sábado, 7 de novembro de 2009

RIBEIRA - 363

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A Alemanha Oriental controlava e dirigia seus órgãos de imprensa. Para ela, os jornalistas ocidentais eram uma ameaça ao sistema socialista. No fundo, tratava-se de uma bela história. Uma família do interior do estado alemão de Hessen se encontrava, em meados dos anos de 1980, na fronteira com a antiga Alemanha Oriental (RDA) e queria entrar no país. "Vocês estão desempregados?", perguntou o incrédulo funcionário da fronteira. Não, respondeu a família ocidental, dizendo que queria morar na RDA e abrir um bar. O jornalista Ulrich Schwarz ainda hoje rí da história. O então correspondente da revista Der Spiegel na RDA escreveu à época um artigo sobre a família de Hessen. Pouco tempo depois, foi convocado ao Ministério das Relações Exteriores da Alemanha Oriental. "Comunicaram-me que eu não havia solicitado permissão para viajar até lá [a fronteira da RDA com Hessen]. Então eu disse que me advertissem e que faríamos um comunicado interno na Spiegel relatando que nosso correspondente recebera uma advertência porque escrevera uma história positiva sobre a RDA. Acabou ficando por isso mesmo", conta Schwarz.
A relação entre a Spiegel e a RDA nunca foi boa. A circulação da revista semanal era proibida na antiga Alemanha Oriental. Entre 1976 e 1985, o politburo do partido comunista SED fechou o escritório da sucursal da revista em Berlim Oriental porque ela publicara um texto crítico de um grupo de oposição dentro do SED. "Para jornalistas estrangeiros, a RDA era como uma ostra", diz Schwarz. "O apartamento e o escritório tinham escuta eletrônica. Em parte, as conversas foram realmente gravadas, até mesmo conversas que tive com visitas na minha sala de estar. Sempre que voltava de Berlim Ocidental para a rua Henrichstrasse, eu pensava: 'agora estou em terreno inimigo'". Da mesma forma como controlavam seus próprios órgãos de mídia, o SED e a Stasi também queriam vigiar os jornalistas ocidentais, principalmente os alemães. Somente a partir de 1973 passaram a existir os primeiros jornalistas alemães ocidentais regularmente credenciados na RDA. Todas as viagens que eles fizessem para fora de Berlim Oriental tinham que ser solicitadas com 24 horas de antecedência e qualquer tipo de cobertura jornalística tinha que ser comunicada ao Ministério das Relações Exteriores. A Stasi mantinha uma dossiê secreto sobre cada um dos correspondentes alemães ocidentais. Uma rede de informantes foi formada em torno de cada um deles. "Todos os contatos oficiais eram membros do partido ou eram agentes da Stasi. Pode-se calcular que, para cada um dos correspondentes regularmente credenciados, estavam em serviço cerca de 15 a 20 vigilantes", afirmou Jochen Staadt, do grupo de pesquisa "O Estadodo SED" da Universidade Livre de Berlim. Os jornalistas de rádio e de televisão eram considerados especialmente perigosos. As ondas da televisão ultrapassavam a fronteira e mostravam aos espectadores orientais fatos que o governo da RDA queria esconder, como a poluição ambiental na Alemanha Oriental ou a decadência das cidades.
Os jornalistas ocidentais recebiam informações e material sobre temas delicados de informantes como o jornalista e cinegrafista Siegbert Schefke e o fotógrafo Aram Radomski. Ambos tinham quase 30 anos e ainda "tinham uma conta a acertar" com o regime quando começaram a fornecer informações a jornalistas ocidentais e a filmar o que não deveriam. Como, por exemplo, em 9 de outubro de 1989 em Leipzig, quando os dois se deitaram sobre sujeira dos pombos dentro da torre de uma igreja e filmaram, secretamente, a manifestação de 70 mil cidadãos da Alemanha Oriental contra o regime do SED. As filmagens foram entregues ao correspondente da Spiegel, Ulrich Schwarz, que as levou para o Ocidente. No dia seguinte, os alemães orientais puderam ver no noticiário televisivo ocidental que não foram 500 bêbados que provocaram arruaças no centro de Leipzig, como fora anunciado pela mídia da RDA. Jochen Staadt está convencido de que, assim como os contatos pessoais que os alemães orientais mantinham com o Ocidente e os inúmeros fugitivos do país, o rádio e a televisão ocidentais eram um espinho nos olhos do regime do SED. As próprias mídias da Alemanha Oriental acabaram por influenciar indiretamente a queda do Muro porque não noticiavam o que realmente interessava aos cidadãos.
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