quarta-feira, 1 de setembro de 2010

DANÇA DAS ONDAS - 7 -

Susan Strasberg
Segunda feira, manhã, Honório já estava no escritório revendo tudo para fazer. Porém, nesse ponto ele parou. Algo veio a sua memória: Adélia. Por muito tempo, Honório jamais pedira a mão de uma moça em casamento. Aquela fora a vez primeira. Ele pensou muito no que fizera. Mas, não fora em vão essa proposta. Honório se lembrou de parentes seus que viveram muito antes, na Tchecoslováquia, fugiram com virgem para locais incertos e não sabidos. Isso deu muita reclamação naquele tempo. A propósito, havia guerras constantes antes de haver a II Guerra Mundial, por causa das querelas entre vizinhos. Dumaresq era uma colônia vinda da Tchecoslováquia e da Alemanha. Eles viveram por muitos séculos do emprego de obras artesanais. Obras de requintes fabricados a mão, cristais com toque de sofisticação próprio para as Casas dos Nobres. Com freqüência eram presentes de casamento. E Honório nem pensava mais em poder casar com uma nobre como também nem raciocinavam seus ancestrais. Era um povo simples, como se dizer, do mato. Apesar de tudo, ele era no seu tempo de outra nação. E seu pai, seu avô, talvez bisavô. Apesar de o costume enraizado permanecer, Honório teria novos conceitos da vida.

Luiza chegou atrasada meia hora na segunda feira. Ele não falou nada com a moça. Ela apenas cumprimentou Honório com o tradicional “bom dia”. Ele ouviu, mas não respondeu. Tinha coisa mais importante para pensar. Luiza sentou-se à mesa, passou o espanador na maquina e de repente deu um longo bom dia ao rapaz.

--- Você está surdo, é? – esbravejou Luzia com ódio.

O rapaz estava sentado à frente de Luiza e olhou para trás respondendo com muito vagar o seu cumprimento ao dizer que tinha ouvido o seu bom dia. Então voltou ao seu trabalho.

--- Você é um chato, sabe! Chato! – falou Luiza com certo rancor.

O rapaz se voltou e respondeu:

--- E você é uma linda mulher! – sorriu Honório sem preocupação.

--- Por que você não respondeu seu chato? – perguntou Luiza se ajeitando toda.

--- Você é bela com esse vestido. Sabe? – voltou-se Honório.

--- Nem tem graça. Eu acabei o noivado ontem! – replicou a moça.

--- Você está de calcinhas? – perguntou Honório sorrindo.

--- Interessa saber? Interessa? – perguntou com atrevimento Luiza.

--- Interessa! Deixe-me ver suas calcinhas! – pediu Honório com sedução.

--- Cheira aqui, ó! Estou incomodada! Hoje não estou a fim! – respondeu Luiza com mágoa.

--- Virgem! Nem quero mais ver! – clamou Honório com precaução.

A moça se levantou da cadeira onde estava sentada e entrou para o banheiro, com certeza para cumprir certas obrigações. Por isso demorou um pouco mais que o costume. E quando retornou veio ainda mal humorada. Reclamava horrores. Dores terríveis então lhe ameaçavam. Ela devia ter ficado em casa. Era o mais comentado por Luiza. Depois de tanta reclamação Honório avisou que havia um recado para ela em cima de sua mesa. Ela ficou receosa e com bastante temor perguntando de onde viera.

--- Sei lá. Do seu ex-amante, provavelmente. – comentou o rapaz.

--- Ah. Já sei. Ele pedindo para voltar. – comentou Luiza sem dar importância ao recado.

--- É melhor você ler primeiro. – disse um pouco sério o rapaz.

--- Deixa eu ver esta merda de uma vez. Já sei o que ele diz! – argumentou Luiza brutalmente.

Ela agarrou o envelope, rasgou por cima e retirou o papel de dentro amassando o envelope o qual jogou fora. O que havia dentro era uma carta endereçada a ela, Luzia e que dizia quando ela estivesse lendo aquela “missiva” ele estaria morto em algum lugar. Sem mais, assinava a carta “Luciano”. Luiza leu toda a correspondência e disse em seguida:

--- Já morre tarde e atrasado dez minutos. Bosta. – dito isso Luiza jogou o papel no cesto.

