segunda-feira, 30 de novembro de 2009

RIBEIRA - 391

- AS TIAS -
Certa tarde de um mês de verão, com muito calor, chegaram à minha casa três senhoras bem vestidas, perfumosas e de rosto colorido pela maquiagem. Subiram os quatro degraus da calçada e. depois mais três que dava acesso a varanda e se encostaram na parede da janela que dava para a rua. Duas das três eram minhas tias: Alice e Leonor. A terceira pessoa era uma moça que tia Alice criava desde que ela era menina, depois da morte de sua mãe. Seu nome era Alba. As duas senhoras cumprimentaram o meu pai, um senhor gordo e que estava sentado à mesa, corrigindo provas de seus alunos. A mesa era de uns 2,5 metros de cumprimento por 2 metros de largura. Naquela hora, toda a mesa estava cheia de cadernos dos alunos com meu pai a corrigir. Ele foi tomado de surpresa pela algazarra das visitas. É que, o homem estava apenas vestindo uma ceroula ou cueca como se diz, sentado a seu bel prazer, sem se importar com quem vinha ou quem ía. A casa era pobre. A encanação da água fora posta recentemente e a luz elétrica também. Nós moravamos naquele local desde o ano de 1953. Quando as minhas tias chegaram à janela, meu pai foi pego de surpresa. Ele só vestia ceroula e nada mais. O cumprimento das visitas foi breve e alegre:
--- Boa tarde, João. Onde está Nera? - perguntou tia Alice seguida por tia Leonor.
--- Boa tarde! Como vão vocês? Nera? Ela foi pra lá..Casa de Justa! - respondeu o meu pai, se enroscando todo para não mostra que estava apenas de ceroula.
--- E foi? Arrastamos a mala! - disse tia Alice e tia Leonor enquanto eu pedia a benção das duas.
Era uma viagem e tanto que as duas irmãs tinham feito em companhia de Alba, a moça. Elas vieram da Cidade para Petrópoles, de Bonde, creiu eu, e deram o percurso perdido. Minha mãe, vez por outra saía de casa para ir à moradia de Justa ou de Anunciada, suas irmãs, sem nada falar. Depois, ao voltar ela trazia bolos para o nosso café da noite.
--- Ô calor! Tem água aí? - perguntou tia Leonor.
--- Tem, sim! - respondeu com sua voz calma, meu pai. E me disse para que eu buscasse a água.
Descruzei as pernas que as tinha em forma de quatro e saí, correndo, até a cozinha, trazendo a quartinha e voltei para buscar mais três copos, retornando em seguida, servindo a água para as visitantes. Um para Alice, outro para Leonor e o terceiro para Alba, a filha de criação de Alice.
Sei bem o que as duas irmãs conversavam depois de tomar a água.
--- O que é que a gente faz? - perguntou Alice.
--- Nada. Vamos voltar. Arrastar a mala! - respondeu tia Leonor, caíndo na risada.
Depois do adeus tão inesperado das duas senhoras, João, meu pai, respondeu em troca, olhando se as tres mulheres desciam a calçada. De minha parte, eu vi de resto quando elas desceram, e tomaram à rua, alegres e conversadeiras, cada qual no seu coxixo, sorrindo a qualquer coisa. Eu imaginei do que elas sorriam: meu pai de cueca sem nem se poder levantar. A rua não era calçada e, do outro lado, as casas também não tinham calçamento. Era tudo barro batido. As mulheres chegaram à esquina de baixo, pois a casa que nós morávamos era em uma ladeira, e tomaram rumo desconhecido. Sei que, quando minha mãe foi à casa de tia Alice, tempos depois, o assunto rendeu muito, com as alegres conversas entre as duas irmãs.
As minhas tias: Justa, Leonor, Alice e Iracy, costumavam fazer bolo, cocada e outras guloseimas na casa da minha avó, Estefânia, onde se vendia de tudo o que se fazia, inclusive polí (picolé) e sorvetes dos mais variados estilos. Não raro, minha avó fazia por encomenda. Bolos caprichosos e lindamente perfumosos que tomavam conta de todo o quarteirão, na rua da Estrela, onde meu avô, Miguel Leandro, havia construido várias casas de aluguel. Casas muito boas, por sinal. O local de dona Estefânia era por demais conhecido e, muita gente preferia comprar bolo feito pela mulher com a ajuda de suas filhas. Para minha mãe, apenas sobrou a receita do bolo "Paraíso", uma doçura de bolo, um alimento a base de massa de farinha de trigo, geralmente doce e cozido no forno. Era tudo o que a minha mãe tinha de receita. As meninas, quando alguém pedia para fazer um bolo, elas levavam à casa do freguês, quase sempre um morador das proximidades. De um modo em geral, todas as moças de avô Estefânia sabiam fazer bolo dos mais variados estilos. Além de prático e super gostoso, o bolo ficava bem soltinho e pronto para ser consumido
E foi assim, com o cheiro de bolo, doces, comportas e cocadas que a minhã avó Estefânia colheu os louros de sua fama. Agora: nem todos podiam beliscar os tais bolos de Estefânia porque, senão, era posto de castigo.
--- Menino trelouso! - dizia sempre ela aos afoitos e destemidos garotos que se detinham em beliscar os tais maravilhosos e nobre açucarados bolos, pudins, comportas e outros, feitos especialmente por ela, para aniversários e casamentos, ornados artísticamente para ocupar o lugar central da mesa.
No entanto, tais delícias eram feitas para serem comidas em lanches ou no café-da-manhã. Os bolos de dona Estefânia eram um segredo que ela não dizia a ninguém. Sabia-se, porém, que levavam os ingredientes normais dos bolos, como trigo, maisena, açúcar, óvos, manteiga, leite e côco. Por muito tempo, tia Justa ainda fazia tais guloseimas para vender na porta de casa.
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domingo, 29 de novembro de 2009

RIBEIRA - 390

- QUARTEL -
Para quem tem uma família extensa, coisas estranhas acontecem do decorrer da vida. Uma delas envolve o nome de Antônio de Castro que terminou sendo Coronel da Polícia Militar do Rio Grande do Norte. Eu conheci Antônio de Castro quando eu era menino. E nem ligava para coisa alguma, apesar de ver em sua casa uma filha dele chamada Pola que não era filha de tia Alice. Para mim, tanto faz como tanto fez. E 'tamos conversados!. Acontece que, hoje, fazendo a árvore genealógica de meus avós deparei com um cisma: quem era a mulher de Antônio de Castro, antes de tia Alice? Daí fui à procura, batendo por todos os cantos. Eu já sabia que ele tinha uma filha, Pola, e um filho, Antonio, que nós procurávamos chamá-lo de Tonheca. Porém, ainda havia pelo menos mais duas filhas desse tal primeiro casamento. Então, vamos nós escavacar. Puxa daqui, puxa dalí até que encontramos o nome de uma filha de Antônio de Castro que ainda vive. Seu nome: Alba. Eureka!!! E descobri ainda que Alba mora com minha tia Alice. EUREKA!!!. Daí foi entrar em contato com Alba para saber o nome exato de sua verdadeira mãe. Ela não falou. Mas uma prima minha perguntou-lhe como se chamava a sua mãe. E ela, respondeu: Florência. Florência de Castro, prima legítima de Antônio de Castro, pois, no seu tempo, era comum casar primo com primo. E foi assim que houve a união. E dessa união nasceram Alba, Pola, Maria e Antônio que nós chamavamos de Tonheca. A mãe desses "meninos" morreu logo cedo deixando viúvo Antônio de Castro. O velho Coronel para se tornar Soldado teve que alterar a idade em dois anos, pois Antônio, do jeito que estava nâo cumpria a idade de soldado. Passados os poréns, Antonio de Castro entrou na Polícia, ganhando pouco, recebendo com atraso, sendo obrigado a desempenhar funções às mais dificeis, quer na Capital, quer no interior. Em março de 1935, ele conheceu Alice, 19 anos de idade. Casaram-se e ficaram morando na casa do meu avô, Miguel Leandro. Três meses depois do casamento de Alice, o meu avô morria. E Antônio largou para o interior cumprir a função de delegado da cidade de Caicó. Vez por outra vinha a Natal. Nesses tempos difícies, Alice engravidou do seu primeiro filho. Airton. Daí em diante vieram os outros, como Valda (Valdinha), Ney (nascido em Caicó), Euclides, Berilo e, por fim, Ana Cristina. Mesmo sendo já tenente da Polícia, Antonio de Castro teve uma vida ingrata. Jamais conseguiu ter uma casa própria. Foi assim que ele morou na rua Mossoró, na rua Professor Zuza - em casa pertencente a meu tio Zeca (José Leandro) - e em outros pontos da cidade e do Tirol, na rua Hemetério Fernandes, sempre pagando aluguel. Para se valer da sorte, tinha a ajuda de Alba e Maria que sempre deram ao casal tudo que ele precisava, inclusive comida. Depois de chegar ao Corenalato, Antônio de Castro foi para a Reserva, ganhando muito pouco e daí, pôs uma "fabriqueta" de sabão em barra, em uma rua que ficava por trás de uma casa de recurso, entre as ruas Silva Jardim e General Glicério, no bairro das Rocas. Jamais deixou faltar alimento em sua casa, mesmo tendo que se virar e conseguir por fiado. Ney formou-se em Direito, profissão que abandonou entrando, então para o serviço em uma Casa Bancária, Airton conseguiu colocação na UFRN, Euclides se formou como veterinário, Berilo como médico, Valda trabalhava na Assembléia Legislativa, e Ana Cristina ficou até hoje trabalhando na Universidade Federal. Valdinha morreu em um acidente de tráfego. Os demais filhos, todos morreram, menos Alba. Em atropelamento quando vinha da Missa, morreu Pola. Tonhaca foi criado por uma tia por nome de Nadir. Hoje, tia Alice, já viúva, reside em um apartamento aquirido com os ordenados de seus filhos adultos e criados. Já velha, 94 anos, ela vive a vida toda deitada ou assistindo tv. Da vida atribulada de uma mulher de Coronel guarda apenas a lembrança. Jamais deixou de pagar em dias a prestação do mês de sua casa, na rua Professor Zuza. E nem de outras, também. Nunca pediu dinheiro emprestado a seus irmãos mais ricos. Não foram raros os momentos que seus filhos saíam de casa para a escola com um pé calçado e outro de chinelo. Dias dificeis, aqueles. Da herança de meu avô, lheu coube uma quantia de tres contos de reis que deu para fazer apenas uma chapa (dentadura) de uma das partes da boca. Ainda hoje guarda a célebre dentadura. Dos filhos, guarda apenas a lembrança, com exceção de Ana Cristina e de sua quase filha Alba. Os demais a visitam quase sempre para pedir a bênção. Quase sempre. Essa, parece até uma história de Trancoso. Mas, não é. Tão somente uma pura verdade de uma viúva, irmã de 15 irmãos.
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sábado, 28 de novembro de 2009

