sábado, 25 de setembro de 2010

DANÇA DAS ONDAS - 31 -


- Belinda Lee -
- 31 -

Três dias depois do ocorrido, Jorge Dumaresq já estava em seu apartamento de primeira casse no Hospital Geral sob os cuidados de um especialista em doenças coronárias. A moça veio fazer sua pressão e observar as batidas cardíacas. De saída, a moça olhou para Honório e ainda disse para o homem, Jorge Dumaresq, que ele estaria “bom para outra”. E logo deixou o apartamento. Ao sair, com o intuito de fechar a porta, deu uma olhadela para o rapaz. Ela triscou os seus olhos deixando no ar uma leve impressão de uma promessa de amor. Honório sorriu e nada acrescentou. O velho Jorge esteve sempre a observar a garota. E quando a moça saiu o homem disse a Honório, único presente no apartamento:

--- Leva a moça! – e sorriu querendo tossir.

--- Deixa comigo. – sorriu Honório se aquietando daquela enfermeira.

Nesse ponto, o homem declarou a Honório. Este havia sido um aviso. Ele sabia já de antemão que pouco duraria. Portanto, como Honório estava para casar com Ângela, o homem havia dividido a sua herança para o sobrinho e para a sua própria mulher, Anita Colares. Todavia, tinha um, porém: o rapaz somente teria direito a esta metade da herança – em espécie – tão logo se casasse com Ângela. Após casar, ele era o dono da riqueza que Jorge lhe deixara. Antes, não seria possível. Jorge D ainda queria sentir com maior o orgulho de ver a Casa de Artes “A BOTIJA” a funcionar a pleno vapor. Por seu lado, Honório declarou que aquele não seria o momento de se discutir negócios.

--- Negócio é tudo no mundo. Até para morrer. É um negócio. Nunca se esqueça disso meu filho. – declarou Jorge D.

--- Está bem, meu tio. Mas é melhor o senhor repousar um pouco. – tranqüilizou Honório.

Ainda de manhã, ao chegar ao escritório da Loja onde estava a sua noiva Ângela, o rapaz, de imediato, puxou a moça pelo braço e foi dizendo:

--- Vamos sair! – destacou o rapaz.

--- Que foi? Seu tio piorou? – indagou assustada a moça.

--- Não fale! Vamos sair! – arrastou o homem a moça pelo braço.

E os dois rumaram até ao carro de Honório e ela sempre preocupada tinha a intenção em saber o que estaria há haver. O rapaz não respondia nada. Quando o carro atingiu um local distante percorrendo a beira do mar, Honório foi firme a responder a Ângela;

--- Prepare-se, pois vamos nos casar tão logo você se vista. Um vestido branco. ...Tem que ser branco, o campo, o padre, o tabelião e os padrinhos e madrinhas. Chama-se mãe, irmã – a sua irmã, é o caso – o tio Jorge, se ele tiver em condições, a sua mulher, Anita Colares e nada mais.

--- Por que assim tão depressa? – indagou a moça aturdida com o impacto.

--- Uma fortuna nos aguarda. – respondeu o rapaz a sorrir.

Foi uma gargalhada estrondosa que o rapaz soltou. Por mais que tentasse falar, ele não podia fazer. Apenas gargalhar. Em certo ponto, ele olhou para o rosto da moça e não se conteve: gargalhou outra vez. A moça estava aturdida a perguntar:

--- Que fortuna é essa? – indagou Ângela angustiada.

Após alguns momentos, o rapaz voltou à sobriedade e contou a verdade de tudo. Seria uma monumental quantia a esperar pelo casal. Era preciso os dois tão logo acertassem o noivado. A moça teria condições de abrir a Loja “A BOTIJA” sem maiores preocupações. O velho Jorge D, se ainda estivesse vivo, teria o lugar de patrono da organização.

--- Eu não quero isso! – declarou com abuso a moça Ângela.

--- E por que não? A fortuna está no Banco à nossa espera! – reclamou Honório com angustia

--- Dinheiro de um “morto”? Nunca! – teceu Ângela.

--- Espere amor. Ele está ofertando esse valor em vida. Ele não está morto! Ele está vivo! E a metade da fortuna que ele amealhou durante a vida que vai ser tua. Não tem nada de errado. Ele me deu essa informação ainda hoje, no Hospital. – exclamou Honório.

--- Mas ele é teu tio! – reclamou Ângela.

--- Ele vai ser nosso sócio na empreitada. Lembre-se disso. Tudo é negócio, como Jorge bem disse. Até para defecar você está fazendo negócio. Quando se dá roupas para os flagelados, nesse caso é negócio. É negocio para quem dá e para quem recebe. Veja bem: Se você oferta uma camisa para o povo de Zâmbia, na África, você doa. Mas o homem que faz o transporte e leva a mercadoria, pois aquilo é uma mercadoria, está levando para ser vendida por preços absurdos. Não se dá nada de graça. Apenas se vende. – rebateu Honório.

