segunda-feira, 24 de maio de 2010

LUZ DO SOL - 10 -

- ANA LUNA -
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Os jagunços, em numero de três, levaram o corpo ensangüentado e ainda tremendo do companheiro Jacó cuja voz passou a ser ouvida em instantes gemendo apenas, quase sem vida. Atrás de todos vinha Rafael Zenon tendo a frente do grupo um quarto jagunço que só fazia caminhar como se fosse uma verdadeira procissão do Senhor Morto que se fazia no seu tempo de penitencia pelas ruas da vila Riacho das Pedras. Era um verdadeiro cortejo silencioso e fúnebre a marcha lenta e temerosa dos três jagunços carregando nos ombros o corpo quase morto de Manoel Jacó. Era enfim a falta apenas de uma sinfônica para tocar uma marcha fúnebre e dar o tom de todo aquele tenebroso e funesto enterro que se fazia do homem impiedoso que um dia se refez no gozo das carnes da mocinha Ana Luna. Ela não sabia naquela ocasião terrível que a morte de um homem pagaria a pena do que ele fizera consigo. Por certo, Ana Luna não estava presente ao cortejo, pois sentiria imensa dor de ver de perto o corpo de Jacó ser molestado e sacrificado. E então, mesmo distante no conteúdo da morte cruel, aquele seria na verdade o corpo de um sacrificado.
Após certo tempo o cortejo da morte cruel e lenta chegou ao pé de Juá onde outros sacrificados estavam sepultados há anos como era costume. Os três homens arriaram com jeito o ensangüentado indivíduo que eles trouxeram por longo caminhar. O feitor Zenon deu apenas uma ordem:
--- Enterrem! – falou Zenon com a voz rouca.
--- Mas seu Zenon ele ainda respira! – rogou inquieto um dos jagunços temendo que Jacó se levantasse.
Então Zenon puxou a sua arma e fez dois disparos a queima-roupa matando o homem de uma vez. Depois soprou o cano do revolver e colocou a arma no coldre. Então ficou a olhar para os jagunços que por temor da morte fizeram a catacumba para enterrar Jacó agora já definitivamente morto.
Quando então cavavam a sepultura dois jagunços deram de forma assombrada com uns esqueletos que estavam ali enterrados há algum tempo. Um gritou:
--- Arre égua! Tem morto aqui. Muitos ossos! – falou o jagunço temendo bulir nos ossos de algum defunto.
--- Enterre! Depois feche a catacumba. Vocês dois ficam de vigia até mais tarde. – falou Zenon com a sua voz rouca e de cabeça abaixada.
--- Nós, senhor? Por que nós? – perguntou um jagunço tremendo de medo.
--- Quer morrer também? – perguntou Zenon com a sua voz calada.
--- Não senhor. Nós fica mesmo. – respondeu o jagunço de forma assustada.
Nesse momento, Zenon desceu a ladeira que dava para o juazeiro, acompanhado dos outros dois capangas sem nada falar. Apenas o chicote ele estava a estalar na perna, caminhando de cabeça baixa como alguém que nem tivesse emoção. Ao chegar à porta da Casa Grande mandou os dois para o trabalho. Outros que estavam parados ele perguntou:
--- Que está faltando, cabras? –falou Zenon malcriado.
--- Nada não senhor. Nada não. – responderam os jagunços amedrontados ainda da morte do vaqueiro Manoel.
Logo em seguida Zenon se voltou e entrou porta adentro todo suado e cheio de areia. Ele caminhou até o escritório do patrão, o coronel Ezequiel Torres, bateu na porta e entrou em seguida, ao qual falou de modo desprezível.
--- Pronto coronel. Tudo resolvido. Mais alguma coisa? - perguntou Zenon com voz rouca e amarga.
--- Está bom. Agora você vá até a casa do monstro e acabe com a família dele. Não quero ver mais nenhum Jacó aqui dentro. -recomendou o coronel de forma arrebatada
--- Sim senhor coronel. – e Zenon dessa forma saiu do escritório pedindo ainda licença.