RIBEIRA - 389

- OS FILHOS -
Certa vez, em um dia de um ano, com certeza, no ano de 1916, pois o menino de colo é Miguel, o filho mais novo, Miguel Leandro e dona Estafânia, juntaram a filharada e saíram à rua para tirar uma foto, provavelmente na Ribeira, pois era o único bairro de Natal onde se tirava fotografia. Então, os filhos graúdos e pequenos se juntaram para fazer tal foto, lembrança de um tempo remoto que não volta mais. Pode-se ver na foto, Miguel Leandro, próximo a um garoto, seu filho e de dona Estefânia, sentada, bem gorducha, com um filho no colo. Tais fotos são uma verdadeira relíquia histórica, pois até a lembrança de uma pessoa passa a falhar, quando não há mais ninguém dessas belas fotografias ainda vivo, salvo Alice que, hoje, tem 94 anos de idade. Eu lembro que, minha mãe, Nera, dizia que, por alguma vez, eles foram tirar fotos - no bairro da Ribeira, talvez - porém não entrava em detalhes. Talvez, por minha ignorância, eu também não perguntava um pormenor. O que eu me lembro - não muito bem - é de que minha mãe contava sobre as viagens de ela e os seus irmãos, mais os seus pais - Miguel e Estefânia - faziam para passar algum tempo nos arredores de Macaiba, onde Miguel (Leandro) nasceu. A viagem era feita em lombo de mulas e minha mãe dizia que tal fato lhe causava um medo tremendo. Os seus pais íam na frente de todos: Miguel, em uma mula e Estefânia, em outra. Atrás dos dois, se juntava a filharada, com uns tropeiros a cuidar das mulas para que não houvesse acidente. Ela - a minha mãe - contava que, em certas ocasiões, viajavam no lombo das mulas os filhos - homens - mais crescidos, como Cícero - o mais velho de todos - Crispin ou mesmo Euzébio que a turma - dos irmãos - chamava de Zebinho. Os miúdos, principalmente as meninas e mesmo as quase moças, e os rebentos menores, seguiam viagem nos caçuás postados um em cada lado dos animais. Tais caçuás, eram recobertos com flanelas, todas bem alcochoadas. As mulas eram vagarosas, e mesmo que quisessem correr, tinha o chefe da turma que fazia com mais vagar e, assim, os animais obedeciam. A que horas saia a caravana? Não perguntei a minha mãe. E nem sei a que horas chegava nos arredores de Macaíba. Sei, apenas, que o destino final ficava próximo ao tal Engenho "Ferreiro Torto", local de muita contenda nos ídos de 1645 entre os invasores holandeses e os desarmados portugueses que lutaram até o derradeiro cartucho, se é que tinham cartucho. Sei bem que, dos que lutavam - os portugueses -, muitos dos quais escaparam pelas veredas do sertão chamado bruto, e bateram em retirada. Coisa de louco!!. Os invassores, depois de matar toda a gente, ocuparam o Engenho. Porém, Miguel não alcançou mais esse tempo. Ele nasceu alí, no ano de 1867, filho de Leandro da Cruz do Nascimento e Luíza Victorino de Jesus. Somente tecia viagem para matar a saudade - ele e a mulher, Estefânia -, pois, certamente de ambos não havia mais parente em vida. Talvez, talvez. Eu me lembro de outra coisa, havida no Mercado da Cidade, onde uma mulher procurou encontrar tia Nôza - Leonor - para lhe dizer que ela (a mulher) era a sua avó, mãe da mãe de Leonor. Tia Nôza correu em debandada e não quis mais ouvir conversa. Nesse tempo, Nôza era mocinha dos seus 13 anos. Depois de passar alguns dias na fazenda nos arredores do Engenho "Ferreiro Torto", a miunçada valtava à cidade, outra vez no lombo de burro mulo e aqui continuava as suas tarefas. Minha mãe dizia que o meu avô era cizudo e pouco conversava com os seus filhos, coisa que não deixava transparecer em sua feição de homem simples porém de grande saber e instrução. Segundo a minha mãe, os filhos não tinham permissão de passar na sala de visita se meu avô estivesse a conversar com uma visita. E, outra coisa, era pedir autorização para ir até mesmo a uma Missa. Os filhos faziam esse pedido à sua mãe. Contava a minha mãe que, entre Miguel Leandro e o Governador do Estado, Rafael Fernandes na época, havia uma certa querela a ponto de Rafael Fernandes mandar soltar fogos no dia da morte de Miguel, coisa que em toda a pequena cidade se ouvia. Esse incidente magoou profundamente os filhos de Miguel Leandro. Coisa da vida de um Tabelião do 1º Cartório de Oficios e Notas.
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Veja também:

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

RIBEIRA - 388

- SÃO TOMÉ -
Um apóstolode Cristo, aquele do "ver para crer", São Tomé protagonizou um dos raros mitos luso-brasileiros: o de sua própria estada na América do Sul. Sua presença no Oriente, desenvolvendo uma comunidade cristã naquela parte do mundo, já era conhecida no século VI, quando Gregório de Tours citou o fato em seus escritos. Logo sua fama chegou à Inglaterra, cujo rei Alfredo lhes mandou em embaixada, com muitos presentes, em 883, o bispo Sigelmus de Sheborne. Consta aínda que alemão Henrique de Murungen, nascido por volta de 1150, teria ido à Índia para visitar a cidade de São Tomé, retornando com relíquias que pelo menos até 1899 foram conservadas no mosteiro de Leipzig dedicado ao apóstolo. No século III outras relíquias do Santo teriam ido para Edessa, sendo levadas em 1144 a Quios e em 1258 a Ortona (Itália). Aberta em 1523 sua pretensa sepultura em Meliapor, nela se acharam ossos decompostos, um vaso de terra ensanguentada e um ferro de lança. Enviados alguns desses restos a Cochim, Goa e Basrein, ficaram em São Tomé um fragmento de costela e o ferro de lança. O dia dedicado a São Tomé é 21 de dezembro e, na Índia, ele é tido como um verdadeiro santo. Na Idade Média, essa devoção tomou conta por todos os países do Ocidente.
A presença de São Tomé no Brasil já registrada em 1507, no mapa-mundi, o mesmo que pela primeira vez cita como América a parte austral do continente. A lenda de São Tomé se difundiu rapidamente, tanto quem em 1516 já se falava em sua estada na costa do Brasil. Os índios das terras brasileiras tinham recordação de São Tomé e de suas pegadas pelo interior do país. Tais índios lhe chamavam de o Deus pequeno e mostraram as cruzes que São Tomé demarcou pelo interior da mata. Os silvículas acreditavam na existencia de um Deus maior e se diziam ser eles os filhos de São Tomé. Reforçando a idéia, a existencia das pegadas do santo impressas nas rochas em, pelo menos, cinco lugares da costa brasileira: São Vicente; em Itapoã, fora da Baía de Todos os Santos; na praia de Toqué Toqué; em Itajuru, perto de Cabo Frio; e na altura da cidade de Paraíba. Outras visitas identificaram as pegadas de São Tomé proximo a Grojaú de Baixo, próximo ao Recife. Nas rochas citadas botavam águas que os nativos consideravam "milagrosas". Tais rochas, com o passar do tempo, foram sendo raspadas como para se tirar relíquias e assim, a água secou. A maior obra de São Tomé teria sido a abertura da grande estrada que liga o litoral atlântico brasileiro ao Paraguai nas vizinhanças de Assunção. Chamavam-lhe o lugar Caminho de São Tomé. Também no Paraguai, e em sua própria capital, há registros sobre as pegadas do santo marcadas em rochas. O santo também caminhou até o Peru.
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quarta-feira, 25 de novembro de 2009