--- Onde é que se vende? – indagou Ângela surpresa.

--- Em qualquer parte do mundo. Os homens que transportam têm caminhões de luxo. Transportam as cargas. Vendem a mercadoria aos sem teto para onde levam. Para você ter consciência. Os pobres de onde recebem as mercadorias procuram dinheiro nos bolsos das calças. Qualquer dinheiro. Seja dólar ou não. O povo tem fome. Porém também tem carência em outras coisas. Eu disse Zâmbia, porém tem outros países, principalmente da África. É essa a verdade. E vem agora com a história de Deus. Deus é o dinheiro que os ricos tentam ganhar ainda mais. Se você não sabia, fique sabendo agora. Essa organização que você está metida é pura armazenagem de pobres para ricos. Você vai comprar por um tanto e vender por muito mais. Pense nisso. - respondeu Honório todo suado e de mal humor.

--- Puxa! Isso eu nunca ouvi falar. Até a Igreja? – perguntou Ângela alarmada.

--- A Igreja é uma das tais. Têm outras. Outras. Eles pedem e você dá. Então eles vendem! Tudo é vendido. Nada é de graça. Pense bem em você. Você! Você “dá” o seu serviço em troca de um pagamento. Você não “dá”. Você vende! – exclamou Honório de modo atrevido.

--- E então? Quer ou não a fortuna? – indagou de novo Honório.

Instantes de comoção da noiva Ângela a pensar nos pobres da África e no seu futuro como empresária da moda e da arte fez com que a moça pensasse mais do que era importante para caminhar na estrada do futuro. No ângulo de sua mente pairava o destino dos pobres de sua terra, homens, mulheres e crianças. Negros vindos das senzalas e brancos meio mulatos, meio negros existentes no interior e no sertão. Produtores de coisas artesanais, garrafas de areias coloridas, cestos e mesmo instrumentos de batuque. Era um verdadeiro mundo, o qual tinha para explorar com certeza. Ela seria um marchant, um comerciante de obras de arte. Um mercador. Nuvens passavam rápidas pelo céu de verão naquela manhã sem chuva. Crianças a brincar a beira da água de um mar tranqüilo, notadamente seco, mulheres a caminhar talvez a procurar peixinhos para dar aos seus garotos e olhá-los a correr em volta das negras pedras do oceano, botecos a vender bebidas aos que mais procuravam. Uma jovem de cor branca e cabelos dourados saindo da bodega com uma meia garrafa de cachaça. Era tudo o que havia por ali no desalinho da civilização.

--- Aceito. Vamo-nos casar. Vestido requintado, branco, almofadado. Vestes com laços ornados atrás, saia bem folgada. É tudo o que em suponho ter. – decidiu a moça em um vislumbre.

--- Isto é que é! Casamento no bosque. Somente isso e nada mais. – respondeu o rapaz com orgulho de ver a moça engalanada com suas vestes.

--- Será tão logo chegue os documentos de casamento. – sorriu Ângela.

--- Isso mesmo. E os recursos serão nossos. Com um ano, nós estaremos dobrando tudo, por conseguinte. Com a orientação do nosso tio. – sorriu Honório ao prazer de beijar a noiva.

Quando tudo se acalmou, Jorge D. já voltara ao trabalho vendo de próximo os artesãos e a loja “A Botija” repleta de serviços, com operários a arrumar as peças, os eletricistas a testar as luminárias de modo que cada uma estivesse focando para o respectivo quadro de obra de arte. Peças de museus para a venda; roupas antigas era o top da moda. Paira a sombra da alegria no rosto da moça e o bem-estar de Jorge D. Naquela ocasião. Honório estava elaborando os convites de casamento marcado para o final do mês. Uma vez ou outra, Ângela chegava até ao noivo para saber se ainda faltava algo. Ele dizia que não, ao mesmo em que se lembrava de chamar também a irmã de Ângela, pois embora da família, devia ser convidada junto com sua mãe, dona Almira.

--- Vai ser uma festa magnífica! Apenas os nossos padrinhos e gente da família. Depois, terá o jantar de bodas na Mansão. Parece estar vendo você em seu traje de cor branca. Quem está fazendo? – perguntou Honório de cabeça abaixada.

--- Segredo! – teceu a noiva sorrindo de mansinho.

--- Segredo! E nós? Onde passaremos a lua de mel? – sorriu Honório.

--- Que tal no Chalé da Montanha? – sorriu Ângela.

--- Bravo! Isso mesmo! É para lá que nós iremos! – sorriu Honório com prazer.

 

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