terça-feira, 24 de agosto de 2010

MEIAS DE SEDA - 54 -

Liz Taylor
- MEIAS DE SEDA -
- 54 -
Naquela tarde de outono, céu nublado, vento frio, pessoal indiferente e solitário a caminhar pelas ruas, Natália chegou à Catedral Metropolitana, caiu de joelhos ao chão e procurou um deserto banco de madeira onde se pos a rezar contrita em sua alma, talvez pelo casamento que realizou com Jubal ou pelas pessoas tão pecadoras as quais viviam nos solares da prostituição. Foi um tempo perpétuo de reconciliação consigo mesma àquela hora tardia onde Natália somente falava com Deus, seu criador. Ela pedia não se sabe por quem, mas pedia de amplo coração pelos enfermos d’alma e da carne. No véu que lhe cobria total a cabeça e descia pelos ombros vestidos de um negro brilhante ela fazia suas sublimes homilias pelos desprovidos de espírito cujo momento era o total desconhecer do Senhor. A oração, para Natália, era momento de reflexão no dia que estava por terminar e anseios para tempos melhores no futuro de cada qual. O incondicional silêncio brotado pela sublime homilia era de absoluto e total desprendimento d’alma. No integral momento de breve contemplação divina com seu Pai querido e amado a senhora postou-se aos pés da cruz onde permanecia Nosso Senhor e se persignou para poder sair após meia hora de rezas e promessas. No momento de contrição ela bem sabia do poder da culminante oração pelos mágicos e soturnos momentos do infindo.


Ao sair da Catedral ela percorreu caminhos costumeiramente feitos pelo seu caminhar de eternos dias. E foi nesse passear, ao abandonar o velho de vistoso Templo religioso que Natália de imediato encontrou a praça por onde a mulher deveria caminhar pelas calçadas bem ornadas e cheias de encantos. Aquele passeio público era o destino de todos que por ali passavam: de bêbados a prostitutas a mulheres de conceito e cidadãos de distinção. Era por ali onde Natália pretendia fazer a sua eterna volta ao domicílio materno e paterno, por assim dizer. Não fora a eventualidade, ela despertou de imediato para a enigmática visão que lhe acudia. Quase que a dormir ou a dormir com certeza, uma anciã sentada em um mero banco de jardim, cabeça curvada para um corpo tenro estava ali à mulher de uns dias atrás. A surpresa impressionou Natália de modo irreparável. Por instantes a enxergara no dia já passado. Porém era fato que não a esquecera pelo seu modo de ser e de vestir. E então, Natália meditou bastante na eventualidade de falar ou de desaparecer correndo, temendo com ligeiro temor de rever a anciã. Por fim, tomou a sua decisão: enfrentaria a anciã ou uma megera.

Em seguida, Natália sentou-se no banco de mármore da praça ao lado da anciã. De inicio nada conversou. Na esquina da rua que passava ao lado da Catedral havia uma oficina de jornal. O pessoal daquele jornal era em uma luta constante, com certeza para por o jornal do dia seguinte em circulação. Havia várias máquinas linotipo onde homens batiam matérias. Em birôs, uns homens magros e gordos elaboravam o que havia para ser feito. Com tudo isso, Natalia olhou sem prestar atenção. Havia uma casa do lado direto de que chegava ao Templo por detrás da igreja onde morava um pessoal de grande poder econômico; era a família Saraiva. Ela já ouvira falar em tal família. Um pessoal que gozava de prestigio junto ao pároco da Catedral. A família tinha uma cadeira na Igreja cujo nome era o dela.

--- Gente rica. - pensou Natália olhando a casa da família.

A anciã continuava com a cabeça abaixada com o queixo colado ao seu peito. Parecia dormir. Ou fazia de conta que dormia. Natália não quis incomodá-la. Ela deixava a mulher como estava a fazer ao passar da hora. Um bonde vinha pelo trecho que dava somente para passar o bondinho, entrando na artéria passando por detrás da Igreja e indo parar em frente a um prédio onde funcionava uma escola de comercio. Natália olhou para o bonde que passava com gente vinda do bairro da Ribeira.

--- Negócios. – pensou Natália consigo mesma.

Nesse momento, a anciã olhou de viés para as pernas de Natália como para de certificar que ali havia gente. Não levantou o olhar. Apenas olhou as pernas e depois retornou ao seu sono, aquietando-se como estava. Natália observou a mulher e fez de conta que a acordara e cumprimentou a anciã como devia fazer. Ao largo, passavam homens de negócios, plebeus e miseráveis pedindo esmolas a quem passava. No banco que havia do outro lado da praça, bem por trás de onde estava Natália e a anciã, um ébrio dormia seu sono, deitado ao leu. A anciã se voltou para Natália desta vez olhando no rosto e, com terrível temor, fez olhar fixo enquanto Natália sorria para a anciã. A mulher voltou o rosto para outro lado e deu de costas atemorizada como para não responder coisa alguma.

--- Boa tarde, senhora! – disse Natalia com um riso na face.

E a mulher não respondeu. Fora como se estivesse alarmada e nada queria saber ou falar. A anciã reconhecera a mulher de frente da Igreja dias antes. Aquilo era para a anciã uma verdadeira assombração. Então, a anciã fez modos de sair. Natalia a conteve dizendo:

--- Não se incomode. Eu já vou sair. Pode ficar. Durma. Não é meu desejo tirar seu sono. – falou Natália de um jeito afetivo.

