sábado, 21 de agosto de 2010

MEIAS DE SEDA - 51 -

cid charisse
- MEIAS DE SEDA -
- 51 -


Na segunda-feira, sete horas da noite, dona Doca já estava sentada em um banco de madeira no Centro Espírita para assistir a primeira sessão. Ela estava acompanhada da sua ajudante Hermínia quando a sessão começou com a leitura do livro Evangelho dos Espíritos como forma de tradição nas sessões dos Centros do mundo. Após um amplo discurso feito pelos mestres espíritas alargando seu amplo conhecimento sobre a luz do espiritismo, negócio que durou uma hora, veio então a segunda sessão quando as luzes eram desligadas ficando acesa uma em cima da mesa. Dava a impressão que não se via ninguém na sala totalmente lotada e com mais gente pelo lado de fora, vendo tudo pelas janelas. Os passes eram dados em cada uma das pessoas, cerca de dez, que seguiam em absoluto silêncio até um local vastamente escuro por trás da parede que dividia o Centro das salas de passes. Eram todos os seguidores do espiritismo a tomar passes. Na sua vez, Doca foi chamada para a mesa do Centro, com sua amiga, onde se sentou, com muito temor. Um Mestre se pôs por trás de Doca, com suas mãos sobre a cabeça da mulher e se ouviu um grunhido de alguém com a cabeça abaixada e dizendo palavras desconexas:


--- Que a luz divina esteja com você, minha irmã! – rezou o mentor que estava por trás de Doca.

--- Eu sei. Eu sei. Hum. – fez a mulher incorporada.

--- Que a Irmã procura? – perguntou o Mestre.

--- Eu procuro paz. Mas não encontro! – respondeu a incorporada.

--- A Irmã tem algo a dizer? –perguntou o Mestre.

--- Tenho sim – disse a incorporada após fazer gestos com a boca.

--- A Irmã já não está nesse mundo. Volte para o seu verdadeiro mundo de paz. – disse o mentor.

--- Não. Não. Eu quero falar. A mulher que o senhor está com ela, não é a mulher que eu quero. Eu quero a outra. Dona Hermínia! – respondeu o espírito incorporado.

--- E por que a Irmã quer a outra Irmã? - perguntou o mentor.

--- Porque essa está coberta por sua filha e ninguém pode entrar. - disse a mulher obsedada pelo espírito de outra mulher.

--- Então diga o quer está precisando? – falou o mestre.

Ouve um silencio sepulcral no ambiente quando a situação tomou um outro rumo. Um outro espírita tomou o lugar da obsedada e logo foi dizendo.

--- Essa mulher que vocês estão orientando é a minha mãe! – respondeu o espírito.

--- E que a irmã tem a dizer? – perguntou o segundo mestre.

--- Ela deve rezar pelos que estão em volta do seu aparelho e não se zangar com o meu pai. Ele está enfermo por alguns dias. Vai se curar. Ela não deve temer. Eu sou Zilene. Já tivemos outras vidas juntas. Ela era a minha irmã. Eu senti a sua partida quando se foi. Eu vim buscar o seu amparo. Porém voltei a perder o meu contato. Ela deve rezar por todos nós. Eu estou sempre ao seu lado. – falou Zilene devagar.

Em seu canto, Doca chorou demais como se fosse uma criança. Pedia perdão a Zilene por tudo quanto tinha feito.

--- Perdão, filha! Perdão! – disse Doca a chorar copiosamente.

--- Minha mãe. Você foi minha irmã! Veja perto do Mercado a casa Cortina de Pérola onde a senhora vai encontrar um livro escrito por uma autoridade. A senhora não sabe ler. Mas Hermínia sabe. Peça para que leia para a senhora. Por favor. Agora eu vou partir. Sempre estarei ao seu lado. – disse o espírito. Fazendo um gesto, desapartou da médium.

