sexta-feira, 3 de setembro de 2010

DANÇA DAS ONDAS - 9 -

Julianne Moore
-- 9 --
Logo após as onze horas da manhã daquele dia, quando o movimento de gente aumentava para ir até o Restaurante Popular, Honório chegou ao ponto de encontro demarcado na noite anterior, a espera de Damiana para ter conversa sobre a vida da prostituição. O rapaz ficou sensibilizado com a idade da mocinha e a prática de sexo em troca de nada conforme disse Damiana. Ao chegar à esquina da Rua do Guerreiro ele topou com a mocinha. Deu-lhe um beijo e perguntou como tinha passado a noite e se havia algo de novo para relatar. A mocinha disse apenas que dormira mais no bar. Foi à casa de uma conhecida e pediu abrigo, o que lhe foi fornecido com presteza. Então Damiana, com um só vestido e uma calcinha teve que ficar por toda a noite e a manha daquele novo dia. Estava esperando por Honório há várias horas. Matou o tempo passeando pela praça. Quando a fábrica apitou onze horas ela então veio para a esquina e tudo estava resolvido.

--- Mas você não tem nem calcinhas? – indagou alarmado Honório.

--- Estou vestida com ela. A dona do bar não deixou nem uma roupinha para que eu usasse. Ela desconfiou de tudo logo que você foi embora. Com o dinheiro que você me deu eu tomei café em um boteco. É isso! – sorriu a mocinha.

--- Porras! Que mulher sacana! Vou dar parte dela a polícia! – disse o rapaz.

--- Ela compra os soldados. Nem fale em dar parte! – sorriu com medo a moça.

E os dois saíram para um restaurante onde o preço era mais alto, porem servia-se o melhor possível. O garçom olhou de mau jeito para a moça franzindo a testa e torcendo a boca. Ele era homossexual, desses que não gostam de damas da noite a freqüentar restaurantes iguais ao seu. Porém serviu o bom preto de costelas de carneiro, arroz, um pouco de feijão, legumes, verduras e frutas. Para completar, o garçom veio com uma garrafa de vinho e ainda perguntou ao rapaz que notara ir custear a despesa:

--- Tinto ou seco? – perguntou o garçom de modo direto para o rapaz.

--- Qualquer um. Descendo é a conta. – sorriu Honório para a sua acompanhante.

A moça estava inibida e a certo ponto nem sabia escolher garfos e facas. Honório teve de explicar a moça como fazer. Mas, logo depois ele disse:

--- Como mesmo é com as mãos. – sorriu de forma depravada.

O garçom ao lado deu uma rabissaca e se voltou para dentro do restaurando com os seus quadris rebolando como que. Isso fez Honório sorrir mais. A moça, inocente, queria perguntar porem então soltou uma bela gargalhada. Foi um almoço verdadeiramente delirante aquele de ambas as criaturas com o passar do garçom. No fim da festa, com uma garrafa de vinho tinto, a moça já estava para lá e para cá. E o rapaz pediu a conta e deu mais do que era necessário para o agrado do garçom que a todo tempo dizia:

--- Obrigado. Obrigado. Voltem sempre. – relatou o garçom com seus trejeitos.

Honório saiu do restaurante acompanhado de sua dama para deixá-la na casa de Osmarina, mulher que fazia refeições para os mecânicos que perdiam a hora do almoço no Restaurante Popular ou aqueles que gostavam mais de uma comida de casa. Ele chegou muito breve a casa de Osmarina e pediu que a mulher arranjasse uma rede para por a moça que estava meio embriagada e precisava dormir ate a hora dele sair do seu escritório e poder ir para a sua casa. A mulher olhou para a moça e ainda disse:

--- Ela é novinha! Vai fazer o que? – perguntou Osmarina.

--- Não sei. Minha mãe é quem sabe. – sorriu Honório piscando o olho para Osmarina.

--- Ah. Já sei. E ela sabe fazer? – perguntou a mulher.

--- Se não sabe, aprende! – sorriu Honório meio encharcado de bebida.

--- É. Aprende mesmo. Quem não aprende? – caiu na gargalhada a mulher.

Durante o almoço Honório explicou a Damiana o que havia conversado com a sua mãe a respeito da garota. Ele pediu apenas que Damiana confirmasse o que ele havia dito: o pai morreu, a mãe era aleijada, as irmãs tinham seus filhos e a moça estava desamparada, sem ninguém na cidade Tinha ela uma prima, porém não conseguia achar o bairro onde a senhora morava. Coisas desse tipo. Perguntou Honório Damiana tinha entendido a farsa e a moça disse que sim. Afinal, dessas farsas ela já estava acostumada a fazer. E, com respeito aos trajes, a sua mãe já tomara as providencias cabível. E de tudo o que precisava dizer, a moça sabia. Ela estava contente e feliz por ter que largar a vida do meretrício, coisa de pouca renda.

