa é só nossa. Um carro virou na estrada do aeroporto. – respondeu o repórter.

--- Essa é de menos importância. – comentou Nunes voltando a conferir o seu material.

--- Tem um detalhe: o fotógrafo pegou o carro na virada, de rodas pra cima. – disse Geraldo ao editor.

--- Besteira! – respondeu Nunes.

--- Besteira, não. Morreu o Secretario do Governador e outro funcionário do Gabinete Civil. – contestou Geraldo cheio de suor pela face.

--- Como? E você fica aí parado. Veja a matéria da virada. A da mulher a gente coloca na página de dentro. – gritou o editor se preparando para ver as fotos tiradas no local do acidente. O fotógrafo já estava revelando as fotos do carro virado de rodas pra cima

Pedro Nunes perguntou ao fotógrafo Jair como foi que ele tirou aquela foto pegando o carro no momento da virada, exatamente o momento mais difícil de uma foto. Jair explicou que viu o carro em tremenda velocidade e disse consigo:

--- Vai virar! - - falou o fotografo Jair.

Mostrando o gesto como Fe, e pegou o carro na virada, com as rodas para cima, coisa muito rara em fotografia de jornal, em uma maquina comum, já que não havia maquina melhor de se trabalhar do que aquelas que Jair possuía. O jovem fotógrafo tremia pelo êxito da sua façanha. Nunes se congratulou com o rapaz e prometeu um aumento no seu vencimento e o seu nome na foto, ocorrência que não era feita na época por nenhum jornal de circulação nacional. “Jair agradeceu e mostrou-se alegre e cheio de pompa por saber que ele era um “nome” no Jornal da Cidade”. Não pensou ele que aquela decisão da editoria seria virada em lei de modo nacional alguns anos depois.

No dia seguinte o Jornal saiu às bancas com uma tiragem monumental e o primeiro jornal da cidade levou horas para sair porque estava bastante atrasada a procura de informações sobre a vidada do carro com a morte de Augusto Consorte, vítima do triste acidente que o trucidou deixando todo o Estado em situação de luto. A vítima do lamentável acidente era nada menos que o Chefe da Casa Civil e estaria seguindo para uma reunião em outro Estado, representado o Governador do seu Estado. A segunda vítima fatal foi um dos assessores imediatos do Secretário Geral. Houve a decisão do Governo em decretar luto oficial por causa da morte de seu Secretario. Na cidade e em todo o Estado esse era o assunto principal das conversas.

--- Como é que pode? O carro virar em uma estrada tão organizada? – dizia alguém.

--- É isso mesmo. Velocidade para não perder o vôo. – respondia outro.

--- E ele morreu mesmo? – perguntou um ébrio que parecia ter dormido o dia todo.

O Jornal, no dia seguinte, destacou equipes de vários setores para cobrir o velório de Augusto Consorte. Tomar opiniões de demais secretários e amigos do morto, ouvir opiniões de deputados estaduais, federais, senadores que por aqui estivessem tomar depoimentos do Prefeito da Cidade e de demais prefeitos que aqui chegassem. Colher as impressões de vereadores, inclusive do presidente da Câmara Municipal e até mesmo de adversários de Augusto Consorte. Ouvir o Reitor da Universidade a respeito da vida que a vítima levava. A opinião de alguém que apontou Augusto como possível candidato ao governo do Estado. Refazer o percurso que um dia antes fizera o Chefe da Casa Civil até o instante de sua morte. Enfim: entrevistar o próprio fotógrafo o que ele sentira ao tirar a foto do carro ainda capotando:

--- Não senti nada. Eu nem sabia quem era. Vi apenas o carro em alta velocidade vinda em direção contrária ao nosso e eu disse na hora: “Vai virar!” E acompanhei com a câmera até que o carro virou e eu registrei o veículo de rodas para cima. Depois é que o repórter desceu do carro de reportagem e viu que ali estava alguém de certa importância. Para mim, não havia alguém assim. Eu apenas tomava a cena de outros ângulos. O carro já no mato, com as rodas viradas para cima. Eu acho que ele virou umas quatro ou cinco vezes até chegar ao matagal existente na estada. Isso não dava para se sentir coisa alguma. Eu só documentei o fato.

--- E se alguém dissesse que aquele era o carro do secretário, o que você faria. – perguntou a repórter ao fotógrafo.

--- Eu não sei. Não procuro fama nem ambição. Eu documento o fato. O que se eu faria, eu não sei. Apenas tirava a foto como tirei. – declarou Jair.

Essas e mais perguntas foram feitas ao rapaz magro, quase esquelético, de boné na cabeça, roupa suja como de alguém que estava andado no matagal, sapatos velhos de segunda categoria, respiração ofegante. Era tudo que Jair detinha em seu poder sem marcos nem glórias.

A urna mortuária ficou em câmara ardente no saguão do Palácio do Governo, em local aberto ao público chamado, por sinal, de Salão Negro, por ser todo coberto de negro quando alguma autoridade morria e tinha que ser velado naquele local. Filas imensas se formavam. Pessoas de todas as classes sociais eram vistas para dar o seu último adeus ao secretario Augusto Consorte. O homem era bem conhecido de todos os que o visitavam. Talvez por isso alguém falasse em seu nome para o Governo do Estado. Risonho e brincalhão, ele dirigia uma empresa da indústria instalada na Cidade, como sócio majoritário e não raro era visto pelos seus amigos a tomar banho de mar com as suas crianças na chamava Avenida Circular. Ele, sua mulher Darci, as crianças e duas empregadas que cuidavam dos meninos.

O cortejo demorou quase o dia inteiro do seguinte ao acidente. No final da tarde, houve o seu sepultamento do Cemitério da Cidade seguido por um cortejo enorme e que foi documentado por todas as equipes do Jornal da Cidade para a sua reprodução em segunda edição do jornal. Pedro Nunes estava morto de cansaço até acabar toda aquela funesta situação de um dia bastante delicado para todos os repórteres que faziam a cobertura dos acontecimentos da cidade e do Estado. Ele esteve em Palácio levando o seu pesar ao Governador e de toda a redação. Quando alguém lhe perguntou como foi tirada aquela foto do acidente, Nunes respondeu:

--- Sorte do profissional. Dedicação do fotógrafo. Só isso. – respondeu Nunes.

--- Eu pensei que tinha sido feita uma montagem da foto para mostrar o carro de rodas para cima. – argumentou outro perguntador.

--- Meus repórteres e fotógrafos trabalham com dedicação. Eles não precisão de outras lições de jornalismo. O trabalho é puro e exclusivo. – respondeu Nunes um pouco irritado com a observação feita pelo o homem perguntador.

Todos os passantes que estavam na sala do Governador ficaram em silencio a não ser um que chegou a dizer para um outro companheiro que aquela observação tinha sido burra demais.

--- Burro. É que esse sujeito é! – falou o homem meio cabisbaixo.


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