Seguindo a ordem do coronel Ezequiel Torres, Zenon caminhou até a casa de vaqueiro Manoel Jacó que ficava no mesmo sitio da fazenda e, descendo do seu cavalo alazão, encontrou a mulher e os seus três filhos a chorar pela morte do homem da casa. Zenon disse à mulher que não se incomodasse, pois tinha uma missão maior para ela e os seus três filhos. Manoel errara quando seviciou a moça Ana Luna, filha do coronel e por isso teve que ser punido. Afinal, Luna era quase moça e ele bem sabia disso. Por isso, ninguém ali se apiedasse de Manoel, pois a justiça foi feita como em outros casos. A mulher somente chorava com o apoio de seus três filhos, um dos quais era uma mocinha. Foi então que Zenon pediu que ela se arrumasse, pois ele a levaria a um canto melhor onde a mulher não mais precisaria sentir falta do marido. E assim, os três herdeiros de Manoel Jacó entenderam e a mulher procurou juntar meia dúzia de roupas e seguiu em frente como Zenon dissera. Eles caminharam muitas léguas até um ponto deserto no meio daquele imenso sertão. Então, sempre na retaguarda daquele batalhão de três meninos e uma mulher, Zenon fez disparo com seu rifle de doze tiros matando a mulher e as crianças. O fato se deu numa montanha onde tinha árvores como jurema, pereiro, caldeiras e tantos outros da mesma espécie. Zenon pegou os corpos e enterrou num local de difícil acesso. Quando acabou, suado até demais, enxugou o rosto com a manga do blusão, olhou para o que fez e voltou pelo mesmo lugar sem nada temer e nem sentir. Cumprira as ordens do coronel e estava satisfeito com a missão que lhe fora incumbida.
A chegar à casa do coronel. Ele foi até o escritório dizer:
--- Pronto coronel. Tudo feito. – disse o homem com a cara meio enrugada.
Dalí ele foi a banheiro tomar o seu banho semanal e tirar das costas todas as mazelas que encontrara naquele dia. Com o passar dos minutos Zenon se lembrou de Manoel Jacó de quem certa vez foi compadre, por parte da menina Judite de quem foi padrinho anos passados. A menina já era mocinha e ele teve que martirizá-la também junto com sua mãe e os dois irmãos. Aquela cena não saia de sua memória uma vez que foi ele quem a amparou nos braços quando ainda era pequena e prometeu zelar por sua afilhada para todo o sempre. Nesse momento lhe veio à imagem da comadre, mãe da menina que se mostrava tão feliz naqueles anos. E entre tudo isso veio às lembranças de anos passados, lances de muito amor e de maior carinho. Ao passar na sua memória tais casos, Zenon não agüentou por muito mais tempo e se largou a chorar. Chorar como criança se lembrando da sua afiliada, dos presentes tão bobos que lhe dava, do caminhar a cavalo, dos vexames que passara quando a menina caiu do seu colo e ele pensava que Judite tinha morrido. Sua mãe correndo para acudi-la, o pai Manoel gritando para se ter um pouco de cuidado. Por tudo isso Zenon chorava. E mais chorava, só, naquela sala de banho por causa de tudo ou nada. A lembrança de dias passados em família. Sua mulher brincando com os meninos de Manoel e das graças que Judite proporcionava. Lembranças que a vida jamais lhe tirava enquanto vivesse. Ao receber a ordem de chacinar aquela família inteira lhe doeu demais o coração. A vida lhe reservava segredos cuja memória não tinha noção de preço.
E ele perguntava apenas:
--- Por que eu meu Deus? Por que eu? – perguntava Zenon chorando de dor.
Nada havia o que respondesse. Ele via a todo instante como foi que matou Judite e por isso chorava demais. Lembrava-se dos momentos de brinquedos, bonecas de pano que Judite mostrava para ele como se aquilo fosse um tesouro que lhe caíra do céu.
--- Olha padrinho a minha bonequinha! – dizia a menina de apenas oito anos.
Casos do passado que então recordava e por isso mesmo ele chorava copioso como se também fosse menino. O tempo era mau para com ele por ter feito aquilo com sua afilhada cuja memória não apagava jamais. E em um derradeiro instante, a voz da menina ferida de morte a perguntar-lhe.
--- Padrinho, eu vou pro céu? – disse a menina quase morta.
--- Vai filha. Você vai. Perdoe-me por ter feito isso. Perdão. – foi o que disse Zenon chorando aquela dor, abraçado a menina, tendo em seus braços como uma boneca.
Então, naquela hora de desespero e de um homem solitário, Zenon chorou.

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