RIBEIRA - 387

- RUA DR. BARATA -
José Leandro nasceu no dia 25 de agosto de 1908. Ele foi um dos últimos filhos do casal Leandro, pois, daí, vieram poucos a nascer. Esta rua (foto) foi a que eu conheci meu tio que todos o chamavam de Zeca. O nome completo de tio Zeca era José Santino Leandro. Com o tempo, pelos ídos de 1965, provávelmente, ele tirou o sobrenome "Santino", ficando apenas José Leandro. Homem inteligente, capaz de qualquer coisa desde que aquilo lhe rendesse lucro. Ele casou no ano de 1947 com Miriam Raposo, moça prendada e que residia próximo as casas que seu avô deixara. Miriam residia na rua Apodi, bem próximo ao sobrado onde Zeleandro estava morando. O sobrado, feito por meu tio, tinha o nome de "Vila Catarina". Esse nome veio de uma filha que ele teve com uma senhora desquitada, pelos ídos de 1940. A mulher se chamava Mirtes, filha de um comandante naval que morou em Natal. A filha que os dois tiveram chamava-se Catarina. Daí, veio o nome da Vila que era um sobrado. Nesse local, antes de se casar com Miriam Raposo, ele viveu inúmeras aventuras como a que, atormentado de manhã, logo cedo, por uma velha que vendia flores, e passava da frente de seu sobrado, oferecendo flores, aos gritos, Zeca acordou ainda zonzo da cana que tomara durante a noite nos bares da Ribeira e chamou a mulher para comprar um ramalhete de rosas. A mulher atendeu e, de imediato entrou no sobrado oferecendo as mil maravilhas de suas rosas.
--- Esta aqui é um presente para a sua noiva! - dizia a velhinha
E nesse ponto, já mais atomentado ainda com os reclames da velha, Zeca abriu o seu sobretudo e indagou:
--- É pra essa, a senhora tem? - perguntou Zeca mostrando a sua nudez.
Pra que! A mulher saiu aos berros do sobrado a fora, deixando cair por tudo que era lado, as rosas, flores, cravos e coisas mais, aclamando:
--- Doido! Esse homem é doido!!!! É doooooooido! - dizia a velha, em debandada.
Passado o tempo, em 1947 ele casou com Miriam Fernandes Raposo de Melo que ficou sendo chamada apenas Miriam Raposo Leandro. Logo após o casamento, Miriam teve uma filha que morreu logo ao nascer. Com mais tempo, veio o segundo parto. Miriam já estava morando em uma nova casa construida por seu marido, José Leandro. Esta casa ainda hoje existe. Pode-se chamar de casarão, com 21 quartos fora outros departamentos. Tio Zeca dizia que a casa foi feita para abrigar todos os da família. Porém ninguem procurou habitar aquele lar. O palacete fica na av. Hermes da Fonseca. Em 1950, Miriam teve a sua segunda filha, Teresa Cristina, hoje professora com pós-graduação, ensinando em todas horas do dia e da noite, de segunda a sábado. Após ter Tereza Critina veio a vez de Zaíra, médica, e logo após, Maria de Lourdes e, por fim, veio Miguel. Com esse parto, tio Zeca parou. Eu comecei a trabalhar com o meu tio em 1952, janeiro desse ano. Aprendi a trabalhar com ele, desde levar cartas para o Correio à chamar um carroceiro para ajustar um contrato de levar telhas, madeiras, estroncas, ripas, cal e mesmo cimento para as construções que o meu tio fazia por todos os bairros de Natal. Eu lembro das casas que ele construiu em terrenos da Av Pres. Bandeira, bem em frente à casa onde morava tia Nenem (Iracy Leandro Borges). Dalí em diante, tinham casas na rua São João, também em Lagoa Seca. Nesse local, deu-se um fato interessante: um homem alugara uma casa (de tio Zeca), mas tinha o costume de não pagar. Certa vez, tio Zeca chamou um homem de seus 60 anos que fazia mando para ele - Pedro, era o seu nome - e mandou fazer um macacão na medida do seu Pedro, e pôs o nome nas costas em letras garrafais, em vermelho, contrastando com o azul da roupa:
--- COBRADOR! -
Isso deu uma celeuma dos seiscentos diabos. Quando seu Pedro chegou na porta da casa do "gatuno" e bateu palmas com toda a voracidade, o povo todo da rua correu para ver quem batia com tão alarmada sanha.:
--- O cobrador! - diziam os que estavam alarmados.
E o homem gatuno disse ao COBRADOR que daí há pouco passava no escritório de Ze Leandro para saldar o seu débito. Foi a última vez que o gatuno foi importunado. Em outras ocasiões, foi eu quem fez o mandado. Somente não precisava vestir o "Macacão". Mas, em compensação, chegava na casa de um cidadão rico dessa cidade, que morava na Av Deodoro, e bati palmas com toda vontade. O homem, às 5 horas levantou, e perguntou o que era. Eu disse: Cobrador!!. E ele respondeu que eu podia ir ao seu escritorio, logo mais, pois pagava a conta que devia. Dessas e outras, eu costumava fazer. Certa vez, eu fui em umas casas que meu tio alugara a uns pobres inquilinos, na rua Belo Horizonte, nas Rocas para receber o aluguel. Aquele era o dia que vencia o tal dasgraçado aluguel das casas. Bem cedo da manhã, eu estava batendo na porta da primeira casa para receber o aluguel de um seu tal Zé de Areias, personágem que eu jamais vira em minha vida. O homem acordou e abriu meia porta para saber eu queria:
--- Aluguel! - disse eu,
--- Ora mais stá. Eu já paguei. Diga a Ze Leandro que o valor está com meu fiador!! - disse o homem.
Daí, bati para o escritório. Em lá chegando, disse a tio Zeca que o homem já pagara. O dinheiro estava com seu fiador. E o meu tio respondeu baixinho:
--- Mas o fiador sou eu!! - falou Zé Leandro.
José Leandro tinha a tal chamada sorte. Ele guardava uns poucos envelopes onde se lia - GATUNOS . Eram esses os que pretendiam passar a perna em tio Zeca. Porém, foi não foi, aparecia um quando o meu tio cobrava de mansinho:
--- Parece que você tem uma continha aqui! - dizia meu tio
--- Tenho? Capaz de ter! - dizia o homem.
E o meu tio corria a mão nos envelopes dos GATUNOS e lá achava a velha conta do "esquecido" carvalheiro.
--- Ah Não disse! Taqui. Eu nao me esqueço! - dizia meu tio alegremente.
E aquele "gatuno" passava a ser um ex-gatuno. José Leandro viveu até o dia 24 de fevereiro de 1979. Foi vítima de cançer nos ossos. Quando estava já doente, a sua mulher em quem lhe dava banho, aos gritos intermináveis do marido. Ele fez uma verdadeira riqueza comprando as terras devolutas de Capim Macio, em 1938, por uma quantia de 30 mil cruzeiros. O terreno foi vendido com dez cabeças de gado e ainda uma parte onde está localizado, hoje, o Nordestão,na rua que dá para Ponta Negra. Só nos arames farpados que isolava todo o amplo campo de Capim Macio, José Leandro retirou o valor pago do imóvel.
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terça-feira, 24 de novembro de 2009

RIBEIRA - 386

- EVENTO RARO -
Um iceberg foi fotografado a partir da praia de Sandy Bay, no costa leste da ilha Macquarie, 1.5 mil quilômetros a sudeste da Tasmânia, na Austrália. A imagem, divulgada nesta terça-feira (24) é de 16 de novembro (segunda-feira da semana passada) e foi registrada pela Divisão Antártica Australiana. É muito raro observar icebergs a partir das ilhas Macquarie. Desde a semana passada, cresce o interesse em acompanhar a marcha dos icebergs que se desprenderam da Antártida e rumam na direção da Austrália e da Nova Zelândia. Na sexta-feira (20), por exemplo, cientistas informaram que quatro icebergs se aproximavam da Nova Zelândia e, naquele momento, se encontravam a cerca de 400 quilômetros de distância do sul do país. Os icebergs estariam se deslocando rumo ao norte a uma velocidade de 1,25 km/h. Singrando águas mais quentes, tinham começado a se deteriorar. Na segunda-feira (23), chegou-se a falar em alerta naval, pelo risco de choque de embarcações com essa frota inusitada de superfragmentos de gelo. Fenômeno similar ocorreu em 2006, quando um grupo de enormes blocos flutuantes chegou a 25 quilômetros do litoral sul da Nova Zelândia.
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RIBEIRA - 385

- CARLA BRUNI -
Ninguem se interessou pela foto da, hoje, primeira-dama da França, Carla Bruni. Na foto, Carla posa nua, em 1993. Apesar de ser uma primeira-dama, hoje, tal foto, para quem coleciona raridades, é de máxima importância, pois, daqui há 50 anos, a foto ainda é a mais rara do mundo. Já faz 16 anos que Carla tirou essa foto. Foi o fotógrafo de moda, Michel Comte, quem capturou a imágem da modelo que, sexta-feira passada, foi posta em leilão por 4 mil euros. Ela era modelo de destacadas revistas de moda, naquele tempo. Hoje, é a mulher mais famosa da França. Porém, isso não animou a ninguém, de modo especial, ao colecionadores de fotos. O maior oferecido pelos participantes do leilão foi de, no máximo, 5.800 euros, quando o preço da venda estimado era de 9 mil euros. Como era um preço bem inferior ao estimado, não se aceitou a oferta dentro de um prazo de 90 segundos. Em abril de 2008, uma foto da primeira dama foi vendida por 91 mil dólares, preço bem abaixo do atual. Era uma foto idêntica a de agora.. Como Carla é a mulher do presidente da França, o homem de maior prestígio na pontuação mundial, acreditavá-se que houvesse a intenção de algum voyerista lançar mão em razão da mulher se está pousando nua. A foto, em si, é uma foto. Porém, a que se mostra é a foto da mulher do Presidente da França. Porém , nenhum voyerista se importou com o fato. A imágem de Carla Bruni traduz uma espécie de tímida sensualidade, posição dos pés, de uma pura sedução. Mesmo assim, tal foto não despertou a curiosidade dos colecionadores.
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segunda-feira, 23 de novembro de 2009

RIBEIRA - 384

- FAMÍLIA LEANDRO -
Aqui está o retrato da Família Leandro: Estefânia, Miguel e, atrás, Miguel Filho. Essa família compôs seus 16 filhos onde, hoje, tem apenas um vivo: Alice Leandro, com 94 anos de idade. Miguel Leandro, o velho, veio de Macaíba (Rn), onde aqui trabalhou e estudou, tornando-se dono do 1º Cartório de Ofícios e Nota, na rua da Palha e, hoje, esse Cartório está localizado na rua Mossoró, no primeiro trecho a rua que começa na Av. Deodoro. Esse sobrenome - Leandro - deu a quem colocou o maior prestigio por quem ouvisse falar. Miguel Leandro casou com Estefânia Leandro, no ano de 1887 e esteve com ela até a data de sua morte, a 21 de maio de 1935. Estefânia viveu desde 18 de março de 1874 até 23 de janeiro de 1942. Com seus 16 filhos, pois 5 morreram ainda recem-nascidos, tiveram uma família que, hoje, se alastra por todo esse Brasil, desde o Rio Grande do Sul até o Amazonas onde o filho do casal, Paulo Leandro, deixou herdeiros. Não deixa de ser um grandioso fervor que se tem ao fazer a biografia dos Leandro. Não se terminou, ainda, pois estão faltando José Leandro, Cícero Leandro e Crispin Leandro. Apenas três para se concluir o quadro de nossos filhos, avós, bisavós e tataravós. Isso é brilhante como essa terra tão querida do Natal.
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RIBEIRA - 383

- SONHO -
Hoje, cedinho da manhã, eu tive um sonho. É costume meu sonhar, sempre de coisas passadas, porém com um enigma presente. Os estudiosos dizem que sonhar é bom. Retira de nós o que nos prende. Ora pois! Mas, em meus sonhos eu não me sinto preso, a não ser de uma prisão que eu sempre vivi com o meu passado. E neste sonho de hoje, volto a debater negócios do meu passado, muito embora esteja vivendo no dia atual. Meu sonho foi com o meu tio Zeca. Para bem saber o que isso representa, na verdade está ligado à morte, pois meu tio já morreu. No entanto, esse caso é muito mais complexo. O meu tio poderia estar vivo. Mas para mim, se estivesse vivo, ele estaria morto. Muito bem. No sonho, o meu tio estava vivo e bem vivo mesmo. Acontece que ele estava no armazem. Armazem! O que significa no sonho esse armazem? Armazem pode ser um local que se guarda. Mas, o que se guarda o que? Bem. Era um armazem de madeiras. Madeiras! O que representa "madeiras" em meu sonho? Bem! Madeiras significa vigas. Vigas! Muito bem. E o que são "vigas" no meu sonho? Vigas pode ser algo que sustenta. Sustenta! Mas sustentam o que, essas vigas? Bem. Elas sustentam o meu passado. Ah. Muito bom. O meu passado! E o meu passado com o meu tio o que representa? O que representa....Deixa-me ver. Passado representa um tempo distante! Sei, sei! Isso é o que o meu passado representa para mim? Sim. É. Mas tem o sonho. Ele é mais amplo. Ele mostra que meu tio - um homem alegre, em certo tempo. Cizudo, quando estava trabalhando. Mas, no sonho ele era sempre alegre. Quer dizer: não mostrava ter raiva. E eu até me lembro que no sonho em pensava em algo e não dizia a meu tio. Pensava por que é que "nós passamos tanto tempo sem fazer nada quando bem podiamos ter negociado bem mais". Isso eu pensava, porém não dizia. E por que eu não dizia? Porque, no meu sonho achava por bem não dizer, pois ele me faria gerente do armazem. Gerente! Quer dizer que eu queria ser "gerente"? O que é um gerente? Bem. Um gerente e´uma pessoa destinada a gerir ou mesmo "mandar" nos outros. Nos empregados. Sei, sei. "Mandar"! Isso é o que eu queria ser! Um "mandão"! Era! Mas, no sonho. Sei. No sonho eu queria "mandar". É. E não mandava em nada! Sim! Eu queria ter um posto de "mandão", contudo não mandava em absolutamente nada! É. E o meu tio era sorridente! Sim! E por que o meu tio era sorridente? Por que eu só via nele uma cara cizuda. Trancada! Muito bem! Trancada! Eu disse "trancada", isto é, presa!. Eu, não via a liberdade no meu tio. Somente que ele estava "preso"! Sei. Sei. Mas, eu não vi meu tio sorrir? Ah, bom. Ele sempre sorria, quando estava no bar, bebendo. Conversava alto. Isso, eu não via no sonho. Porém, ele era, para mim, um homem cizudo. Que dizer. No sonho, não. Ele era cizudo quando estava desperto. Eu, desperto. Ora, se eu via o meu tio um homem cizudo, como queria que ele fosse um homem alegre? Não sei. Sabe, sim. Alegre representa tudo o que eu não tive na vida. E se meu tio me convidasse para beber, eu rejeitava. Mesmo se fosse na casa dele. Eu o temia. Eu me portava, na casa dele, como um gerente, o que eu nunca fui, realmente na vida ao lado dele. Ora pois! Mas eu era o gerente. Veja bem! Ele me dava toda a autoridade possivel. Até mesmo de assinar o seu nome - eu, como se fosse ele. Eu me lembro que o meu tio me disse que podia ir na casa dele, depois de ter encerrado a empresa. Foi num dia que eu pensei em pedir a ele a possibilidade de assinar a minha carteira de trabalho, com os quatro anos que ficaram em branco. E ele me autorizou ir na casa dele. Eu não fui. E por que não fui? Porque tive vergonha! De assinar a carteira? É. De assinar a carteira. Hoje, no sonho, tenho tudo isso decifrado.
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domingo, 22 de novembro de 2009