Ás onze horas abria-se o Restaurante Popular onde era servidas bandejas a preços módicos para os operários das oficinas de carros, comerciários, empregados de repartições públicas e muitos outros cuja procura era imensa pela refeição servida naquele espaço. O restaurante tinha bem um nome que se popularizou por todos os cantos da cidade. Ele competia, e até por menos preços, com os restaurantes de beira de estrada o de feiras livres onde o serviço era também diário. Um, porém era de que o Restaurante Popular não abria aos domingos e dias feriados. De resto, era todo o dia indo fechar às duas horas da tarde. Uma questão: não servia jantar. O pessoal que fazia refeição no restaurante já não podia mais se sustentar para a janta o que faria em suas próprias habitações. De qualquer modo o restaurante era, por assim dizer, um luxo com serviços até mesmo aos donos de empresas. Mas, a sua maioria era de operários e empregados do comercio.

Na fila de gente para comprar a senha de quase nada estavam os dois amigos funcionários do estabelecimento de despachos de mercadorias: Luiza e Honório. Eles também eram servidos por aquele restaurante, uma casa enorme com muito boa comida. Depois da refeição, a moça perguntou a Honório se ele guardava a chave do estabelecimento de trabalho. Ela desejava ir para tirar uma soneca. E o rapaz disse em troca:

---A chave fica com o porteiro. Ou então com o próprio dono do escritório. – falou Honório.

--- Está bem. Eu vou para a casa de Osmarina até chegar a hora de pegar no serviço. – raciocinou a moça um tanto preocupada com sua menstruação que chegara para ela, antes do tempo. E então, a moça aproveitaria para fazer um banho quente como se dizia na época.

Por seu turno, passada a hora do almoço, Honório resolveu ir até o restante do comercio, àquela hora fechado por conta do almoço dos funcionários. Mesmo assim, ele não mais se importava, pois de qualquer jeito ele encontraria pelo menos ainda algo a funcionar, como bilhar, confeitaria, barbearia e até mesmo cafés. O certo é que o rapaz saiu a perambular pelas ruas do bairro, vistoriando uma coisa e outra até parar numa Livraria onde estavam expostos os mais requintados lançamentos da época. Livros em profusão. Honório parou para olhar os lançamentos do momento. Livros de histórias antigas, romances modernos, cinema, artes e tantas outras coisas a mais. A loja estava fechada mais o rapaz pode ver através da vidraça os requintados lançamentos. Livros volumosos, uma coleção de três volumes era o máximo da época: “Ascensão e Queda do Terceiro Reich”. Era aquela uma primorosa coleção. Então, Honório ficou encantado com tal lançamento e assumiu o compromisso de vir buscar a coleção tão logo a Livraria voltasse ao expediente da tarde. Após verificar outros lançamentos, o rapaz saiu à procura do nada. Quando ele passava por um bar de terceira categoria, uma moça lhe falou com suavidade e ternura:

--- Vamos fazer agora? – perguntou a meretriz de seus dezessete anos.

--- Agora? Estou de barriga cheia! Assim não posso! – recusou Honório a oferta.

Então a mocinha lhe fez outro pedido, com certo temor.

--- Então me ajude para comprar comida. Pois ainda não comi hoje! – se lamentou a mocinha.

Um calafrio desceu a espinha do rapaz. Uma menina, quase moça, pedindo esmola para almoçar, pois não havia o que comer naquele dia. O rapaz olhou atento o cara da mocinha e puxou a carteira do bolso dando-lhe uma quantia nem tão pouco. E lhe disse:

--- Tome esse dinheiro e corra para o Restaurante Popular. Ali você encontra o seu repasto. – enfatizou o rapaz sorrindo para a mocinha.

--- Obrigada. Mas não fica assim. Eu espero você mais tarde. Rua Sacramento. Nesse bar eu faço minha sorte. – sorriu a mocinha e quis correr.

--- Espere. Como é seu nome? – perguntou Honório com atenção.

--- Damiana. Eu espero você. Seis horas. Estou aqui. – respondeu a garota e saiu.

--- Porras! Uma menina? Como é que pode? Eu daria tudo para casar com ela. Alva, de boa estatura, delicada, amorosa. E já não é mais nada? – indagou o rapaz consigo mesmo e pleno de inquietação.

Aquilo era um sonho para Honório. Depois de tudo o acontecido ele ficou a meditar. Uma menina ainda. Talvez tivesse dezesseis anos. Talvez um pouco mais. Sem família. Ou se tinha família, essa não lhe daria sustento. Sem homem. Sem nada. E com isso, o rapaz ficou a meditar o restante da tarde. Quando deu seis horas Honório estava em frente ao bar da Rua Sacramento a espera de sua companheira daquela noite. Passou-se o tempo e ele disse para si:

--- Ela não vem. Levei um cano dos grossos. – proferiu Honório já com um pouco de raiva.

Nesse instante uma voz ecoou suavemente ao pé do seu ouvido:

--- Oi. Faz tempo que você está aqui? – perguntou Damiana sorridente.

--- Oi. Mas você? – respondeu o rapaz com bastante surpresa.



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