O dia passou rápido e a noite chegara. Honório foi à casa de Osmarina, porém a moça ainda estava a dormir. O rapaz acordou Damiana que acordou meio aturdida e a boca cheia de cuspe, obrigando a lavar o rosto, tomar banho, se ajeitar, como era de costume, e logo depois sair do banheiro e chegar a sala dizendo com um sorriso na face:

--- Estou pronta. Que tal a diferença? – mostrou a moça ao rapaz.

--- Ela me contou que não tinha roupa. Eu arrumei essas que eu guardava, e dei para ela vestir como uma moça. Agora ela está uma mocinha bem afeiçoada. – contou Osmarina a sorrir.

--- Menina! Está uma jóia! – relatou Honório a sua princesa com mero entusiasmo.

--- Agora, na vá fazer besteira. A mulher eu conheço. Ela não se deixa enganar, não! Ouviu menina? Pois sim! – repreendeu Osmarina a moça, cujo temor era maior.

--- Não faço nada que ela não goste! – respondeu Damiana à Osmarina.

--- Pois sim. Só quero ver. – retrucou a mulher de modo temeroso.

Em instantes, Honório tendo agradecido a Osmarina, seguiu caminho em carro de aluguel em direção a sua residência, um pouco longe. A noite era de lua cheia e a moça verificou por onde rumava tecendo comentário que aquele caminho se parecia com o sertão, lugar de onde ela um dia caminhou para a cidade. A lua azul era de pleno encanto. O motorista seguiu por caminho diverso e o rapaz agarrou no sono em meio ao tráfego do veículo. A moça teve medo e sacudiu Honório para um lado e para outro pedindo que ele acordasse, pois a moça não sabia onde estava e nem onde ele morava:

--- Acorda! Acorda! Tu estás dormindo! Eu não conheço nada aqui, homem! – sacudia a moça o braço de Honório para ver se ele acordava de pronto. De tantas sacudidelas, por fim o rapaz retornou e acanhado disse ainda:

--- Eu não estava dormindo, não! – sorriu Honório se ajeitando na cadeira do carro.

--- Tava não. Tava não. Roncava que nem um porco. – reclamou a moça fazendo beiço.

--- Tá bom. Tá bom. Motorista, é logo ali. – falou Honório.

--- Taí. E não estava dormindo. Parecia até um bode de serra. – relatou a moça de uma só vez acabrunhada encruzando os braços.

O carro fez a curva como se o motorista estivesse acostumado a fazer corrida para o local. A casa era grande e ficava mais para dentro do cercado protegido por um muro imenso. Na frente e dos lados tinham cajueiros, mangueiras, pitombeiras, abacateiros, sapotizeiros e outras árvores frutíferas. A mocinha encabulada desceu do carro e o rapaz pagou a corrida e desceu também. Logo após uma luz foi acesa na entrada da casa. Uma mulher surgiu com um sorriso na face. Era dona do Carmo, irmã de Jorge Dumaresq e mãe de Honório. A mulher desceu o batente e se aproximou da moça para dar-lhe um abraço forte, com todo o carinho pedindo perdão a Deus por tudo que fizeram de mal contra a moça e rezando para nunca mais voltasse a acontecer com a mocinha. Damiana se encostou ao seio da mulher e caminhou juntinho com dona do Carmo, calada como para não dizer uma palavra sequer. O rapaz ao lado de sua mãe abraçou-a pelo pescoço com suave preocupação de nada poder acontecer de maldade dali para frente.

--- Venha minha filhinha. Venha comigo. Já tenho tudo pronto para você. O Jorge era quem devia fazer isso tão logo soube. Deixa ele vir aqui. Deixa! – falou a mulher caminhando com a mocinha caminhando para o interior da casa de varanda, arejada por todos os recantos.

--- Ela tomou uma sopa que uma mulher serviu. – relatou Honório preocupado.

--- Não tem importância. Eu fiz uma sopinha para ela. Vou dar a sopa também. – falou Do Carmo beijando aquela parecida menina.

Após entrar na mansão, Damiana perguntou onde era o banheiro, pois sentia vontade de urinar por quanto durante toda a viagem vinha se espremendo. Alertada pela mulher, Damiana foi até ao banheiro onde pode fazer as suas necessidades urgentes. Aproveitando a oportunidade, ela voltou a lavar a boca para ver se tirava o ranço azedo da bebida que a moça consumira na hora do almoço. Aquela era uma casa nobre, verdadeira mansão ocupada por dezenas de retratos pendurados nas paredes. E mais os móveis acabados e os estofados, lustres, penteadeiras, petisqueiro, guarda-louças, tudo feito em madeira de imbuia, traçadas por todos os lados. Uma mesa enorme guardava uma fruteira e os copos, xícaras, pratos dispostos ao seu redor. A luminária caída do alto dava um tom de requinte e bom gosto aos seus moradores. Para um lado, havia a cozinha. E na cozinha uma mulher bem trajada.

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