RIBEIRA - 382

- GRANDE PONTO -

No ano de 1906 nascia na família Leandro mais uma herdeira. Seu nome: Leonor. Contudo, como era costume da casa, todos os que estavam vivos lhe chamaram, de imediato, de Nôza ou Nousa. É a forma de se por o acento circunflexo sobre o "o", pois o codinome era "Nôza" mesmo. Uma criança como as demais. Só não era gorda. Também, magra não era. Um corpo médio. Em 1906 a cidade ainda era pequena. Porém, se alongava para as margens do que era chamado Alecrim. E depois, tinha a chamada Quintas. Esse nome veio por conta de um portugues que estava devendo uma enormidade ao governo de Portugal e pediu um fôro em Natal. Um quinhão de terra que ele pagaria com os quintos do que apurasse com os seus negócios. Daí surgiu o nome de Quintas ou quinta parte do negocio que o homem faria. E até hoje está o local com seu nome de Quintas. Bem! Mas isso é outra história!

Tia Nôza, eu me lembro de tê-la conhecido quando eu já estava com meus 4 ou 5 anos. Nós moravamos na rua Trairy, esquina com a av Hermes da Fonseca. Nesse tempo, se bem me lembro, o Brasil ainda estava em guerra com os alemães. Depois de nossa casa, por trás, tinha outra, de seu Manoel Revoredo, homem que vendia carvão. E vizinho a seu Manoel tinha um terreno baldio onde se depositava os restos dos aviões destroçados. Não sei por que depositavam alí aqueles lixos de aviões. Eu vivia brincando na lixarada de aviões. Coisa mais linda que eu ví. No terreno em frente da minha casa tinha um onde morava o velho Falcão, sua mulher Macrina, e seus filhos e filhas. Foi aí que eu me lembro de tia Nôza fazendo bordados em sua máquina de costura. A nossa casa não era grande. Também não era pequena. Hoje, tem uma casa no local, diferente apenas na sua forma. Mas, o tamanho é o mesmo. Pelo que soube, tia Nôza viajou para Porto Alegre (Rs), na companhia de meu tio Jairo que esteve em Natal em 1939. E viveu por lá por alguns anos. Quando retornou, já devia ser o ano de 1945. Então, foi nesse tempo que me lembro de tê-la conhecido. Minha avó, Estefânia, morreu em 1942. Disso, eu não me recordo. Eu era pequeno nesse tempo. E, quando eu vim me lembrar das coisas, eu já estava com 5 anos. Foi nesse tempo, da rua Trairy, que recordo de tia Nôza. Ao que parece, ela já estava namorando com José Augusto da Silva, um viúvo que mantinha uma ligação com outra mulher. Sei bem que minha tia se casou no ano de 1950, depois de muita querela por conta dessa segunda mulher que José Augusto mantinha seu romance. Na verdade, era amigado com a mulher cujo nome não sei e nem nunca soube. Ele, era um homem magro - não tanto esquelético. Porém, magro. Eu me recordo de quando meu pai vendeu a casa da rua Trairy e comprou uma outra na rua Afonso Pena, dois quarteirões distante da que ele vendeu. Nesse tempo, tia Nôza foi morar na casa da minha madrinha, Maria do Carmo Alvares Freire. A minha madrinha era prima legítima de meu pai, João Alvares. Por isso, a ligação do sobrenome. A minha madrinha era casada com Manoel Alves Freire, que era o meu padrinho. Tia Nôza nunca teve casa, a não ser a da minha avó, Estefania. Com a morte da minha avó, ela ficou sem nada. Foi muito estranho a divisão dos bens do meu avô, Miguel Leandro. Na verdade, ninguém ficou com nada na partilha. Olha que meu avô tinha uma imensa propriedade na Rua da Estrela (hoje, José de Alencar). Todo aquele trecho compreendido entre a rua da Estrela, Professor Zuza, Felipe Camarão e, fechando o cerco com a rua Apody, eu, pessoalmente, não sei com quem ficou.

Tia Nôza ficou morando na casa da minha madrinha, Maria do Carmo, até a data do seu casamento, no ano de 1950. Seu marido se separou da mulher com quem vivia e casou, de verdade, com Leonor Leandro. Eu lembro que, um dia, nós - eu e ela - fomos limpar una casa no Tirol, perto da Praça Augusto Leite, na rua que faz a ligação entre a av. Hermes da Fonseca e a Av. Prudente de Morais - mais próximo da av Prudente de Morais -. Era uma casa nem rica, nem pobre. Nós fomos lavar o chão. Eu botava água e ela passava a vassoura, limpando o chão. Era a casa que receberia os recem-casados, José Augusto e Leonor. Nesse dia - eu me lembro muito bem - tomei um banho no tanque, que foi uma beleza. Mais tomei banho do que botei água para lavar a casa. Isso, era de tarde. Quando era o entardecer, minha tia fechou a casa e nós seguimos viagem.

Ainda no fim de 1950, tia Nôza teve um aborto. A parteira era Maria Silva, irmã de José Augusto, muito famosa pelo modo de pegar menino novo. Minha tia foi ter filho na casa de Maria Silva, na rua Princesa Isabel. Hoje, a casa não mais existe. Minha mãe foi até a casa de Maria Silva, e eu e o meu irmão, José Magno, de 3 anos. Nós - eu e meu irmão - ficamos no quintal da casa, que era cheio de mangueiras e se estendia até a rua Felipe Camarão. Minha mãe sentiu muito o aborto de minha tia. Ela já estava, nesse tempo, com 44 anos de idade. Por isso, com certeza, abortou o menino. E o tempo passou, o casal de velhos -José Augusto tinha 50 anos - foi morar na Lagoa Seca e, depois, no Alecrim, na rua dos Caicós. Minha tia sempre visitava a minha mãe até que um dia ouviu "um homem matando um perú em cima de casa". Aí, começou esse disturbiu mental que nunca mais curou. Seu José morreu antes que ela completasse 76 anos Um fato que nem mesmo tia Nôza sentiu, ao saber, internada em uma clínica para doentes mentais. Tudo o que ela disse foi: "José! Coitado! Morreu!". Tia Nôza viveu até o dia 5 de setembro de 1982.

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sábado, 21 de novembro de 2009

RIBEIRA - 381

- TÚMULO DO PROFETA -
Jesus não morreu na cruz. Conforme crenças de populações que vivem a região do lago Nagin, próximo a Srinagar, capital da Caxemira, foi nesse local que ele passou seus últimos dias. Cansado e com filhos, morreu muito velho, deixando uma descendência que alí vive até hoje.
Sexta-feira da paixão, dia em que Jesus foi crucificado e morreu na cruz. Para alguns isto não aconteceu. Estas correntes de pensamento afirmam que o Mestre estava vivo quando o desceram da cruz, foi curado das feridas (talvez pelos essenios), e ainda ensinou, em relativo anonimato, até a idade avançada. Uma das versões derivadas desta corrente de pensamento é a contada nas montanhas do Norte da Índia, que diz que ele viveu até a velhice na Caxemira, chegando a se casar e a ter filhos. A cidade de Srinagar, nesta região indiana, abriga uma das descobertas arqueológicas mais preciosas e controvertidas do mundo. Em frente ao cemitério mulçumano, no centro da cidade, há um prédio retangular isolado, que ostenta uma placa com os dizeres: rauzabal (túmulo de um profeta). Do lado de dentro, numa placa de madeira entalhada, a inscrição: "tumba de Yuz Asaf" indica a câmara que contém uma simples sepultura de pedra, reconhecida como monumento santo por um documento público datado de 1766. O texto fornece alguns detalhes sobre o enigmático ocupante da tumba: "No reino do rajá Gopadatta chegou um homem chamado Yuz Asaf. Ele era um príncipe real e renunciou a todos os direitos mundanos, tornando-se legislador. Passava os dias e as noites rezando a Deus e longos períodos em solitários meditação. Pregou a existência de um único Deus, até que a morte o dominou e ele morreu". A tumba que abriga o santo Yuz Asaf - talvez o próprio Jesus - encontra-se no interior de um modesto santuário de Srinagar. Oculta por uma treliça decorada, está disposta no sentido leste-oeste, o que reforça a hipótese de que pertence a um mestre ou profeta de tradição judaica. Parece um epitáfio para alguém que viveu, ensinou e morreu na Caxemira, mas esse santo, de acordo com a tradição local, não é outro senão o próprio Cristo (que pertencia à casa e família do rei Daví e portanto, de certo modo, era um príncipe real). A afimação de que Jesus morreu velho na Caxemira é sustentada não só pelos guardiões hereditários do túmulo em Srinagar, mas pelos adeptos da seita mulçumana ahmaddiya. Esses crentes e vários estudiosos que simpatizam com sua causa reuniram interessantes coleções de dados e fragmentos de informações históricas provenientes do Irã, Afeganistão, Paquistão e Índia. Com esse material, acreditam que podem escrever o capítulo final da vida de Cristo, desconhecido por completo pelos historiadores ocidentais não iniciados no esoterismo. Depois de seus últimos atos descritos no Novo Testamento, Jesus deixou a Palestina para escapar a jurisdição romana e a possibilidade de ser novamente supliciado. Tomou a estrada para o norte, através de Damasco - ocasião da conversão de Paulo - , a fim de buscar refúgiu junto às comunidades judaicas espalhadas no oriente. Acompanhado por Maria, sua mãe, atravessou os atuais Iraque, Irã e Afeganistão, indo até a Índia, por onde vago pregando o monoteísmo e a piedade. No oriente, assumiu o nome de Yuz Asaf, que em persa, significa líder dos curadores de feridas. Segundo alguns ensinamentos, Yuz Asaf viajava para Caxemira via Paquistão, quando sua mãe, já idosa, faleceu, sendo por ele mesmo enterrada na cidade de Murree, 50 quilômetros a noroeste da atual Rawalpindi. Outras fontes afirmam que ele viajou e ensinou no Ceilão - atual Sri Lanka - antes de chegar a Caxemira, onde viveu seus últimos dias. Foi enterrado por um discípulo em Srinagar, e até hoje se venera seu túmulo como um lugar sagrado. De acordo com a tradição persa, Yuz Asif foi persuadido pelo monarca indiano a tomar uma mulher local como serva, e ela, além de conforto doméstico, deu-lhe filhos. Sua árvore genealógica foi pesquisada e foi descoberto herdeiros vivos de Jesus, a exemplo de Sahibzada Basharat Saleen, político, editor de jornal e guardião oficial do túmulo.
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RIBEIRA - 380

