quinta-feira, 12 de agosto de 2010

MEIAS DE SEDA - 42 -

- MEIAS DE SEDA -
- 42 -
Dias depois do sepultamento de Inaldo, estava Jubal, à noite, na casa de Salésia ouvindo uma conversa feita pelo rapaz desconhecido cujo nome era Marco – veio Jubal a saber pouco tempo depois – de um fato estranho e nunca revelado por alguém e nem mesmo visto por demais pessoas. Era um domingo, horas antes de celebração da Santa Missa na Catedral, quando, por acaso, caiu uma hóstia sacramentada pelo sacerdote da Matriz. A hóstia se pôs no chão e de imediato atormentado o sacerdote pediu um lenço branco, que se usava ou usa nas celebrações religiosas para cobrir a hóstia santa ali depositada. Essa historia quem contou foi o próprio Marcos que, na ocasião, era o acólito do sacerdote da Matriz. O garoto – nesse tempo era um garoto – arranjou um lenço branco e, diante do aperreio do padre em cobrir a Santa Hóstia, o entregou e olhou de perto a Hóstia coberta. O padre era nervos só diante do Corpo e Sangue de Cristo caído no chão. Então, o sacerdote levantou o lenço e não havia mais Hóstia alguma. Nada além do lenço branco. O sacerdote, amedrontado com o fato, pediu silencio ao acólito para nunca dizer o que havia sucedido ali. A Hóstia tinha desaparecido como por encanto. O acólito ainda verificou o lenço por ambos os lados na mão do sacerdote e nada pode ver. Essa era uma história por demais estranha. Ele, Marcos, contou tudo isso sob a promessa de silencio de todos os que estavam a ouvir, inclusive a mãe de Salésia, a própria Salésia, o seu noivo e os irmãos de Salésia. O rapaz, bem moço ainda, talvez 17 anos, quebrou esse silencio ao revelar tal história.

Por seu lado, Jubal teve a contar uma historia que sua avó contava que uma mocinha dos seus treze anos ou quatorze, no Ceará, uma certa vez, ao receber a Santa Hóstia, na Santa Missa celebrada pelo sacerdote em um local por nome de Juazeiro do Norte, a viu transformar-se em sangue. Isso aconteceu em uma Sexta-Feira Santa, e se repetiu na outra Sexta-Feira Santa do ano seguinte para o espanto de todos os fieis que assistiam a Santa Missa. Isso se deu no ano de 1890, e desde então, se celebrava missa na Igreja do lugar, mas nunca mais houve a transformação da Hóstia em Sangue do Senhor, contou Jubal, aos presentes aquela reunião de amigos. A moça tinha o nome de Maria Araújo e era só o que ele sabia dizer.

--- Ufa. E eu pensei que era brincadeira de coroinha. – disse Ênio, irmão de Salésia.

--- Brincadeira nada! A Hóstia é Santa quando o padre consagra! – enfatizou Marcos.

A história se alargou por um bom tempo com cada um dizendo coisas que pareciam ser verdade. Dois dias depois o Jornal da Cidade publicou uma elegante matéria com fotos do altar mor e destacando os aspectos não então revelados da Hóstia Sagrada que os fieis tomavam como um símbolo de fé e devoção. O Jornal procurou ouvir palavras e personalidades ilustres, como o Bispo, o próprio padre da Catedral, pessoas ligadas as Congregações Marianas e de outras importantes esferas, até mesmo da religião protestante que havia na cidade. Foi uma matéria de rara pompa aquela do Jornal mostrando a transfiguração do próprio Cristo na profissão da fé. Houve depoimentos sobre o derramamento de lágrimas de Nossa Senhora e a transformação de carne coberto de sangue de Jesus quando depositada na língua de uma mulher que assistia a Santa Missa atrás de todos os fieis. No relato contido pela declaração de um dos que foram entrevistados, houve clamor geral e choro abundante por parte dos fiéis que se aglomeraram para ver o milagre da transformação da Hóstia. Em declaração mais precisa, um dirigente de organização declarou que a Imagem de Jesus ganhou vida em uma capela da comunidade de Naju, na Coréia. E fez menção de pegar a mão de Nossa Senhora que se encontrava ao lado.

