segunda-feira, 30 de novembro de 2009

RIBEIRA - 391

- AS TIAS -
Certa tarde de um mês de verão, com muito calor, chegaram à minha casa três senhoras bem vestidas, perfumosas e de rosto colorido pela maquiagem. Subiram os quatro degraus da calçada e. depois mais três que dava acesso a varanda e se encostaram na parede da janela que dava para a rua. Duas das três eram minhas tias: Alice e Leonor. A terceira pessoa era uma moça que tia Alice criava desde que ela era menina, depois da morte de sua mãe. Seu nome era Alba. As duas senhoras cumprimentaram o meu pai, um senhor gordo e que estava sentado à mesa, corrigindo provas de seus alunos. A mesa era de uns 2,5 metros de cumprimento por 2 metros de largura. Naquela hora, toda a mesa estava cheia de cadernos dos alunos com meu pai a corrigir. Ele foi tomado de surpresa pela algazarra das visitas. É que, o homem estava apenas vestindo uma ceroula ou cueca como se diz, sentado a seu bel prazer, sem se importar com quem vinha ou quem ía. A casa era pobre. A encanação da água fora posta recentemente e a luz elétrica também. Nós moravamos naquele local desde o ano de 1953. Quando as minhas tias chegaram à janela, meu pai foi pego de surpresa. Ele só vestia ceroula e nada mais. O cumprimento das visitas foi breve e alegre:
--- Boa tarde, João. Onde está Nera? - perguntou tia Alice seguida por tia Leonor.
--- Boa tarde! Como vão vocês? Nera? Ela foi pra lá..Casa de Justa! - respondeu o meu pai, se enroscando todo para não mostra que estava apenas de ceroula.
--- E foi? Arrastamos a mala! - disse tia Alice e tia Leonor enquanto eu pedia a benção das duas.
Era uma viagem e tanto que as duas irmãs tinham feito em companhia de Alba, a moça. Elas vieram da Cidade para Petrópoles, de Bonde, creiu eu, e deram o percurso perdido. Minha mãe, vez por outra saía de casa para ir à moradia de Justa ou de Anunciada, suas irmãs, sem nada falar. Depois, ao voltar ela trazia bolos para o nosso café da noite.
--- Ô calor! Tem água aí? - perguntou tia Leonor.
--- Tem, sim! - respondeu com sua voz calma, meu pai. E me disse para que eu buscasse a água.
Descruzei as pernas que as tinha em forma de quatro e saí, correndo, até a cozinha, trazendo a quartinha e voltei para buscar mais três copos, retornando em seguida, servindo a água para as visitantes. Um para Alice, outro para Leonor e o terceiro para Alba, a filha de criação de Alice.
Sei bem o que as duas irmãs conversavam depois de tomar a água.
--- O que é que a gente faz? - perguntou Alice.
--- Nada. Vamos voltar. Arrastar a mala! - respondeu tia Leonor, caíndo na risada.
Depois do adeus tão inesperado das duas senhoras, João, meu pai, respondeu em troca, olhando se as tres mulheres desciam a calçada. De minha parte, eu vi de resto quando elas desceram, e tomaram à rua, alegres e conversadeiras, cada qual no seu coxixo, sorrindo a qualquer coisa. Eu imaginei do que elas sorriam: meu pai de cueca sem nem se poder levantar. A rua não era calçada e, do outro lado, as casas também não tinham calçamento. Era tudo barro batido. As mulheres chegaram à esquina de baixo, pois a casa que nós morávamos era em uma ladeira, e tomaram rumo desconhecido. Sei que, quando minha mãe foi à casa de tia Alice, tempos depois, o assunto rendeu muito, com as alegres conversas entre as duas irmãs.
As minhas tias: Justa, Leonor, Alice e Iracy, costumavam fazer bolo, cocada e outras guloseimas na casa da minha avó, Estefânia, onde se vendia de tudo o que se fazia, inclusive polí (picolé) e sorvetes dos mais variados estilos. Não raro, minha avó fazia por encomenda. Bolos caprichosos e lindamente perfumosos que tomavam conta de todo o quarteirão, na rua da Estrela, onde meu avô, Miguel Leandro, havia construido várias casas de aluguel. Casas muito boas, por sinal. O local de dona Estefânia era por demais conhecido e, muita gente preferia comprar bolo feito pela mulher com a ajuda de suas filhas. Para minha mãe, apenas sobrou a receita do bolo "Paraíso", uma doçura de bolo, um alimento a base de massa de farinha de trigo, geralmente doce e cozido no forno. Era tudo o que a minha mãe tinha de receita. As meninas, quando alguém pedia para fazer um bolo, elas levavam à casa do freguês, quase sempre um morador das proximidades. De um modo em geral, todas as moças de avô Estefânia sabiam fazer bolo dos mais variados estilos. Além de prático e super gostoso, o bolo ficava bem soltinho e pronto para ser consumido
E foi assim, com o cheiro de bolo, doces, comportas e cocadas que a minhã avó Estefânia colheu os louros de sua fama. Agora: nem todos podiam beliscar os tais bolos de Estefânia porque, senão, era posto de castigo.
--- Menino trelouso! - dizia sempre ela aos afoitos e destemidos garotos que se detinham em beliscar os tais maravilhosos e nobre açucarados bolos, pudins, comportas e outros, feitos especialmente por ela, para aniversários e casamentos, ornados artísticamente para ocupar o lugar central da mesa.
No entanto, tais delícias eram feitas para serem comidas em lanches ou no café-da-manhã. Os bolos de dona Estefânia eram um segredo que ela não dizia a ninguém. Sabia-se, porém, que levavam os ingredientes normais dos bolos, como trigo, maisena, açúcar, óvos, manteiga, leite e côco. Por muito tempo, tia Justa ainda fazia tais guloseimas para vender na porta de casa.
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