- SENHORA DA APRESENTAÇÃO -
Em um dia como hoje, na parte da manhã de 21 de novembro de1753, pescadores encontraram na margem direita do Rio Potengí, na confrontação da Igreja do Rosário, um caixote que estava encalhado numa pedra. Quando eles abriram, encontraram uma imagem da mãe de Jesus com um menino no colo. A referida imagem tinha uma mão estendida, aparentando sustentar alguma coisa. Logo, deduziram que fosse um rosário. Avisado sobre a novidade daquela descoberta, o vigário da Paróquia, Pe. Manoel Correia Gomes, dirigiu-se ao local e conduziu o vulto para a Matriz, ciente de que se tratava de um ícone de Nossa Senhora do Rosário. Entretanto, como 21 de novembro é, no calendário liturgico da Igreja Católica, o dia em que se festeja a apresentação da Mãe de Jesus no Templo, deram à imagem que apareceu no Rio Potengí o nome de Nossa Senhora da Apresentação. A esta altura, é oportuno lembrar que a Festa da Apresentação de Nossa Senhora no Templo foi instituida pela Igreja Católica no ano de 1571. Registra-se ainda a tradição que, no caixote que trouxe a imagem de Nossa Senhora, estava escrito: "No ponto onde der este caixão não haverá nenhum perigo". A celebração de Nossa Senhora da Apresentação é, antes de tudo, parte da história do Rio Grande do Norte. A figura da santa marca a criação da Cidade do Natal e está ligada a cada momento dessa trajetória. Hoje, o último dia da Festa é marcado pela procissão fluvial que reúne todo ano cerca de 30 mil pessoas. A procissão percorre as ruas da cidade em direção à Pedra do Rosário, lugar onde a imagem apareceu. O dia de hoje é feriado municipal.
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sexta-feira, 20 de novembro de 2009

RIBEIRA - 379

- CASTRAÇÃO QUÍMICA -
Após a onda de crimes sexuais, opinião pública francesa exige leis mais rígidas contra os agressores. Governo francês discute autorizar controversa castração química em casos de reincidência de agressão sexual. A Assembléia Nacional da França está discutindo uma nova lei para o tratamento de agressores sexuais reincidentes: a castração química. O método consiste na aplicação de medicamentos hormonais, como o acetato de ciproterona, e a substância anticoncepcional Depo-Provera, que reduz a libido e a atividade sexual, previnindo outro ataques do agressor. O debate sobre a aprovação da nova lei veio à tona depois de uma série de crimes sexuais violentos que chocaram a opinião pública francesa, como o estupro e assassinato de uma mulher de 42 anos por um estuprador previamente condenado, e o rapto e estupro de um menino de cinco anos por um pedófilo de 63 anos que também já havia sido condenado. Outros países europeus, com a Suécia, Dinamarca e a própria França, já permitem a castração quimica voluntária em agressores. Em 2005, o procedimento foi aplicado em 48 ofensores sexuais na França com o intuito de certificar a eficiência do método, para que mais tarde ele pudesse ser utilizado compulsoriamente em casos de violência sexual.
O número de pessoas condenadas à prisão por violência sexual na França aumentou sete vezes nos últimos 20 anos e crimes recentes causaram revolta na opinião pública do país. Portanto, as estatísticas estimularam as autoridades a buscar punições mais rígidas contra os agressores, como também a tornar obrigatória a castração química. No entanto, o assunto é polêmico. A Polônia foi o primeiro pais europeu a introduzir a castração química. Em setembro deste ano, o parlamento polonês aprovou uma lei que tornava obrigatório o tratamento para alguns agressores sexuais. A discussão sobre como lidar com agressores sexuais é um tema conhecido pelo Governo da França que já se posicionou, no passado, a favor da castração química e de penas mais rigorosas no caso de reincidência de violência sexual. No caso do menino de cinco anos estuprado por um pedófilo de 63 anos, o governo francês aprovou rapidamente, em 2008, uma nova legislação que permite as autoridades manter criminosos na prisão, mesmo depois de ter cumprido a sua pena, caso percebam que o condenado ainda representa uma ameaça para a sociedade.
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RIBEIRA - 378

- RAPA-COCO -
--- "Olá da costa d'África! Quanto queres tu para me transpor deste polo àquele hemisfério?" - perguntou Miguel Leandro ao barqueiro que estava agachado em sua embarcação, desenrolando as cordas do barco. Tomado de grande supresa pela voz eloquente de quem falava, o barqueiro se soergueu no barco, ficando mesmo quase envergado com o seu traseiro para cima e, sem entender muito bem o que ouvira falar, parguntou:
--- "Cuma, seu doutô? Pru çumitero?" - inquiriu o barqueiro, assombrado. Ao que Miguel Leandro retrucou:
--- "Se dizes isso por ignorância, perdoar-te-ei! Mas..Se é para zombar de minha alta prosopopéia, darte-ei com este ceptro - mostrando o cajado que lhe fazia companhia - no alto de tua sinagoga, pondo-te por terra mais rente que o solo pátrio". - findou Miguel Leandro.
E, José Leandro, filho de Miguel, de cabeça baixa, fazendo as contas em seu birô, sorriu a bel prazer enquanto Rapa-Coco, sentado em uma cadeira coberta com lona, de frente para José Leandro, também sorriu, do seu jeito de sorrir.
Ele - Rapa-Coco, cujo nome verdadeiro era Antônio Patrício - contara àquela estória porque eu pedira para que ele contasse, para saber a verdade do que muito se falava pela cidade que o velho Miguel teria dito tal coisa. E Rapa-Coco afirmou que era verdade, Ele, Miguel Leandro, dissera isso no porto de embarque do cais "10 de Junho" que, um dia, se chamaria Cais Tavares de Lyra, ao querer saber quanto da travessia da Ribeira para a Redinha, do outro lado do rio, ele teria que gastar para levar toda a troupe de filhos, mulher, empregada e serviçal a bordo daquele barco.
Naquela oportunidade, Rapa-Coco também contou outras estória do velho Miguel, como a de que certa vez chamara seu filho Crispin para ir ao mercado da cidade comprar alguns cuscus: "Olá meu filho Créspin! Pega-te daquela moeda de um mil reis a vai até aquela casa alta e abobadada, no centro da cidade. Por certo, tu irás encontrar em seu interior, uma senhora gorda e mal vestida, com uma bacia sobre as pernas, a mexer uma massa amarelaça, côncava e convexa que o vulgo chamam-no de "cóscus"! Traz-me para o café!".
Rapa-Coco era um homem de seus 60 anos ou um pouco menos que foi criado na casa do meu avô, Miguel Leandro, desde que era menino pequeno. Ele era de Pirangí-do-Sul, uma praia que se separa da Pirangí-do-Norte apenas por um riacho de água doce e mal cheirosa onde impera um cajueiro considerado o maior do mundo, hoje, pertencente ao município de Parnamirim. Ele veio para Natal com a sua mãe, que era lavadeira de roupa, da casa de Miguel Leandro. Por lá estavam outras mulheres e moças que cuidavam da arrumação da casa e do feitio da comida, como era o caso de Francisca que eu a conheci tempos depois. Francisca, a gente chamava de Dona Chiquinha, uma mulher de muitas idades.
O nome de Rapa-Coco surgiu por conta de que ele subia, com facilidade nos coqueiros para tirar coco e, lá, aproveitava para raspar a sua comida, enquanto a garotada ficava em baixo dos pés de coqueiro esperando que ele jogasse mais um pouco da fruta. Por comer tanta lama de coco em cima do coqueiro não tardou em levar o nome de Rapa-Coco. Isso deu muita briga, com o menino Antonio, armado de um canivete, correndo atrás de quem lhe chamava daquele apelido. Certa vez, foi na casa de tia Justa (Justina, era o nome dela), com Geraldo, filho de Justa de Oscar Marinho, correndo pelo quintal, subindo em uma magueira para escapar da sanha assassina de Antônio, porque Geraldo lhe chamara de Rapa-Coco. Foi um tumulto incrível, com tia Justa pedindo pelo "amor de Deus" que Antonio se aquietasse, pois Geraldo não o chamaria mais por aquele nome tão feio. O certo foi que durou um tanto tempo para Antônio se acalmar, guardar o seu inseparavel e belo estimado canivete e, Geraldo descer da mangueira, ainda desconfiado. Muita gente ao redor de Antonio, ele não podia se vingar de Geraldo que lhe pedia desculpa, pois não o chamaria mais daquele nome sem-vergonha: Rapa-Coco.
O certo é que o tempo passou e por Rapa-Coco ficou sendo chamado o pequeno e já grande homem. Entre outras estórias que ele contava, tinha uma por demais interessante. Ao voltar de viagem pelo sul do Brasil, onde trabalhou na Indústria de Vinhos "Luiz Antunes", e quase morreu na queda de um avião, José Leandro, por volta de 1938, troxe uma mala cheia de relógios de marca Roscof. Tais relógios eram muito bons e baratos sendo que trabalhavam apenas enquanto a corda durasse. Esse era o tempo de se dar corda em relógio, tais como Mido e Ômega. Nesses dois relógios, se podia dar corda a cada 24 ou mais horas. No Roscof, não podia se dar mais de uma vez. O certo é que ele saiu com José Leandro pelo interior do Estado, vendendo a um preço mínino esses tais relógios. Eles vendiam e seguiam em frente para outra cidade, pois não queriam ser perturbardo por ninguem ao se descobrir que a corda acabou e o relógio, também. José Leandro vendeu todos os relógios que trouxe para a alegria dos seus bolsos.
Na história de Rapa-Coco tem muita coisa a contar. Por certo, ele nunca teve o ensino completo, apesar de ler, costumeiramente, os jornais da cidade e até entender quem podia ganhar ou perder as eleições. Ele vivia na casa de tio Zeca (José Leandro),. Porém, tinha tempo em que ficava no Armazém Santa Teresa, no bairro da Ribeira, onde dormia. Era certo que, já por esse tempo, Rapa-Coco vivia embriagado. Certa vez, em um bar da Ribeira, Rapa-Coco chegou onde estava também o meu primo Jubal e se encostou no balcão. Jubal, vendo a cara dele, de quem já bebera o dia todo, perguntou-lhe se queria ainda beber:
--- Vai?! - perguntou Jubal.
E ele confirmou apenas com um sorriso e fazendo sim com a cabeça. Então, Jubal mandou Ribeiro - o dono do bar - servir um copo de cachaça para Rapa-Coco. Ribeiro encheu o copo e Rapa Coco bebeu de um gole. Por mais uma vez, Jubal perguntou a Rapa-Coco.
--- Mais?! - perguntou Jubal.
Ele, de olhos arregalados, fez que sim. Ribeiro colocou mais um copo cheio para ele beber. Após tragar a bebida, se ouviu apenas um espocar - pruuuut -. Rapa Coco estava todo cagado. Eram os outros fregueses saindo do recinto e Jubal arrastando Rapa Coco para o quintal, onde o lavou por completo, dando-lhe um banho geral. Nesse momento, Rapa-Coco caíra no embriagado sono motivado pela bebida e seu parco organismo saturado por cachaças de dias e mais dias passados. Alí mesmo, dormiu. Quanto tempo o homem ficou sem beber, não é sabido. O certo é que, naquele dia, ele dormiu mesmo no quintal do bar.
De outra vez, Rapa-Coco seguiu com Zé Leandro para a sua casa, no bairro do Tirol, próximo à padaria São Paulo, saltando do ônibus quando, ao atravessar a rua Hermes da Fonseca, um carro que vinha em direção da cidade, o atropelou. Zé Leandro só ouviu o baque. O carro pegou Rada Coco de cheio, sacudiu por cima da capota e o deixou estendido no meio da pista, inconsciente e todo retorcido. Tio Zeca deu o alarme e o veículo para a uma certa distância. O motorista correu para ver o estado da vítima e meu tiu disse na hora.
--- Leva para o Hospital!!! Leva!!! O senhor é responsável!!! - dizia tio Zeca em voz alta.
O homem segurou Rapa-Coco como quem segura algo importante e levou em seu próprio carro para o pronto socorro do Hospital "Miguel Couto". O homem foi acompanhado por tio Zeca que não perdia a oportunidade de reclamar.
--- Vai pagar! Ora se vai! Se ele morrer, vai pagar também! Mulher e filhos! - dizia Zeca.
Rapa-Coco nem tinha mulher e muito menos, filhos. Mas tio Zeca. Mas Tio Zeca já pensava em conseguir uma mulher para Rapa-Coco. E filhos, também. O certo é que Rapa-Coco ficou um mês internado no Hospital, e José Leandro dizendo para ele que a vítima precisava comer maçã, tomar água de coco e precisava de dinheiro para mandar para a sua família. Isso, levou cerca de três meses. O motorista quase que perdeu o juizo em pagar por longo tempo o caso que Rapa-Coco levou para ficar bom de uma fratura na perna. O certo, apesar do desespero do motorista, Rapa Coco recebeu todo o dinheiro que, aparentemente, tinha direito. E assim, ainda muito tempo durou Antônio Patrício, o homem que todos os da familia conheciam por Rapa-Coco.
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quinta-feira, 19 de novembro de 2009

