segunda-feira, 2 de agosto de 2010

MEIAS DE SEDA - 31 -

- MEIAS DE SEDA -
- 31 -
O dia amanhecera calmo e Osias já estava no sitio que, um dia fora dele e então era de Jubal para verificar o que ele já sabia fazer. José Bento, o Zeca, estava colhendo feno como fazia todos os dias. Zeca plantava e colhia sem mais preocupação. Osias ficava para vender o que o pessoal da carroça pedia ou gente de maior gabarito mandava comprar para atender as necessidades do gado e dos cavalos ou asnos. Todo dia era o mesmo dia. E depois que Osias perdeu a perna, ficou mais angustiante para ele. Jubal lhe arranjara aquele emprego para evitar que o amigo vivesse de esmolas, pois Jubal ajudava a Osias apesar da filha do homem, Walquiria ter se casado com o senhor Rossetti, dono de uma perfumaria no bairro Ribeira. É certo que Walquiria assumira toda a despesa com a casa do seu pai. Porém, Osias queria ter um serviço para dizer a ele mesmo que ainda podia fazer algo. E assim, apesar de ser apenas uma ajuda de Jubal, todo dia Osias estava no batente.
Naquele dia, portanto, os dois homens estavam em seu labor e o que acontecera nem Zeca e nem Osias chegaram a notar sobremaneira. Eram mais de nove horas da manhã quando a mulher de Zeca arrumou os seus panos – os negócios de maior precisão – e saiu de casa quase às escondidas com se não quisesse despertar a atenção do seu companheiro. Creusa era o seu nome. Algum tempo passado, Zeca encontrou Creusa fazendo salão em um cabaré de quinta categoria situado nos confins da cidade. Ela era uma jovem moça dos seus vinte e dois anos quando Zeca a encontrou. Naquela noite, o homem, de cerca de trinta anos, saiu com a mulher e depois de algum tempo no quarto da pensão ou cabaré, ele fez o convite para que Creusa viesse morar com ele em uma casa que o rapaz tinha para si. A moça fez fé no que o rapaz declarou e deixou a pensão onde estava fazendo sala. Então, Creusa veio morar com Zeca.
A despeito de o homem dizer que a mulher estaria bem a morar em uma “casa”, na verdade, o que Creusa encontrou foi um mocambo. Porém a mulher a principio não discordou de nada. Creusa ficou a espera que o tempo melhorasse como prometia Zeca e ele faria uma casa bem maior e de melhor acomodação. No entanto, passara-se o tempo e a casa não saia da promessa. Ela ficou sabendo que Zeca não tinha nada do que dizia ou prometera. Ele era um simples empregado, tirador de capim e nada mais. A mulher tinha seus planos que jamais dizia ao companheiro. Queria ela viver cômoda com seus melhores vestidos, louçaria, casa grande, talvez, quem sabe, criados para fazer suas compras. Assim ela desejaria pelo menos o céu. Mesmo assim, nem céu nem inferno. Tudo que a mulher conseguira no seu tempo com Zeca foi lavar a sua – dele – roupa, de quando em quando, pois o homem não possuía tanta roupa assim. E de quebra, cozinha feijão e arroz com carne de sol à beira de um fogão de lenha.
Vida miserável a de Creusa. Quando o Coronel Veríssimo era vivo, até que a mulher conseguia uns trocados em favor do sexo. Enfim, sexo ela aprendera fazer com galhardia, era certo. Quase sempre, uma vez por semana, se não houvesse atropelos, ela saia com o Coronel Veríssimo até o dia em que o homem bateu das botas. E desse fato ela nem precisou responder a Policia, pois a dona da pensão cuidara de tudo ao dizer que encontrou o homem caído na rua, talvez bem próximo a sua pensão e tudo ficou por isso mesmo. Virginia, a mulher que socorrera o Coronel, tinha uma pensão que ela gostava que se chamasse de Solar, pois assim dava mais orgulho aos seus freqüentadores: O Solar da Virgínia. Com relação à Polícia, a mulher tinha certa franquia com o delegado, pois quando esse chegava pelo Solar sempre era recebido com maior atenção. E foi com o Coronel Veríssimo que ela ficou conhecendo as damas da pensão ate então desconhecida de Creusa.