Outros órgãos de imprensa local e nacional ouviram o mesmo pároco e o Bispo a respeito do milagre da Hóstia desaparecida. Essa história durou um bom tempo nos jornais do País. Quando algum jornal procurou identificar o garoto que declarou tudo ao Jornal da Cidade, este não fez mais alarde do que havia dito na ocasião. Enfim, com os dias, a matéria perdeu o impacto inicial e a cidade voltou a viver tranqüila e calma como era o seu costume. E Jubal voltou a colher capim pois nada mais tinha a fazer, a não ser contemplar o seu belo carro que ele estacionava sempre no alto da Rua Ocidental. Ao descer pelos degraus que davam acesso a Feira de Paço, ele, de repente, deu de cara com uma pessoa que vários dias não a via. Ao começar a descer os batentes viu a mulher que ele sentia ser bem semelhante a sua ex-esposa Nora. Foi cumprimento de ambos os lados e Jubal aproveitou para saber seu nome:

--- Natália, meu nome, senhor Jubal. – sorriu à senhora.

--- Hum! Natalia. Por acaso a senhora é ou foi professora? – perguntou Jubal.

--- Sim. Sou professora. Ensino crianças. – sorriu Natália.

--- Ah bom. Notei por seu aspecto. Afinal a senhora é delicada. – sorriu Jubal.

--- É. Há quem diga assim. Mas o senhor faz o que? – perguntou Natalia sorrindo.

--- Eu planto e colho. Só isso. – sorriu Jubal.

--- Ah bom. Tomate, pimentão, coentro. Não é assim? – perguntou Natália.

--- Não. Capim. Planto e colho capim. – sorriu Jubal.

--- Nossa! Nunca imaginei que se plantasse capim! – clamou admirada Natália.

--- Pois se planta. Se não os cavalos morrem de fome. – sorriu Jubal.

--- Cavalos? Onde o senhor encontra cavalos para comer tanto capim? – perguntou admirada Natália.

--- Por aí. Na Prefeitura, no Esquadrão da Policia, nos carroceiros. – respondeu Jubal a achar graça.

--- Cabeça oca essa minha. É mesmo. Têm muitos burros, cavalos, asnos pela cidade. Eu não pensei nos coitadinhos. – sorriu a mulher.

--- Bem. Vou seguir dona Natália. Qualquer volta dessas a gente se cruza. – declarou Jubal tomando a direção do capinzal.

Os dois se despediram e o homem foi para a esquerda e a mulher seguiu em frente para procurar alguma coisa nutritiva na Feira do Paço. No decorrer do seu caminhar, Jubal voltou a insistir na semelhança que existia entre Nora e Natália. Isso além das iniciais dos nomes. Natalia e Nora. E assim caminhou ele para o seu sítio onde já estava trabalhando desde cedo o rapaz José, neto da empregada Eunice.

Nesse meio tempo, a mocinha Salésia chamou a sua mãe para contar uma novidade. Ela não mais estaria propensa a casar. Isso foi depois de longo tempo que a moça chegou a essa conclusão. Ela chegou à decisão de contar antes a sua mãe para depois falar com o noivo. Salésia estaria propensa em entrar para o Convento das Feiras. E foi assim que Salésia se deteve na inspiração de que seria mais justo ela ter uma clausura do que viver uma existência profana. Era tudo o que dizia a moça em sua concepção de ser uma Freira.

--- Você está louca? Freira? Isso nunca! – respondeu a sua mãe.

--- Não tem importância mãezinha. Eu espero. Espero por minha maioridade e então eu vou ser Freira. É bem melhor para mim. Serei uma Freira Enclausurada. – relatou Salésia a sua mãe.

--- Minha filha. Pense bem no seu caso. Você tem um noivo. É claro que ele é mais velho que você. Mas é um homem. Ele já foi casado e não pensava em casar outra vez até que surgiu você. Jubal fez o pedido a seu pai com você com 15 anos apenas. E seu pai consentiu. Agora vem você com essa historia de ser Freira. Isso nunca! – respondeu a sua mãe.

A moça calou e não disse mais nada. Agradeceu a sua mãe por ter lhe ouvido e saiu para o seu quarto, onde trancou a porta ficando dentro do catre rezando para Deus e prometendo ficar virgem para o resto da vida. Na cozinha, sua mãe reclamava o tempo todo por causa do pensamento da moça:

--- Ser Freira! Ora que merda mais fedorenta! – falou a mulher ajeitando os pratos da mesa.

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