RIBEIRA - 377

- ESTRADA DE FERRO -
Quando Miguel Leandro - o velho - morreu, assumiu o tabelionato do 1º Cartório de Natal. o seu filho Crispin. Porém, foi por pouco tempo. Três meses depois Crispin veio a falecer, no dia 22 de setembro de 1935, com apenas 37 anos de idade. E em seu lugar ficou Miguel Leandro Filho, o ultimo filho do velho Miguel. De cordo com a data, Miguel Filho nasceu no dia 3 de maio de 1916 pondo termo aos nascimentos de filhos e filhas de Miguel Leandro e Estefânia Leandro. Com isso, foram nascidos 21 filhos sendo que apenas 16 escaparam com vida. Com a morte de Crispin em setembro de 1935, ficou o Cartório sob o tabelionato de Miguel Filho. Pelo que se sabe, o filho Miguel esteve nesse cartório até 1939 quando conseguiu um outro da cidade de Florânia, antiga Flores. Nesse Cartório, ele passou até 1949 quando então veio para Sao José do Mipibu e ali ficou por alguns anos, vindo então para Natal, onde assumiu o 6 º Cartório por volta de 1955. Nesse tempo, o 6º Cartório era no Alecrim, na rua Presidente Bandeira. Só então Miguel foi para Macaiba, no ano de 1960, e dali em diante se aposentou, tendo falecido em 18 de janeiro de 1974, aos 58 anos de idade. O Cartório de Macaiba ficou como herança para a filha de Miguel, Neuma Leandro. Ao todo, Miguel, que era casado com Maria de Lourdes, foi pai de apenas 4 filhos: Neuma, Miguel - que nós chamavamos por Miguelzinho -, Maria do Carmo, conhecida por Maliliu, e José de Anchieta. Desses quatro morreram os dois homens - Miguel e Anchieta -.
Eu lembro bem que, quando José, meu irmão, era ainda pequeno, com apenas dois anos, nós fomos passar uns dias na casa de tio Miguel, em São José do Mipibú. Alí era uma cidade pequena com a sua principal rua sem qualquer calçamento. Um dia, eu fui até a Estação Ferroviária ver a passagem do trem que saía de Natal, todos os dias, às 5,30 da manhã. O trem chegou na estação logo cedo da manhã, tendo permanecido por um curto período de tempo onde os passageiros embarcavam para seguir viagem por um longo percurso. Alguns desses passageiros rumavam para o Redife (Pe). Eu percorri os vagões do trem apenas para ver quem era de Natal, mesmo sem conhecer ninguém. Curiosidade. Quando o maquinista apitou para sair, eu já tinha saido do interior dos carros. O trem fumegou e partiu e eu fiquei a vislumbrar aquele monstro de ferro seguindo para um lugar bem distante de onde eu estava: Recife. Miguelzinho estava comigo nessa ocasião. Ele era um primo e tanto, muito querido por mim, por seu modo de brincar e conversar. Nos dias que eu passei em sua casa, ele me convidou para ir até um município vizinho, de nome estranho; Paparí. Alí havia uma bica de água que o povo tomava banho. Essa bica de banho era famosa por varios municipios vizinhos. Nós fomos a pé e voltamos também. Eu lembro que segui por um aterro onde era só capim e mato silvestre. A distância era bem curta, dando para nós chegarmos em poucos minutos. Em Papari, tomamos banho a valer. De volta, contamos aos nossos pais e logo depois, com um dia ou dois, foram todos da familia passear em Papari, hoje chamada de Nisia Floresta: Lourdes - a mãe da meninada -, Neuma, Maliliu e Miguel. Da nossa parte: Meu pai - João -, a minha mãe - Nera -, meu irmão infante e eu. Todos nós fomos tomar o mais famoso banho de bica de Paparí. Da viagem faltou tio Miguel, pois como tabelião não podia se ausentar do serviço. Nessa eterna e querida viagem, todos nós fomos a pé, pois nem existia os tradicionais carros de praça, naquele tempo. O chão era acidentado entre São José do Mipibú e Papari. Calçamento, mesmo de pedra facejada, era coisa que nem se ouvia falar. Quando chegava a noite era a tradição de se ir à Igreja assistir o terço. A iluminação urbana era apenas do centro da cidade. Por sinal, fraca. Um motor de luz era ligado para fazer a tal iluminação. Quando dava 10 horas da noite, era tudo breu. A Prefeitura de São José suportava até aquele horário. O povo que estava na rua já sabia que era hora de dormir. Da energia de Paulo Afonso? Nem se falava!. Aliás, a Usina de Paulo Afonso, no Rio São Francisco, veio produzir luz elétrica em janeiro de 1955 para atender principalmente o Estado da Bahia. Em Natal, a luz chegou, de fato, em 1970, apesar de em 1962 já ter força motriz em grande parte da cidade. A construção da hidroeletrica deu-se principalmente no Governo de Getulio Vargas. Foi uma verdadeira revolução a infra-estrutura do Nordeste. De nossa parte, foi um deslumbramento se passar poucos dias em casa de tio Miguel. Depois desse tempo o negócio voltou à rotina, com nós, filhos de Nera, passeando apenas nas casas de nossas tias que aqui viviam e, um dia, morreram.
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quarta-feira, 18 de novembro de 2009

