quarta-feira, 18 de agosto de 2010

MEIAS DE SEDA - 48 -

Loretta Young
- MEIAS DE SEDA -
- 48 -



Naquele dia Doca estava triste com a cara de quem chorava. No café da manhã, as mulheres providenciavam os acertos para servir a todos os que procuravam.: cuscuz, tapioca, bolo, mungunzá entre outras iguarias de sempre. O Café de Dona estava repleto de pessoas que costumavam ir para fazer sua primeira refeição da manhã. A quase idosa mulher estava sentada em um banco, com o cotovelo encostado na mesa, o braço em pêndulo, a mão escorada na cabeça e o braço esquerdo pendido para o chão. Sua cara era de uma mulher triste, pensativa, acabrunhada, melancólica se como o mundo estivesse no fim. Olhar abatido perdido no espaço infinito, cabisbaixa como sendo uma estatua de bronze tolhido pelo desengano de uma mulher doente. Era assim Dona Doca naquela hora de desmesurada e infindável retraimento. Em seu colo, a ponta de um envelope de carta vinda não se sabia de onde. Talvez de muito longe até como se alguém pedisse a misericórdia divina para uma mulher infeliz. No seu pesar magoado, uma das mulheres que a auxiliava veio em seu auxilio buscando acudi-la para que algo ressuscitasse aquele corpo mortal. E então, a mulher viu de longe o envelope de carta. E, por assim, perguntou:


--- Carta para você, Doca? – perguntou a mulher.

Doca demorou em responder para, por fim contrapor:

--- Não! – com a sua voz quase em prantos e olhar perdido.

--- Não? Para quem então? – perguntou a mulher ajudante.

--- Minha filha! – respondeu a mulher aos prantos.

--- Mas ela está morta! Coitada! Morreu e a pessoa nem sabia! – falou a ajudante.

Doca nada respondeu. Continuou com seu olhar perdido no espaço e a cabeça pensa.

--- Deixa aqui! Se para ela, deixa aqui. Só ela pode ler. Se ela não vem, então deixa aqui. – finalizou dona Doca.

Então a mulher começou a chorar lento. Em momento de desdita, Doca baixou a cabeça, enfurnando por entre os braços no rigor de que o mundo para ela, não restava mais. Zilene morrera com a sua mãe, era o que Doca pensava. Então não foi Zilene quem morreu. Foi todo o universo. E acabara-se, portanto a vida que Doca sempre experimentara existir. O pessoal que estava no Café perguntava em voz baixa o que estaria havendo com a mulher que, naquela hora, estava assim tão tristonha. Como ninguém sabia a razão, muitos dos quais faziam apenas olhar e para o que perguntou diziam mudos com os ombros para cima e para baixo dando a impressão de que não sabiam mesmo.

As horas passaram e Doca continuava ali sentada, pensativa apenas para quem esteve com ela todo um tempo e que depois se foi para não mais voltar. Choro e lágrimas, cabeça baixada na mesa. Isso era tudo o que restava a mulher fazer. Em derradeiro momento a ajudante pediu por caridade que ela pudesse ler o conteúdo da carta, uma vez que Doca não sabia ler e que Zilene já estava morta para todos os séculos. Doca olhou para a sua ajudante e no derradeiro instante abriu bem os olhos e respondeu:

--- Quer saber? Ninguém vai ler coisa nenhuma! Ela foi mandada para a minha querida Zilene e ninguém mais pode saber desse segredo. – falou com raiva a mulher.

--- Mas mulher, tenha paciência. Zilene pode está até querendo que a senhora saiba. A senhora não acredita nisso. Mas a santa Zilene se encontra aqui nesse momento. Ela está ao seu lado pedindo a senhora faça isso. Eu digo por que eu escuto o que ela diz. Esta alegre. Não chora. Diz que a vida é muito boa de onde ela está. E vai estar aqui quando a senhora partir para o lado dela. Disse mais: seu pai vai ficar bom. Espere. Espere. Sim. Disse que ela não teme a morte por que a morte é apenas uma passagem de um lugar para outro. E falou da sua mãe. Ela diz que a sua mãe vai voltar a Terra na barriga de Salésia. Ela diz tudo isso. Salésia está no Convento, mas não vai ser freira. Ela disse que a moça vai voltar para a casa dos seus pais. A carta é de uma amiga que ela teve quando estava com a senhora. Foi o que ela disse. – falou a ajudante de Doca.

