segunda-feira, 16 de agosto de 2010

MEIAS DE SEDA - 46 -

- MEIAS DE SEDA -
- 46 -
Às seis e meia horas da manhã de certo dia, entrou no Mercado um cidadão cuja identidade não revelou de imediata. Apenas procurou no Café de Nazinha, o ultimo que ali existia no segmento de seis Cafés, o de Dona Doca, que ele acreditava ser aquele onde perguntava. Porém não era o de Nazinha. A mulher informou que o Café ficava mais adiante, logo o segundo do segmento. E mostrou também a senhora Doca para satisfazer o cidadão. Esse agradeceu e saiu à procura de Dona Doca no local aprazado. Chegando ao Café, perguntou novamente que se chamava ali por dona Doca e a mulher logo respondeu:

--- Sou eu. Pode dizer. – falou Doca.

--- É a senhora mesma? – perguntou o cidadão a dona Doca.

--- Sim. Sou. Pode falar. É cobrança? Porque se for não devo a ninguém. – respondeu a mulher já meio abusada.

--- Não. Não é cobrança. Tem um canto onde possamos conversar mais tranqüilo? – perguntou o cidadão meio desconfiado.

--- Aqui mesmo. Pode dizer! – respondeu a mulher com as mãos nos quartos.

--- Bem. É o seguinte. – e olhou para as pessoas em volta com receio em dizer.

--- Fale homem. O que está prendendo? Filha: não tenho. Marido pior. O que me falta agora? – resmungou a mulher já meio raivosa.

--- Bem. – e segurando o chapéu nas mãos perto da cintura, o homem falou. – A senhora conhece um homem por nome Nicanor? – perguntou o estranho assombrado.

--- Olha. Nicanor: conheço muitos. Nicanor da bodega, Nicanor que passa bicho, o velho Nicanor que anda doente. Qual o que o senhor prefere? – indagou a mulher cheia de abusos.

--- Não creio ser nenhum desses. O Nicanor que eu falo me disse ser seu marido. A senhora conhece? – indagou o homem com receio.

--- Ah, Só podia ser uma peste daquelas. Conheci há muito tempo. Agora, se morreu que tenha bom enterro. – articulou dona Doca já um tanto malcriada.

--- Não. Não. Ele não morreu. Está vivo. Porem doente. Magro. ...

E o homem foi interrompido no meio da conversa.

--- Magro ele foi. E sempre será. Está doente de que? – perguntou dona Doca.

--- Bem. Eu não sei. O que eu sei é que ele está no hospital. – falou o homem.

--- Que faça bom proveito. Gente ruim não morre. Nem ele. – respondeu Doca.

--- Eu sei. Eu sei. Quer dizer. Bem. Eu sei disso porque ele me falou que ele foi casado com dona Doca, uma senhora que vendia café das feiras e chegou a colocar banca no Mercado da Cidade. Então contou tudo a respeito da vida dele. Que se casou. Teve uma filha, viveu um tempo em casa. E certo dia. ... Ele jogava muito. Baralho. Ele saiu de casa e passou um tempo sem voltar, só jogando. Perdendo, ganhando. E assim por diante. Quando deu por fé, já tinha se passado o tempo e ele continuou a jogar. E então não voltou mais. Agora estava para ser operado. Nada podia fazer. Mas não disse que eu procurasse à senhora. Falou por falar. Então, eu disse: O senhor não tenciona ver sua mulher? – Ele respondeu: Se ela quiser vir, até que é bom. Foi isso o que ele me disse. – pontuou o homem com cara de ser repreendido por Doca.

--- Rum! Pois sim. Eu até posso ir ver como ele está. Mas não garanto nada ao senhor. – respondeu a mulher meio asquerosa.

--- Tá bom. Tá bom. Eu cumpri o meu dever de cidadão. Foi o de avisar à senhora que ele está muito mal. Muito mal mesmo. – reclamou o homem.

--- Está bem. Pois muito obrigada. Não por ele. Mas pelo senhor. – respondeu Doca.