- PRAÇA PIO X -
Quando eu estava chegando da casa de tia Justa, um aroma penetrante consumia as minhas forças, pois eu sabia que dentro da casa havia bolo. Bolo, é bolo mesmo. Não é bolo de pancada com palmatória e tudo que os meninos levavam na palma da mão. Continuando: eu chegava na casa de tia Justa, entrando pela porta de trás, que ficava na rua Paço da Pátria. O nome é "Paço", e não, "passo". Quando era pequeno, eu saía com meu primo, Dadá - o seu nome era Grenalto - para fazer um "mandado" ou não fazer nada. Dadá e eu costumavamos ir à Salgadeira...- Salgadeira era a rua que batizaram por esse nome por conta das mulheres que salgavam as tripas, bofes e miudos do gado que era abatido no "Matadouro" que ficava onde hoje é uma ladeira que vai se ligar com o viaduto do Baldo. Se fosse à tarde, nós preferiamos ir à rua Ocidental de Baixo, por onde pessava e passa ainda o trem e, alé nós iamos pescar no tal Paço da Patria. O local chamava-se Paço porque ali embarcaram uns soldados que foram lutar em São Paulo por conta de uma guerra que estava havendo alí. Uma guerra não sei de que. Só sei que era uma guerra. E nós - Dadá e eu - entravamos pelo Paço, nem tão grande assim, passavamos por uns casebres - com certeza de pescadores e de gente que trabalhava no Mercado da Cidade, no Matadouro e em outros pontos de coméricio. Mas, não eram comerciantes. Eram cabeceiros, gente que levava as compras do povo rico na cabeça, em cestos enormes - Então, alí, nós arranjavamos uns caniços e, com uma linha e um azol improvisado, procuravamos um batelão abandonado e lá, passavamos horas pescando. Pescando que nada. Os peixes eram desconfiados das nossas iscas. Quando era mais tarde, nós saíamos e se ia até um capinzal de seu Manoel. Alí era mais facil pegar caranguejo ou então chupar cana que o homem tinha no seu capinzal. Cana caiana ou de outro tipo. Não sei bem. Eu conhecia seu Manoel e, quando chegavamos lá, ele escolhia a cana e descascava para nós, fazendo um "rolete" para cada um. Um, não! Vários!!. Os palitos dos roletes eram feitos com a mesma casca da cana. Certa vez, nós chegamos no capinzal e eu vi, encostado, um cavalo-de-pau que o velho tinha feito para entregar a alguém. Belo cavalo-de-pau, aquele, Eu fiquei até com ciumes por não ser para mim. O cavalo era um cabo comprido e, na extremidade de cima, era aberto, fazendo duas orelhas e um toco, muito bem feito, formando de conta que era a cabeça do cavalo. Tinham uns barbantes pendurados e duas brochas que eram os olhos do cavalo. Eu fiquei cismar com o danado do cavalo até que seu Manoel disse que, qualquer hora fazia um para mim. Então, eu me alegrei. Quando era já bem tarde, Dadá e eu voltavamos para a sua casa, com os pés sujos de lama ressecada do mangue por onde andamos. Tia Justa, sabedoura da traquinagem do filho, perguntava, então:
--- Por onde vocês andavam? - falava Justa
--- Na Salgadeira. - resondia Dadá.
--- Salgadeira? E esses pés? - reclava na hora.
Então, nós tratavamos de lavar os pés. Dadá, com cara desconfiada, dizia, ao final.
--- Pronto, mãe. Tá limpo! - falava Dadá.
Então nós calçavamos os sapatos e, eu, não parava de comer aqueles bolos deliciosos, pequenos, porém perfeitos para o meu paladar. Ela me servia café e Dadá ficava apenas a olhar a minha sanha de engolir tudo de uma só vez. Nesse ponto, ele quase morria de achar graça diante de minha mãe que não parava de dizer:
--- Tenha modos! - dizia a minha mãe.
A essa altura, eu já não podia nem falar, com a boca cheia de bolo, querendo apenas achar graça com o volume surgindo para fora: era a massa do bolo misturada com café.
--- Você não vem mais. Me mata de vergonha. - dizia a minha mãe.
--- Deixa, Nera. É coisa de menino mesmo. Deixa ele. - respondia com meiguice tia Justa.
A parte que dava para a rua Santo Antônio, era a da frente, por onde se entrava. A casa tinha móveis, os mais encantadores. Centros, cadeira de vime, estante, birôs e tantas outras coisas, como camas de casal e de solteiro para os filhos que ainda estavam em casa. E na sala de jantar oura ruma de coisa, como cadeiras, pitisqueiro, mesas, guarda-louças e a tradicional mesa alongada. Na cozinha, ficava o forno onde tia Justa assava os bolos que fazia de encomenda. Ela era casada com Oscar e tinha os filhos Geraldo, Nizete, Nilde (que nós chamavamos Nenen) e, por fim, Grenalto que nós chamavamos de Dadá. Ela era filha de Miguel e Estefãnia Leandro, nascida no dia 12 de dezembro de 1898. Como sua mãe, era gorda e baixa, de pele clara. Veio a falecer no dia 15 de novembro de 1976, aos 78 anos de vida. Raras vezes saía de casa, a não ser para visitar a filha Nenen que morava na Rua Gal. Ozório, esquina com a rua Felipe Camarão.
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terça-feira, 17 de novembro de 2009

RIBEIRA - 375

- CATEDRAL -

O primeiro cemitério da cidade do Natal foi construido no bairro do Alecrim. Mas, não o que estamos acostumados de ver ou falar. Foi outro. Quem construiu foi Vicente Fernandes e ficava em um terreno devoluto que, hoje, é a avenida Presidente José Bento, antes chamada também de Avenida Três. O terreno ficava entre o que é hoje a Rua Cel. Estevam e a rua dos Caicós. Aquela gleba de terra serviu por alguns tempos como o descanso eterno dos mortos. Isto foi antes de 1856, época em que a Prefeitura do Natal tomou a empreitada de construir um novo cemitério. Aí então foi feito o que temos visto hoje: o tal chamado cemitério do Alecrim, pois o seu nome deriva da planta do mato conhecida como alecrim que abundava na região. O da avenida Presidente José Bento, por fim, acabou e o seu dono procurou um canto no novo cemitério para construir um magnífíco mausoleu. Apesar de não ter sido o primeiro a ser usado, o imponente monumento de dimensões avantajadas continuou sendo o primeiro a ser construido no Cemitério do Alecrim. Um primeiro sepultamento a ser feito naquele local foi em 1872 para sepultar Manoel Gabriel de Carvalho. Quanto a inaguração do campo santo ocorreu em abril de 1856. Este começo de disertação foi apenas para unificar a familia Leandro e Fernandes.

No ano de 1892 nasceu em Natal, Maria Anunciada, filha de Miguel e Estefânia Leandro. Eu conheci a tia Anunciada quando estava morando na Praia do Meio, em uma casa comum e comprida, quase no seu fim enterrando-se da areia de uma rua que passava por trás. Ainda hoje, esse deslizamento acontece. Para se notar é bastante seguir pela balaustrada que começa no fim da Av Getulio Vargas, em Petrópolis. Quando eu a conheci, alí não existia nenhum palacete como agora existe: o hotel. Logo depois desse hotel tem uma casa que assumiu o lugar da casa de tia Anunciada. A orla da praia tinha poucas habitações. Quando a minha mãe descia para o banho de mar, costumava parar na casa de tia Anunciada. Minha mãe, meu pai e eu. Ainda não tinha nascido o meu irmão, José. Tia Anunciada era baixa e robusta parecendo com a minha avó, Estefânia, e casada com José Fernandes, filho de um filho cujo nome era Vicente Fernandes, o homem que construiu o campo santo na rua sem nome em um terreno de sua propriedade. Por sinal, alí não era rua. Era apenas um local de platio de roça e que servia também para sepultar os mortos que moravam em um terreno que um dia se chamaria Alecrim. José Fernandes era funcionário da Alfândega. Depois de sua morte - muito tempo depois, pelos ídos de 1965, minha tia ainda lutava no INPS para receber uma diferença salarial que ela herdara. Isso, após de cerca de 20 anos que José Fernandes tinha morrido. Do seu casamento, tia Anunciada gerou os filhos: Geraldo, Neusa, Rute, Zuleide e Jubal. Se teve outros, eu desconheço. Após a morte de José Fernandes, tia Anunciada se mudou para uma casa na Rua da Estrela - hoje chamada rua José de Alencar. Alí, viveu um bom período, com seus filhos quase todos criados e casados, pois o ultimo a contrair núpicias foi Jubal Leandro, com uma moça do interior do Estado, Maria Pureza. Após estar convivendo no bairro da Cidade Alta, tia Anunciada se mudou para o novo bairro de Santos Reis, onde alugou uma casa e alí viveu vários anos. Depois disso, Jubal comprou uma habitação no bairro do Alecrim, na avenida Presidente José Bento, um chalé de esquina e batentes muito altos que ainda hoje guarda o mesmo pormenor. Eu conviví muito próximo com Jubal. Ele me orientou, em 1954, a procurar um emprego na Empresa de Correios que estava admitindo novos funcionários, mesmo ele sabendo que eu trabalhava no escritório do meu tio Zeca. Disse isso na frente de tio Zeca que agradeceu, e muito, eu ter conseguido uma orientação para assumir um novo trabalho. A diferença selarial, naquele tempo, era estrondosa. Eu pularia de 150,00 cruzeiros, que fazia no escritório, para 600,00 cruzeiros. Eu agradeci a Jubal e a tio Zeca pelo apoio dado e segui rumo aos Correios. De imediato, fui aprovado. Agora, tinha um problema: verba. Três meses e eu não recebi um tostão. Assim, eu e os outros que entraram comigo, fomos dispensados. Foi só então que eu recebi 1.800,00 cruzeiros do meu tempo de trabalho. Um bom dinheiro. Logo que eu fui posto na rua, voltei ao escritório de tio Zeca, ganhando 150,00 cruzeiros. Nãe sei, não. Mas o tempo dos Correios me serviu muito de lição. A mim e aos meus colegas de batente. Aprendizado. Aprendi bastante como estafeta, entregando telegramas. Conheci toda a Ribeira, Cidade, Tirol, Petrópolis e Rocas. O Alecrim fazia parte outra turma. Por isso. eu não conheci o Alecrim, as Quintas, Lagoa Seca, Baixa da Coruja, Carrasco, Tração e mesmo Igapó. Para mim - e para os que estiveram comigo também - aquela foi uma lição de vida. Tempos depois, a Empresa dos Correios voltou a chamar os que já estavam ambientados. Eu não fui, temendo ficar novamente três meses e depois, sair. Eu até pensava que no escritorio, ganhando menos, era mais seguro. Com o tempo que passou, eu vi que estava errado. Mesmo assim, continuei a trabalhar com meu tio. Certa vez, vi Jubal chegar no escritorio a procura de uma vaga. Ele era Carteiro e continuou por mais um longo tempo. Mesmo assim, o seu dinheiro era muito pouco. E nós voltamos a trabalhar juntos, agora em um armazem de madeiras. Foi assim até 1968, quando tio Zeca resolveu se aposentar. Nós nos separamos de vez. Ele voltou a ganhar apenas o ordenado dos Correios e eu entrei para o Rádio, ganhando bem melhor. Com o passar do tempo, um dia tive a noticia que a minha tia havia falecido. Era verdade. A tia Anunciada morrera aos 86 anos, em novembro de 1978. Jubal, em sua casa, ainda perdeu a sua mulher, Pureza, um filho, Ademar e por fim, ele, aos 77 anos de idade. Morreram também os filhos de tia Anunciada: Geraldo, Zuleide, e Rute, ficando apenas, Neusa, hoje com quase 90 anos. Essa é a vida - começo, meio e fim - da família Leandro. Minha tia Anunciada se casou na Catedral de Nossa Senhora da Apresentação (foto) e os seus filhos, também. Essa é apenas lembrança de um tempo remoto.