Então, foi nesse arrumado de coisa que a mulher saiu de casa, pegou a estrada que dava acesso ao Cemitério e de lá rumou para até chegar ao Solar de Virgínia, no cruzamento da Avenida Dois com a Rua São José. A casa de Virginia era uma verdadeira Mansão, cercada por muros altos que ninguém das imediações queria entrar para ver melhor. Quem morasse nas redondezas sempre dizia: “É aquela casa da mulher”. O Bonde passava em frente do Solar e fazia a curva ali também indo até o seu terminal na Rua São João do outro lado da São José. Creusa era mulher atraente e podia ser cobiçada pelos melhores fregueses do Solar. Logo que chegou aquela Mansão, ela procurou a gerente do Solar e pediu uma guarida, pois estava sozinha desde que o Coronel morreu. A gerente, mulher de boa altura e corpo largo quase que não respondeu. Conhecedora de Creusa disse apenas.
--- Ponha seus trastes aqui. É aqui que você fica. – falou a gerente da pensão.
E por essa ordem Creusa ficou no dormitório das mulheres mais simples que por ali chegavam. Banho: tinha no chafariz em um terreno que ficava quase no meio da rua ou no meio da rua mesmo, entre a Avenida Dois, a Avenida Quinzes e o final da Rua São João. Era um terreno pequeno e o chafariz era para acudir aos moradores das imediações e, com certeza, as mulheres de vida livre que moravam no Solar de Virginia. Ao final da tarde as damas da noite estavam a tomar banho sob o cano de água que jorrava, em uma alegria tremenda. Nessa hora, as senhoras donas de casa não permitiam as filhas de chegar até o chafariz por que ali estavam às mulheres da vida, era o que diziam as mães.
--- Não vai lá. Só tem mulher da vida. Está ouvindo? – alertava muito seria e com o rosto batendo no das moçinhas para que elas tivessem medo dessas tais mulheres.
Para as meninas e também mocinhas as mulheres da vida parece que tinham uma chaga ou uma marca no corpo. Quem se aproximasse delas, ficaria também chagado. Era como se fosse uma sarna, lepra ou bexiga. As meninas tinham medo de tais mulheres e, se passassem por perto delas, faziam carreira para que elas não vissem as pequenas. Essas pequenas eram garotinhas que ainda não sabia de coisa alguma. É tanto, se alguma conhecia da família caía da vida, ela – a mulher ou moça – era logo rejeitada pelo restante do pessoal:
--- Ela é mulher da vida! – diziam as que mais sabiam das coisas que uma mulher devia saber fazer.
Durante a noite, mais preciso às sextas feiras e sábados, havia baile no Solar. As damas a dançar com roupas esvoaçantes, algumas já cheias de uísque. Gritinho elas faziam e diziam para que todos as ouvissem:
--- Assim, amorzinho. – diziam umas das tais.
--- Assim não, amoreco. – era o que diziam outras mais.
E nas casas próximas, as senhoras- em sua maioria pobres – rezavam o terço para que Nossa Senhora aplacasse aquela fúria desesperada quando se pensava que cada mulher da vida estava fazendo:
--- Coisa ruim. Ave Maria. – relatavam assombradas as senhoras pobres.
E foi nesse antro permissivo que a jovem Creusa se tornou a mais exuberante mulher que nos derradeiros tempos apareceu por ali. Todos os freqüentadores a queriam para saborear a qualquer modo. Ao passo que os negócios progrediam para Creusa, ela lutava com afinco para se tornar a mais mulher das mulheres. Todo o dinheiro que arrecadava – às vezes tirando do bolso do freguês quantias enormes – ela guardava em um cofrinho que o deixava escondido por baixo de suas roupas do quarto. O cofre era todo de ferro e fechado com uma chave que a moça trazia muito bem guardada. Passaram-se os dias e os meses quando alguém falou ao seu ouvido sorrateiro:
--- Por que você não deposita o que faz? – perguntou o homem.
--- Deposita como? – indagou Creusa de modo desconfiada.
--- Você procura um Banco e deposita o dinheiro que tem. – sorriu o homem de forma baixa e muito tranqüila.
--- E onde vou achar esse banco? – investigou por mais uma vez a moça.
--- É um Banco. Uma casa bancária. Algo muito seguro. Na cidade tem. E se for o caso, você me procure. Eu sou o gerente de um deles. – falou baixinho o homem em um canto do salão de baile.
--- E como chego até lá? – perguntou a moça.
--- É fácil. Tome esse cartão e procure o endereço na Ribeira. No Banco você tem segurança e ainda tem rendimentos. Isto é: Se você deposita um tanto vai ter muito mais no fim do mês. Faça isso. Faça. – respondeu o homem.

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