quarta-feira, 29 de setembro de 2010

DANÇA DAS ONDAS - 35 -

- Kassandra Marr -
- 35 -
Honório chegou ao escritório junto com a sua esposa, Ângela, pouco antes das nove horas, após o médico ter dado informações da noite porque o paciente Dumaresq passara. Pelos exames e observações conclusivas, o paciente continuava a dormir, muito embora já por meios de sedativo tal qual como chegara à tarde do dia anterior. Os médicos, em número de três, fizeram avaliação do quadro de Dumaresq não chegaram a qualquer conclusão. Eles estariam a espera das vinte e quatro horas para saber se Dumaresq continuava a dormir ou não. Um bom dia foi o tradicional cumprimento de Honório. A sua mulher passou direto para o atelier. O silencio em todo o edifício só era quebrado pelas marteladas uniformes que se ouvia de homens desempacotando os quadros ou peças vindas de outros locais para se expor e vender. De seu modo, Luiza nem tanto deu importância a dona do atelier. Nem tampouco deu a devida importância ao seu marido, Honório. O homem puxou a cadeira de estufa e se sentou no local que costumava sentar o seu tio. Ele passou em revisão o que estava faltando. E como não havia falta alguma de matérias – documentos, memorandos, avisos e outros tantos – Honório se deu por satisfeito. Em instantes entrou na sala bem ornada o senhor Miguel, responsável pelas chaves do prédio. Ele foi quem falou:

--- Notícias do mestre? – indagou Miguel curioso.

--- Tudo na mesma. Só faz dormir. – respondeu taciturno Honório com sua cabeça baixa para os documentos em revisão.

--- É danado. Eu conheci uma moça que teve um sono assim por mais de dez anos. Um dia, acordou e sabe o que ela disse? – “O café está pronto?” – sorriu de leve Miguel.

--- É. Mas cada caso é um caso. Não sei se ele vai escapar dessa. – ventilou Honório.

--- É verdade. Cada caso é um caso. – destacou Miguel.

--- Hoje, nós vamos fazer uma reunião para acertar quem fica por aqui até o velho melhorar. ... Ou não melhorar. – respondeu Honório meio acabrunhado.

--- É bom. É bom. Ninguém sabe o que vem pela frente. – disse Miguel sem sorrir.

--- A morte. O que vem é a morte. De quem for. – falou Honório meio choroso.

--- Não diga isso, senhor. Não diga isso! – criticou Miguel assombrado

--- Por quê? Você tem medo da morte? Todos morrem nesse mundo! – lamentou Honório.

--- Eu vou embora que não quero ouvir mais nada. Morte!!! - - respondeu Miguel e saiu.

Honório ficou em seu birô e sorriu para o guardador de chaves. Aquele homem não teria senso de humor para qualquer coisa. Ele temia a “morte”. Isso era o que restava a pensar Honório pelas tolices que havia dito. E sorriu mais franco. Logo após calou. Na sala vizinha estava a moça Luiza batendo a maquina assuntos do seu oficio. Em momentos, Lucia consultou o calendário para ver a data do dia. Em seguida, depositou o calendário na parede da sala. Era o local todo ornado de lustre entre outras bugigangas que não sei quem teve a idéia de por na mureta.

O telefone tocou e Luiza atendeu. Era para Honório. Ele fez o sinal interno e colocou o telefone no gancho. De qualquer modo, Luiza podia ouvir o que se falava por um interfone locado em uma mesa próxima. Naquele instante quem falava era uma estranha a perguntar pelo estado de saúde de Dumaresq. Ela ouviu a voz de Honório dizer estar do mesmo jeito. E os dois conversaram mais um pouco, e o telefone foi desligado. Enquanto isso, Ângela subia os degraus para o andar de cima onde deveria haver a reunião com eles e mais a secretária de marchant cujo contrato Ângela já havia assinado. A jovem mulher passou de raspão por Luiza sem cumprimentar. E Luiza não deu à mínima. Se Ângela soubesse do passado de Honório seria um tanto mais cordial, até mesmo para com Luiza. Nesse ponto, a moça em nada falava. E Ângela nem mesmo se rebaixava a indagar o que foi o homem com quem casara.

Em minutos, entrou a secretaria de Ângela e logo recebeu ordens de fechar a porta. Com certeza, ninguém mais poderia entrar no recinto, nem mesmo Luiza. A moça também não ligou para tal fato. Ela deu de ombros para os donos da firma como que diz:

--- Eu! Nem ligo para esses “merdas”. – e silenciou.

A reunião durou até o meio dia ou mais, fase em que Luiza com fome já saíra para almoçar no Restaurante Popular onde a refeição era barata. Depois do almoço, Luiza seguiu para a casa de Osmarina, onde também tinha uma espécie de restaurante e cuidava de motoristas, em sua maior parte. Na casa de Osmarina a moça trocou conversa com a mulher dos seus cinqüenta anos. Osmarina quis saber como estava seu Jorge Dumaresq. A moça contou o pouco que sabia a respeito da saúde do velho.