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domingo, 15 de novembro de 2009

RIBEIRA - 374

- NATAL DE ONTEM -
Nesta foto vemos Natal (foto), capital do Estado do Rio Grande do Norte. Aqui, viveram os nossos ancestrais e vivem, ainda, os seus herdeiros. Uma cidade bucólica onde as pessoas mais velhas eram respeitadas pelos mais moços. Uma cidade onde se dava "bom dia" a todos e a qualquer um. No tempo antes do ano de 1970, não havia turismo, coisa que só aconteceu dez anos depois. Quem fosse visitar Natal nem mesmo se admirava de um progresso que já vinha tomando, devagar, os pontos mais distantes da cidade que era uma metrópole: metrópole de uma provincia do Rio Grande. Aqui, não se cuspia no chão, antigamente. As crianças - pobres ou ricas - tinham o direito de não ter direito. Natal era uma verdadeira Natal. E foi aqui que Alice casou com Antônio. Alice Leandro e Antonio de Castro. Ela nasceu em 25 de agosto de 1914 e viveu muitos anos em casamento. Ainda hoje, vive, com seus 94 anos. Da prole de Alice que se chamava "Minha", pode-se contar Valda, Airton, Ney, Berilo, Euclides e Ana Cristina. Além desses, Alice teve mais tres filhos que morreram quando ainda eram crianças. Portanto, foram seis os filhos de Alice. Dos seis, apenas um morreu: Valda que se chamava Valdinha. Ela morreu quando jovem, em acidente de carro. Foi uma longa tristeza para os seus pais e irmãos e irmã. Ana Cristina, sendo a última, nasceu em 1958. Os demais irmãos já eram grandes e se afagavam com a sua irmã pequena. Parecia com o papai e com a mãe também. Parecia com a vovó e com o vovô também. Não. Era ela só. Sua Magestade, a Nenen. Eu conheci Cristina quando criancinha. Nós - eu, minha mãe e meu irmão - moravamos em uma vila de Tio Zeca, na rua Professor Zuza, onde tia Alice morava. Uma casa de frente. Ao lado, um beco por onde se entrava e se encontrava os quartos da vila. Eram 8 quartos. A casa de frente, talvez pertencesse também a tio Zeca. Não me lembro mais desse pormenor. Sei que, eu, não raro, entrava pela porta do lado da casa de tia Alice, percorria toda sua extensão e saía por outra porta, também do lado, e pegava caminho até a vila. A casa era muito bem arrumada. Um esmero. Móveis de última geração. Cadeiras, mesas, pitisqueira, guarda-louças, quarda-roupas e mesmo camas de casal e de meninos. Por alí eu entrei várias vezes. Tudo isso, depois de meu pai morrer, em 1959. Por conta de sua morte, nós nos mudamos do bairro de Petrópolis e fomos morar em uma vila do tio Zeca, na Cidade. Essa foi a última vez que eu vi tia Alice. Depois. minha mãe encontrou uma casa já velha no bairro das Rocas e fomos morar lá. Mas tia Alice, continou a sua vida de cigana. Eu lembro que ela morou na rua Mossoró, esquina com a Av. Rodriges Alves, muito tempo antes de ir morar da rua Professor Zuza. Depois dessa casa, ela foi morar em uma rua estreita que dava acesso ao Matadouro, local onde se abatia o gado para levar aos mercados da Cidade, Ribeira e Alecrim. Depois disso, já não me lembro mais. Sei que, o seu marido, Antônio de Castro, que era militar da Polícia, saindo como Coronel, montou uma fábrica de sabão, nas Rocas, por trás de um lupanar de uma sonhora de nome Francisquinha, bem próximo do Campo de Futebol "João Câmara". A sua saboaria era em um beco muito estreito entre a Esplanada Silva Jardim e a rua General Glicério. E foi alí que ví, pela última vez o coronel Antônio de Castro, pois era aquele o meu caminho para o colégio Marista. Já hoje, tia Alice reside em um bloco de apartamentos na zona sul da cidade onde habita boa parte de seus filhos. Airton é aposentado da UFRN (Universiidade). Eu, algumas vezes encontrei com Airton no Campus Universitário. Ney se formou em Direito, mas preferiu seguir carreira de publicitário, principalmente no Rio de Janeiro. Ele publicou alguns livros, é poéta, integrou-se ao "Poema Processo" e, depois, largou tudo. Às vezes vejo uma poesia sua que ele faz para matar o ócio. Este ano, teve um livro seu que foi transformado em filme. Berilo, ah, eu o vi, quando estava em uma clínica médica na rua Potengi. Tempos depois, ele estava em outra clínica na Rua Jundiaí. Euclides tomou o curso de Veterinário e montou uma clínica no bairro de Capim Macio, na rua Roberto Freire. O terreno onde está a sua clínica pertenceu a seu tio José Leandro. Resta ainda Ana Cristina, que não quis fazer curso superior e se tornou dona do lar. Hoje, Cristina, pacientemente, vive ao lado de sua mãe já tão idosa e querendo assistir apenas o que passa na televisão, como que para se distrair. Desse modo essa é a longa e memorável história de tia Alice, vinvendo como a última herdeira de Miguel Leandro e Estefânia Leandro nessa bela cidade de Santos Reis que se chamou sempre Natal.
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sábado, 14 de novembro de 2009

RIBEIRA - 373

- CIDADE ALTA -

Esta é a Cidade Alta (foto) ou parte da Cidade. Como se pode vê, nada demais. Poucas casas e ninguém por perto. Contudo, era a Cidade Alta, trecho da capital do Natal (Rn) quando a metrópole não tinha nada para mostrar. Mesmo assim, foi nessa arruado de casas que a minha tia Nenen - nome era Irací Leandro - casou com um rapaz da Polícia Militar e com ele viveu por muitos anos. Durante o seu casamento, Iraci teve 11 filhos, bem abaixo do que sua mãe, Estefânia, que deu à luz 21 rebentos, dos quais 16 escapara com vida. Seu marido era Francisco Borges que terminou a carreira como Coronel da Polícia. Depois disso, gozou de sua aposentadoria olhando a cidade do alto, que tanto bem lhe fez. Nenen e Borges residiam em um bairro mais afastado do centro da cidade. Um bairro que alguém pôs o nome de Lagoa Seca, pois, lá, existia uma lagoa que nem era tão seca assim. Eles moraram nesse local, um tanto distante da chamada lagoa seca. Sua casa de terreno imenso, ficava na Avenida Dois, hoje chamada de Presidente Bandeira. Em sua morada tinha um verdadeiro sítio, com árvores frutíferas que brotavam às mais saborosas frutas, como o araçá. manga, graviola, araticum e mais algumas outras espécies. A casa de tia Nenen ficava quase vizinha a uma vila de sargentos da Polícia Militar, separando-se apenas por um clube da Polícia onde havia saraus vez por outra. O único meio de transporte para se chegar àquele ponto longincuo era o pontual Bonde que passava pra lá e pra cá a cada meia hora. Quem fosse de Bonde para o Alecrim, esse era o ponto principal. Se alguem fosse para a Ribeira (bairro), teria que embarcar em outro Bonde, pagando a passagem de 300 reais ou 3 centavos. O já tenente Borges tinha a primazia de um carro da PM ir buscá-lo em sua casa. Eu vi, por várias vezes o tenente, capitão ou então major está a balançar em sua espreguiçadeira, pra lá de pra cá, aproveitando o ar abundante e quente que soprava vindo das encostas do morro do Tirol e Morro Branco que dava aos que desfrutavam um tempo de paz e sossego. O primeiro filho de tia Nenen foi Renan, um garoto sagaz, porém um pouco deficiente, ao falar com que tivesse em sua casa.. Para a minha mãe, que era a sua tia, ele se expressava de uma forma onde se entendia com facilidade -"aaabenção, tititiaNera!". - era a forma com que pedia a benção. Os demais irmãos e irmãs eram todos normais em sua fala. Tia Nenen reclamava bastante das arteirices que Renan aprontava, como sair de casa sem dizer nada ou a ninguém para olhar os artigos que estavam à mosta nas lojas do Alecrim. Vez por outra, um soldado da Polícia, que já o conhecia, levava-o de volta à sua casa, dizendo-lhe. "Seu pai está brabo!". E ele, obdiente, aceitava o conselho do policial. Dos filhos de tia Nenen, podemos destacar: Renan, Odilson, Oriane, Chico (Francisco), Anchieta, Santino, Oceanira (Nirinha), Odilma, (Maria das) Graças, Maria do Carmo e Maria de Fátima. Dos onze filhos estão vivos apenas sete: Odilson, Anchieta e as cinco irmãs mulheres. Tia Nenen nasceu no dia 19 de dezembro de 1912 e faleceu no dia 21 de fevereiro de 1985, aos 73 anos incompletos. Eu tenho a recordar o tempo que Chico passou a trabalhar no armazém de tio Zeca (José) onde, todo dia sempre chegava depois da hora, coisa de 30 minutos. Por isso, tio Zeca ficava possesso da vida e pegava a relamar:

--- AGORA!!! - esbravejava tio Zeca.

--- É o ônibus. - explicava Chico.

--- QUE ÔNIBUS!!!! - explodia tio Zeca.

Certa vez, Chico chegou - como sempre - meia hora atrasado. E já estava aos berros do tio Zeca. Eu, que vinha um pouco mais atrás também, levei as sobras.

--- VOU CORTAR O PONTO DE TODOS OS DOIS!! PODEM IR EMBORA!!!! - textuou tio Zeca.

E nós apenas demos meia-volta e largamos para o Ministério do Trabalho pedir explicações: se trabalhavamos ou não, naquele dia. O funcionário nos declarou:

--- Claro que não. Ele não mandou vocês embora? Então, pronto. Amahã vocês voltam. Veja o que ele diz. Vocês tem carteira? - perguntou o fical

--- Só eu. Ele. não. - disse eu ao fiscal.

--- Pois voltem aqui. Voltem aqui! - recomendou o fiscal.

E nós fomos perambular todo o resto da manhã, percorrendo o Cais do Porto, vendo os navios desembarcar mercadorias e coisas mais. Já estavamos certos de que se perdessemos o emprego, tinha a nosso lado a DRT. Então, pra além do tempo, nos despedimos, pois já estavam às 11 horas. Quando eu chegei em casa já tinha estado lá um serviçal, pedindo para que eu voltasse ao trabalho. Dessa vez, eu tinha muito o que falar a tio Zeca.

--- Eu passei no Ministério e não tenho obrigação de trabalhar! - disse eu.

--- Olhe! Olhe! Olhe! Já foi pro Ministerio!!! - disse tio Zeca. E explicou que só tinha mandado embora Chico, que era também seu sobrinho.

--- E por que eu não? Se cheguei depois de Chico? - respondi de forma grossa a meu tio.

---Ooooooora! - respondeu ele.

Tempos depois, Chico foi aprovado em um concurso de Fiscal de Rendas e me mostrou seu nome no Diário Oficial do Estado. Ele pediu as contas e saiu para entrar no Estado. Nunca mais eu o vi. Soube apenas que, numa inspeção estadual, para os lados de Pau dos Ferros, o jeep em que viajava se acidentou e ele morreu de forma inesperada. Aquilo me entristeceu profundamente. Era o fim de meu primo e ex-companheiro de trabalho, Francisco Borges.

Ficava em minha mente os tempos infantis que bricávamos em um local bem abaixo de sua casa, em um terreno baldio, de jogos de bola e de gude. Eu, ele, Oriane e Odilson, pois os outros dois irmãos ainda tinham que nascer. Para mim, foi o ocaso da vida a morte de Chico.

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