Quando chegou a tarde, por volta das três horas, a mulher estava no hospital, secção de indigentes, procurando a cama em que repousava o seu marido ou ex-marido com Doca pretendia ser chamada. Aos outros, ela dizia sempre que era viúva. Mas, Nicanor ainda estava vivo. Depois de procurar insistentemente, a mulher encontrou deitado em uma cama, aquele homem esquálido, mas morto que vivo. Ela, naquela hora, conversava com outro paciente. Conversa de quem não sabe nada. Até que a mulher jeitosa como que, abordou o homem, mas magro ainda. Ela conduzia uma bolsinha nas mãos da qual não se descuidava.

--- Nicanor? – chamou assim pelo nome a mulher.

O homem que estava conversando com outro enfermo se voltou para olhar quem o chamava. Demorou-se um pouco para reconhecer a mulher e quando então falou foi nesses termos:

--- Você é Doca? – murmurou o homem.

--- Sim. Quem mais poderia ser? – falou a mulher de forma antipática.

--- Mas é Doca mesmo? Como está nova. Doca, você não me reconhece? – perguntou Nicanor com os olhos cheios de lágrimas.

--- Como você está? – perguntou Doca de modo áspero.

--- Estou mal minha Doquinha. Muito mal. Como você pode ver. Mal mesmo. Já não tenho mais nem esforço para nada. É triste, Doquinha! – chorou Nicanor querendo se levantar da cama.

--- Pois é. Eu também ando triste. Muito triste mesmo. Não tenho mais nada para me confortar. Nem mesmo a filha. – chorou Doquinha aos pés de Nicanor.

--- Nossa filha? O que aconteceu com ela? Ah minha filha! Ela morreu? – chorou Nicanor cheio de mágoa.

--- Deus a levou. Triste mesmo. Coisa terrível. Mas deixa pra lá. Vamos nós dois. O que você tem Nicanor? – perguntou Doca.

Chorando copioso, sem parar, ele apenas balbuciou que estava com muito medo. Tinha que fazer uma cirurgia no pé do abdome e não saberia nem se escapava dessa vez. Ele vinha tendo fortes dores na barriga e então o medico o examinou e declarou que tinha de fazer uma cirurgia urgente, pois o caso era grave. E ele estava com muito medo mesmo de fazer a operação. Talvez fosse câncer. Ele teria que urinar por uma sonda por algum tempo. Talvez pelo resto da vida.

--- E as mulheres que você teve? – perguntou a mulher de forma séria.

--- Mulheres? Eu não tive mulher, Doquinha. Só vivia do jogo. Perdia. Ganhava. Voltava a perder. Esse foi o meu destino. – chorou Nicanor.

A mulher não tirava os olhos daquela esquelética criatura que mais parecia uma alma penada para o restinho da vida. Se ela chorou naquele instante, foi a se lembrar de sua amada filha que Deus a tinha levado para as alturas, como era costume se dizer tal fato a se ver partir para sempre um ente querido. A filha Zilene era a única ocorrência que lhe restara na sua vida de uma mulher sofredora e infeliz. Por longo momento. Doca ficou silente a contemplar o velho e deprimido homem que estaria à beira da morte. As palavras se calaram para sempre diante daquele espectro de ser que, um dia, foi seu marido. No saguão do inqualificável quarto de indigentes ali estava Doca aos pés do seu marido. Havia ali um crucifixo amparado na parede. A cor toda branca dos moveis dava a impressão de que se estava em um local da imortalidade. Cama de ferro pintada também de branco era tudo o que restava. Ao lado de cada cama, uma cadeira e encostado a cama, uma mesa pequena com alguns frascos de medicamentos. Na porta de entrada, muito alta, tinha uma mesa do mesmo modo feita de ferro pintado de branco. E ao seu lado, uma cadeira. Uma enfermeira veio até ao catre de Nicanor para tirar-lhe a temperatura. A enfermeira nada falou com Doca. Apenas olhou para o enfermo e saiu logo para  outro doente, anotando em uma prancha o que havia conferido do paciente Nicácio.

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