A mulher estremeceu de alegria e quase gritando, perguntou:

--- Você Jura que ela está aqui? Você está vendo a minha menina? Ela disse tudo isso? E quem é Salésia? – perguntou alvoroçada a mulher.

--- Espere. Espere. Ela vai dizer por minha voz. – respondeu a ajudante.

E Doca ficou impaciente nesse momento de saber que podia ouvir a filha falar. Era algo impressionante. Algo que ela mesma não acreditava. E a mulher ajudante se sentou ao lado de Doca, fez um esforço e de um momento para outro estava já incorporada em Zilene.

--- Sua bênção minha mãe. A senhora não acredita que eu esteja viva. Mas estou. Estou bem aqui. Desde que a senhora chegou que está triste. Sabe por quê? Era eu quem queria “falar” com a senhora. Sabe minha mãe. Minha avó vai voltar a Terra como filha de Salésia. A moça é hoje um aprendiz de noviça. Mas, não vai ser Freira. Ela volta para casar com seu Jubal. É isso o que tenho a lhe dizer. – falou Zilene pela voz de uma ajudante da cozinha de Doca.

Diante de tal fato, Doca não suportou o embate e ali mesmo perdeu os sentidos. A ajudante se recompor e teve que levar quase meia hora para fazer Doca se recompor. Quando isso aconteceu, a mulher já estava sem nem poder falar. Toda a gente do Mercado veio ver o que estava a acontecer. E em alarmes dizia:

--- A mulher acordou! A mulher acordou! Vejam! Vejam!. – dizia o pessoal que lotava a banca de Café de dona Doca.

--- Isso é mentira dessa outra mulher. Ela fez de conta de que estava falando com o espírito da morta. – reclamou um incrédulo que se postou ali para ouvir.

--- Você é um sacrílego. Não vês que a mulher esta cansada? – perguntou um espírita.

--- Cansada que nada. Ela está precisando é de. ... – e parou o ateu ao dizer isso.

--- Sacrílego! Sacrílego! – respondia o espírita, com muita raiva.

--- Deus seja louvado. – respondeu um cristão.

--- Amém. Amem. – disse outro ao se benzer.

Um crente que estava no local para ver em que dava aquela situação inusitada, nada respondeu, saindo devagar, para outra banca de café. Doca chegou a ser levada para um consultório de um médico espírita que receitou um calmante e disse que ela devia freqüentar as sessões espíritas kardecistas para tranqüilizar o espírito de Zilene, pois conforme ele ouviu era um “espírito de luz” e que precisava ser chamado para se incorporar em um médio vidente de uma sessão e ser doutrinado para poder alcançar a verdadeira luz que um espírito mais pudesse fazer pelo seu semelhante. O médico não cobrou nada pela consulta. Ele morava uma rua depois do Mercado. Ele era um homem idoso que só trajava branco, inclusive as chinelas. Seu cabelo da cabeça era todo branco. Muito embora fosse espírita, ele conduzia o consultório regularmente como se não fosse espírita.

A mulher saiu de sua clínica mais aliviada e procurou saber de sua ajudante onde tinha um centro espírita que ela pretendia ir às sessões. Doca tinha medo de ir sozinha e combinou com a sua ajudante para ir com ela todas as segundas e quartas-feiras, regularmente ao Centro Espírita escolhido pela ajudante. O Centro ficava em uma rua da Cidade e ele se comprometeu em ir todas as sessões programadas.

--- É bom minha patroa. É bom. A senhora vai gostar. Nesse Centro tudo é paz. Depois de cada sessão tem os passes que todos nós tomamos. A senhora pode tomar passe pois não ofende a ninguém. A senhora vai notar como sua vida melhora. E a de Zilene também. Pode até haver uma sessão especial para a senhora falar com sua filha. Sabe o que acontece? Muitas vezes, nós nem somos filha de uma pessoa. Somos de outras vidas como filha daquela que hoje é nossa filha. Tudo é expiação. Tudo! – resumiu a ajudante do Café.

--- E a senhora é também desse Centro? – perguntou dona Doca.

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