quarta-feira, 18 de novembro de 2009

- PRAÇA PIO X -
Quando eu estava chegando da casa de tia Justa, um aroma penetrante consumia as minhas forças, pois eu sabia que dentro da casa havia bolo. Bolo, é bolo mesmo. Não é bolo de pancada com palmatória e tudo que os meninos levavam na palma da mão. Continuando: eu chegava na casa de tia Justa, entrando pela porta de trás, que ficava na rua Paço da Pátria. O nome é "Paço", e não, "passo". Quando era pequeno, eu saía com meu primo, Dadá - o seu nome era Grenalto - para fazer um "mandado" ou não fazer nada. Dadá e eu costumavamos ir à Salgadeira...- Salgadeira era a rua que batizaram por esse nome por conta das mulheres que salgavam as tripas, bofes e miudos do gado que era abatido no "Matadouro" que ficava onde hoje é uma ladeira que vai se ligar com o viaduto do Baldo. Se fosse à tarde, nós preferiamos ir à rua Ocidental de Baixo, por onde pessava e passa ainda o trem e, alé nós iamos pescar no tal Paço da Patria. O local chamava-se Paço porque ali embarcaram uns soldados que foram lutar em São Paulo por conta de uma guerra que estava havendo alí. Uma guerra não sei de que. Só sei que era uma guerra. E nós - Dadá e eu - entravamos pelo Paço, nem tão grande assim, passavamos por uns casebres - com certeza de pescadores e de gente que trabalhava no Mercado da Cidade, no Matadouro e em outros pontos de coméricio. Mas, não eram comerciantes. Eram cabeceiros, gente que levava as compras do povo rico na cabeça, em cestos enormes - Então, alí, nós arranjavamos uns caniços e, com uma linha e um azol improvisado, procuravamos um batelão abandonado e lá, passavamos horas pescando. Pescando que nada. Os peixes eram desconfiados das nossas iscas. Quando era mais tarde, nós saíamos e se ia até um capinzal de seu Manoel. Alí era mais facil pegar caranguejo ou então chupar cana que o homem tinha no seu capinzal. Cana caiana ou de outro tipo. Não sei bem. Eu conhecia seu Manoel e, quando chegavamos lá, ele escolhia a cana e descascava para nós, fazendo um "rolete" para cada um. Um, não! Vários!!. Os palitos dos roletes eram feitos com a mesma casca da cana. Certa vez, nós chegamos no capinzal e eu vi, encostado, um cavalo-de-pau que o velho tinha feito para entregar a alguém. Belo cavalo-de-pau, aquele, Eu fiquei até com ciumes por não ser para mim. O cavalo era um cabo comprido e, na extremidade de cima, era aberto, fazendo duas orelhas e um toco, muito bem feito, formando de conta que era a cabeça do cavalo. Tinham uns barbantes pendurados e duas brochas que eram os olhos do cavalo. Eu fiquei cismar com o danado do cavalo até que seu Manoel disse que, qualquer hora fazia um para mim. Então, eu me alegrei. Quando era já bem tarde, Dadá e eu voltavamos para a sua casa, com os pés sujos de lama ressecada do mangue por onde andamos. Tia Justa, sabedoura da traquinagem do filho, perguntava, então:
--- Por onde vocês andavam? - falava Justa
--- Na Salgadeira. - resondia Dadá.
--- Salgadeira? E esses pés? - reclava na hora.
Então, nós tratavamos de lavar os pés. Dadá, com cara desconfiada, dizia, ao final.
--- Pronto, mãe. Tá limpo! - falava Dadá.
Então nós calçavamos os sapatos e, eu, não parava de comer aqueles bolos deliciosos, pequenos, porém perfeitos para o meu paladar. Ela me servia café e Dadá ficava apenas a olhar a minha sanha de engolir tudo de uma só vez. Nesse ponto, ele quase morria de achar graça diante de minha mãe que não parava de dizer:
--- Tenha modos! - dizia a minha mãe.
A essa altura, eu já não podia nem falar, com a boca cheia de bolo, querendo apenas achar graça com o volume surgindo para fora: era a massa do bolo misturada com café.
--- Você não vem mais. Me mata de vergonha. - dizia a minha mãe.
--- Deixa, Nera. É coisa de menino mesmo. Deixa ele. - respondia com meiguice tia Justa.
A parte que dava para a rua Santo Antônio, era a da frente, por onde se entrava. A casa tinha móveis, os mais encantadores. Centros, cadeira de vime, estante, birôs e tantas outras coisas, como camas de casal e de solteiro para os filhos que ainda estavam em casa. E na sala de jantar oura ruma de coisa, como cadeiras, pitisqueiro, mesas, guarda-louças e a tradicional mesa alongada. Na cozinha, ficava o forno onde tia Justa assava os bolos que fazia de encomenda. Ela era casada com Oscar e tinha os filhos Geraldo, Nizete, Nilde (que nós chamavamos Nenen) e, por fim, Grenalto que nós chamavamos de Dadá. Ela era filha de Miguel e Estefãnia Leandro, nascida no dia 12 de dezembro de 1898. Como sua mãe, era gorda e baixa, de pele clara. Veio a falecer no dia 15 de novembro de 1976, aos 78 anos de vida. Raras vezes saía de casa, a não ser para visitar a filha Nenen que morava na Rua Gal. Ozório, esquina com a rua Felipe Camarão.
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