Dona Doca foi levada para o salão de passe, onde com muito choro, tomou seus passes perante dois assistentes que pediram para a mulher voltar no dia seguinte, uma terça-feira para ver como se sentia e como estavam as suas angústias. Nesse momento Doca sofreu um desmaio aparentemente por ter falado com a sua filha. Os médiuns levaram para um quarto de enfermagem e uma enfermeira – que era espírita também – fez fricções nos pulsos e colocou amoníaco no nariz da mulher. Com pouco de tempo, Doca estava retornando de sua síncope. Os médiuns espíritas já agoniados esperaram por um tempo até que a mulher se restabelecesse.

No dia seguinte, a mulher recomendou para que Hermínia procurasse por uma loja nas imediações do Mercado, que tivesse o esquisito nome de Cortina de Pérola. Tão logo teve tempo à mulher saiu à procura de tal loja ou armarinho com o bendito nome. Hermínia foi de casa em casa, até em hotéis, a procura de tal casa. Por mais que a procurasse nada viu da rua indicada por Zilene. Foi e veio sem nada poder achar. Hermínia perguntava a pessoas mais idosas se elas tinham ciência de algo como Cortina de Perola e recebia “não” como resposta. Enfim, desistiu de procurar de vez:. Hermínia voltando ao Café de Doca informou que:

--- Nada feito. Não existe tal Casa aqui por perto. Perguntei a gente mais velha que eu e ninguém disse nada. Vendo que perdia tempo, voltei. Mais tarde a gente pergunta novamente a Zilene onde fica essa casa. – falou Hermínia desapontada com o seu total insucesso.

Tal situação deixou Doca intimamente perturbada, pois a moça que lhe falara parecia ser, na verdade, a sua filha Zilene. Doca era novata no kardescismo e não entendia patavina do que se passava em um Centro Espírita. As coisas ditas e sentidas podiam ser verdadeiras ou não. Se alguém lhe perguntasse:

--- O que achou da sessão? – alguém perguntando.

Ela responderia a seu modo:

--- Assim! Achou que foi verdade. – responderia Doca para não contradizer a pessoa.

Na verdade, ela sentia um aperto no coração ao se lembrar do a moça Zilene estava lhe falando, com relação a vidas anteriores. Como é que ela podia saber de tais fatos para responder a sua filha. De qualquer forma Doca era católica, mas nem sempre freqüentava a Igreja. Ou por falta de tempo ou por não querer mesmo. A mulher guardava dúvidas a respeito de muitas coisas. Ou então não sabia dizer o que alguém lhe perguntava a respeito de religião. Certa vez uma comadre sua teve a idéia de chamar Doca para ir a um Culto da Igreja que a mulher freqüentava. E ela foi. Porém, só uma vez. O homem que falava ao povo assistente no Templo parecia que só era para repreender aos crentes. Quando a mulher saiu do Templo fez jura de nunca mais voltar naquele lugar. E não disse coisa alguma a sua comadre. Sempre que a mulher lhe convidava para ir a um culto, Doca dizia:

--- Hoje não posso! – respondia Doca por estar muito desconfiada com os carões do Pastor que repreendeu até a mulher dizendo palavras “ofensivas”.

E certa vez ela comentou com uma de suas ajudantes que na Igreja Protestante o “Padre” – que era Pastor – somente falava em Cão, Diabo, Lúcifer, Demônio, Satanás e coisas das quais a mulher não gostava nem de ouvir discorrer.

--- Não! Pra mim basta! – sempre dona Doca dizia.

Quando alguma pessoa falava para dona Doca:

--- E o ímpio? – dizia a pessoa.

--- Não! Deixa disso! Ímpio eu sei onde ele arranja! – comentava Doca com a sua cara fechada e cheia de medo.

De uma forma ou de outra, essa era a vida que Doca levava. Certa vez, a mulher notou uma porção de outras pessoas, caminhando em silencio, saia comprida, batendo até ao chão, gola apertada, mangas longas e cores acinzentadas. Eram as “crentes” que passavam a caminho da Igreja “dos crentes”. Ela se esquivou para dentro de sua casa, e por uma fresta da janela pode observar que cada uma das mulheres – não mais de quatro – levavam uma Bíblia debaixo do braço e seguiam calado o tempo todo.

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