Então, a mulher se voltou e disse:

--- Você é ela. É ela que voltou! – falou a anciã temerosa.

--- Ela quem, senhora? Eu sou eu mesma. Não temas. – respondeu Natália com um sorriso na face.

A mulher se voltou para Natália olhando bem no fundo dos seus olhos querendo falar alguma coisa. Ela olhou e calou. O tempo passou. A anciã disse apenas isso:

--- Se não é ela, tens a cara da que morreu. – falou a anciã com temor.

--- Eu tenho? De quem? – quis saber Natália curiosa.

--- Da menina Nora. – falou a anciã com cuidado.

--- Eu pareço com essa menina? – perguntou Natália aparentemente sorrindo.

--- Você é ela. É a cara dela! É ela que voltou! – respondeu a anciã com bastante temor.

--- De quem, senhora? – perguntou Natália com certa precaução.

--- Minha filha! – discorreu a velha em tom de alarme.

--- Sua filha? – duvidou Natalia ao indagar.

--- Sim. Eu tive duas filhas. Não podia criá-las. Era jovem, quase menina, então eu doei para duas pessoas. Elas criaram Nora e Natália. Por isso eu digo que você é a sua irmã. – falou a anciã atordoada.

--- Nossa! Mas logo eu? Como é possível. Nora era a amiga que eu tinha. Casou ainda nova. Eu estive no seu casamento. Mas, juro à senhora que nunca soube dessa verdade. Apenas uma vez, uma mulher perguntou a minha mãe se eu era a filha que ela criava. Minha mãe me puxou pelo braço e nada respondeu a sua amiga. – discorreu Natalia chorando.

--- Pois eu sou a Helena que teve você e a sua irmã, Nora. – respondeu a mulher.

--- A senhora está brincando comigo. Helena era uma mulher que lavava roupa na minha casa. Eu a conheci por demais. Porém eu era ainda muito pequena. Hoje, por sua idade de cerca de sessenta anos, a senhora se modificou bastante. – respondeu soluçando a senhora Natália.

--- É isso minha filha. Mudei para velha. Hoje, as pessoas só me chamam de “velha”. Eu não tenho significado algum. Durmo nas calçadas. Ali, acolá. Alimento-me do que me oferecem. – chorou a mulher desamparada e atordoada.

--- Ô mãezinha. Venha para o meu lado. Vamos morar juntas. – clamou Natália.

E a mulher de pouco mais de sessenta anos, acolheu a filha que um dia doou.

A mudança brusca na vida de Natália aconteceu sem mesmo a mulher querer. Uma anciã de apenas sessenta anos era mais idosa que uma de setenta ou mesmo oitenta anos. Natália não sabia o porquê daquela idade tão decaída de anciã ainda jovem, pois seus sessenta anos eram para ser uma mulher vigorosa igual a tantas outras existentes no seu tempo. Mesmo assim estava Natália a ver uma pobre mulher insatisfeita com sua própria existência a dormir pelas calçadas de uma cidade. Talvez ali estivesse um pobre e enigmático espectro de mulher.

Ao chegar a casa Natália trazia além de sua mãe, roupas feitas. Eram vestidos, saias, sapatos e demais vestiários para uma mulher de certa idade. Ela entrou na casa acompanhada com a sua mãe, Helena, e chamou a todos para que vissem a mulher que concebera os filhos e para conhecer a sua verdadeira mãe. Todos estavam presentes, com exceção de Jubal que ainda não tinha voltado do seu trabalho. A mãe de Jubal foi a única a olhar do quarto onde estava. Ao que parece, a mulher teria dito:

--- Estranho! – pronunciou a mulher voltando em seguida para o seu interior.

Por orientação de Natália, a anciã Helena foi mesmo tomar banho e trocar de roupa. O que a mulher passou a usar eram roupas finas e bem ao gosto de Natália. Era um delírio total. As moças não paravam de sorrir e o menino quase um rapaz agüentava firme moendo seus desejos de estar vendo a mulher que deu à luz à sua mãe. E dizia lá consigo mesmo:

--- Não acredito! – falava baixinho o garoto.

Para Natália foi aquele um fim de tarde de festa, com alegria incontida de ver pela primeira vez a mulher que lhe deu à luz. Como sem querer dizer, Natalia só era alegria e tão boa disposição, cheia de orgulho e vaidade perene, saltitando para apresentar a nova senhora dos seus amados sonhos. Quando a anciã saiu do banheiro, de roupa trocada, a sua filha já estava na porta a lhe esperar onde apenas dizia:

--- Mãezinha. Agora a senhora está pronta para tomar uma sopa. Só espero Jubal chegar para darmos início à festa. – falou gloriosa a mulher Natalia.

Eram passadas as seis horas da tarde quando o carro parou em frente ao portão, onde ficava o muro da casa. Foi aí que entrou Jubal para o encanto supremo de sua mulher. E então Natália mostrou ansiosa.

--- Veja querido. Encontrei a minha mãe! – sorriu Natália ao dizer tais palavras.

O homem, ainda atormentado pelo vento frio de final de tarde disse somente;

--- Muito prazer, senhora. Com é seu nome? – perguntou Jubal olhando a mulher decentemente vestida.

--- Eu me chamo Helena. E o seu nome qual é? – indagou Helena a Jubal.

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