quarta-feira, 11 de novembro de 2009

RIBEIRA - 368

- ZÉLIA -
Zélia era uma menina dos cinco ou seis anos. Quando a conheci, ela era magrinha, olhos ternos, cabelos cor amarelada, boca bem larga até. No entanto, ela era uma menina. Sempre que passava em frente à sua casa, lá estava Zélia, sorrindo para mim e olhando para onde eu ia até perder de vista. Eu, também, era um menino. Somente passava alí quando a minha mãe mandava eu fazer as compras na bodega: um vidro de vinagre - daqueles em que se comprava o medicamento Bromil -, pães crioulo e francês, talvez um pacote de coloral. Era assim que eu - menino - fazia as compras lá de casa. Quando eu voltava, lá estava Zélia como a me esperar e voltava a sorrir. Somente sorria. Nada mais. De minha parte, eu retribuia o sorriso. Eu era mais velho que a menina. Talvez uns dois anos a mais. Se era dia de sol, eu ficava a brincar em frente de minha casa, às vezes com um arco e flexa que eu mesmo havia feito. Certa vez, Zélia vinha para a sua casa, pelo meio da rua, por entre os pés de carrapateiras. Eu estava com o meu arco a brincar quando de vez acertei uma flexa bem no topo da cabeça de Zélia. Por sorte, a flexa era um tanto envergada e atingiu a menina sem causar ferimentos, pois bateu com a parte bem mais envergada e subiu. Eu tive um medo atroz. Peguei meu arco e bem que depressa escondi na oficina do meu pai, no fundo do quintal. Por sua vez, Zélia de nada sofreu. Apenas veio me entregar a lança que se perdera por entre os pés de carrapateiras. Eu nem queria a tal lança que fizera uma arte naquela pobre criança. Porém, a recebi e joguei para longe, junto ao arco que eu jogara por entre os ferros. A menina, apenas me olhou sem comentar. Olhou fixo com o seu olhar miudo e se pôs a sorrir. Os joelhos das minhas pernas tremiam igual a vara verde de tanto medo que eu estava a sentir naquela hora. Nesse instante, Zélia perguntou por que eu sacudira a flexa no mato. Eu disse qualquer coisa e saí a lhe acompanhar até a porta da minha casa por onde a garota entrara. Conversamos sobre coisas amenas e após um breve período, atendendo ao chamado de sua mãe, a menina foi embora, olhando sempre para tráz, para mim, com o seu sorriso nos lábios. Em sua testa, nada ficou de ferimento. Nas minhas mãos, ficaram os temores do que eu acabara de fazer. Nunca mais brinquei de bodoque com mais ninguém. Uma lição para que eu nunca esquecesse jamais.
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