--- Coisa ruim esse negócio de saúde. – reclamou Luiza com temor.

--- E ele? Já velho! Deus que o proteja! – proferiu Osmarina com os olhos no fogão de carvão.

--- Ainda dá muita gente? – indagou Luiza para puxar conversa vendo o numero reduzido de fregueses postos à mesa.

--- Dá nada, minha filha! Depois desse Restaurante Popular o movimento aqui caiu muito. – reclamou a mulher se fazendo de vítima.

--- Mas o preço é igual ao de lá. E a comida é mais gostosa. Agente pega a bóia no Popular, mas não sabe nem o que se está comendo. – deduziu Luiza atrás de um gancho para conversar.

--- Pois é. Aqui, se você pede panelada, tem panelada. Eu sirvo o que há de melhor para o freguês. Tem goiamum, porco, tatu-peba. E tem comida comum mesmo. Carne, tripa e todas essas coisas. Tem até picado. – sorriu a mulher.

--- Amanhã eu venho comer aqui. – sorriu Luiza com a barriga cheia do almoço no Popular.

--- Venha! Eu faço o seu prato. E você nem precisa pagar da primeira vez. Venha! – chamou Osmarina oferecendo de graça a primeira refeição.

--- Tem refresco? – perguntou Luiza sorrindo.

--- Virgem! É o que mais tem! Toma um pouco pra você vê! – colocou Osmarina um copo de refresco.

Com o passar das horas, Luiza se despediu de Osmarina prometendo voltar no dia seguinte para sentir o aroma da comida caseira. E ao chegar ao escritório, encontrou ainda fechado. O seu Miguel das chaves não estava presente. Luiza não reclamou e se sentou nos batentes de uma casa em frente, onde não fazia sol, e ficou a esperar pelo homem das chaves. A ventania que sobrava naquele mês fazia com que voassem para todos os cantos os papeis que andavam soltos pela rua. O vento brandia como um feroz terrível felino e as mulheres tinham maior preocupação com os seus vestidos de seda ou de algodão para conservá-los sempre abaixados. No prédio onde Luiza trabalhava era um chamariz para a força de tais vendavais. Em frente ao local onde a moça estava, era o terrível e derradeiro momento em horas incertas do dia. Luiza estava naquele momento, sentada nos batentes altos que ficavam por trás de uma magnífica casa de teatro se amparando da ventania. Em frente à moça tinha um caminhão parado em baixo de dois pés de fícus. Na boleia do caminho estava o seu dono ou caminhoneiro. Em certo momento da ventania, a roupa de Luiza subiu alegre a cima de sua cintura. Tudo foi muito rápido, pos a moça foi pega desprevenida de modo a não ter o tempo de abaixar a saia. O motorista foi quem viu maravilhado as calcinhas de Luiza. Aproveitando a oportunidade, o caminhoneiro não teve mais recursos de que a de se masturbar em intenção daquela santa virgem fêmea. Foi um gozo tremendo que o caminhoneiro não se importou onde jogar o sêmen o deixado cair por todo o espaço da boléia. Era o enigma do gozo. Ao final, o homem procurou se limpar com um pano de flanela o qual trazia no interior do seu caminhão e fez-se de perene gozo. Era o fim de mais uma epopéia.

Quando Miguel porteiro, o homem das chaves chegou, Luiza correu para o interior do prédio onde tudo ainda era bem mais tranqüilo que nas ruas do Barri Alto. Ela sequer notou a presença do caminhoneiro a descompor a ninfa endeusada como se fazia com as damas da noite após uma aventura de amor.

--- Puta! – praguejou o caminhoneiro muito bravo quando a jovem moça passou pela frente do carro e entrou em seu escritório.

A tarde estava calma e Luiza começou a trabalhar dentro do seu oficio de datilógrafa fazendo tudo como costumava a ser feito. Miguel porteiro passou com um balde para carregar água indo até o banheiro encher aquele recipiente. Após o feito, ele voltou com mais uma vassoura e um pano, talvez para limpar o chão. Era tanto que Luiza ouvia bem o homem puxando a vassoura como quem estava a limpar a sala de forma habitual. Ao passar por ele Honório, seu novo chefe, ele parou de varrer. Logo em seguida vinha dona Ângela. A mulher olhou para o homem e sorriu. Ela nem prestou atenção quando o chefe disse:

--- Nem vamos esperar por Cleia. Você mesma faz. – declarou Honório.

A moça que estava batendo à maquina pouca importância ligou. Continuou a bater à máquina até que Honório a chamou por uns instantes.

--- Você faça esse documento para nós assinarmos. – citou Honório cabisbaixo.

A moça viu o documento e em baixo de tudo estava escrito; Diretor Interino. E nada mais.

Nenhum comentário: