sábado, 12 de junho de 2010

LUZ DO SOL - 01

- A PIANISTA -
Eurídice era uma menina de apenas sete anos de idade. Em sua casa tinha um piano cujo dono era o seu pai que recebeu por herança de sua mãe, pianista nas horas vagas porque no seu tempo o piano era o melhor instrumento de sua época, vez que não havia rádio. Quando muito, havia gramofone. E a então mocinha se deleitava ao piano tocado peças para a sua família que se agradava de ouvir as melodias suaves de concertos, sinfonias e suítes. Quando o pai de Eurídice herdou o instrumento o deixou encostado em um canto da sala e nunca mais ouviu nenhum som do piano, pois a sua mãe morrera muito cedo e ele não se aventurou em tocar piano. Certo dia, Eurídice, quando entrava na sala ouviu alguém falar para com a menina que, de imediato teve um leve susto. A voz dizia:
--- Psiu! Venha até aqui! E toque-me as teclas! – disse a voz que Eurídice não sabia de onde vinha.
--- Quem está falando? – perguntou a menina meio assustada.
--- Sou eu. Estou aqui, olhe! Toque alguma coisa! Minhas teclas estão ficando idosas e as minhas cordas quase que não servem mais! – respondeu a voz.
--- Mas onde é que você está? – voltou a perguntar a menina.
--- Aqui. Bem na sua frente. Venha mais para perto de mim. Estou tão melancólico! – respondeu a voz bem suave.
--- Mas aí só tem o piano! – respondeu Eurídice um pouco admirada.
--- Sou eu mesmo. Nunca mais alguém veio me despertar de meu sono letárgico. – respondeu o piano de seu modo taciturno.
--- E piano fala? –perguntou a menina um pouco chocada.
--- Fala. Quer dizer. Às vezes fala. Com as meninas que apreciam musica. – respondeu o piano.
--- Eu nunca ouvi você falar comigo. – respondeu Eurídice meio acanhada.
--- É verdade. Nunca falei com você. É que eu estava com medo de chamar você. Sabe? – disse o piano à menina.
--- A questão é que eu não sei se posso tocar em você. Está todo fechado. – falou Eurídice encabulada do seu modo de ter que dizer que não sabia nem tocar piano.
--- Pode, sim. E se não souber, eu ensino! – respondeu o piano sorrindo.
--- E como é que eu abro você? – pesquisou Eurídice como quer e não quer.
--- Assim, olhe! Abra esse negocio que tem ai na frente parecendo uma tampa. Lá dentro você encontra o teclado. São 85 teclas. As brancas e as de cor preta. As brancas são de notas naturais e as de cor preta são as acidentais. Entendeu? – perguntou o piano sorrindo.
--- Não. Não entendi coisa alguma! – reclamou Eurídice envergonhada.
--- Não tem importância. Com o tempo você aprende. O negócio é me fazer tocar belas melodias para o seu deleite. – respondeu o piano cheio de entusiasmo.
--- Mas eu não sei fazer isso. – argumentou a menina envergonhada.
--- Eu já disse que te ensino? Então eu vou te ensinar! – sorriu o piano.
--- E como eu faço para você me ensinar? – perguntou Eurídice um pouco entusiasmada.
--- Sente aqui nesse banquinho que tem na minha frente. – respondeu o piano cheio de entusiasmo.
--- Esse banco velho? Está cheio de poeira! – respondeu Eurídice ao olhar um banco.
--- Não tem nada não. Você passa um pano nele. – respondeu sorrindo o piano.
--- Nesse caso eu vou lá dentro buscar um pano velho. – replicou Eurídice.
--- Não! Não!Não! Espere um pouco. Você limpa com seu vestidinho! – sorriu o piano.
--- Meu vestido? Você acha que eu sou doida? – indagou Eurídice com cara de espanto.
--- Deixa pra lá. Você faça como quiser. Afinal eu não tenho muito tempo de vida! – chorou o velho e maltratado piano.
--- Tá bom! Não precisa chorar. Eu limpo com o meu vestidinho mesmo. – respondeu a menina constrangida com o choro do piano.
--- Eu sabia que podia contar com você. Agora abra para ver o meu teclado. Cuidado! Lá embaixo tem três pedais. Você tem pernas curtinhas e não pode mexer com eles. – respondeu o piano desconsolado.
--- Posso, sim! Quem disse que não posso? – indagou atrevidamente Eurídice.
--- Eu pensei que não podia! – reclamou o piano meio acuado.
--- E que tem nesses pedais? – perguntou a menina desconfiada.
--- É o seguinte; o da direita permite que as cordas que eu falei que tinha dentro de mim, vibrem livremente, com o prolongamento do som. Os da esquerda desviam ligeiramente a posição dos martelos, fazendo três cordas soarem mais suavemente. Sei que isso é muito complicado para ensinar a uma menina. E eu que já estou muito velho aí é que não dá para ensinar
--- É mesmo. Não entendi nadinha. E tem um no meio. Pra que serve? – perguntou Eurídice.
--- Esse é o sustenido. Mas deixa pra lá. Só queria que você abrisse para ver como eu estou velho. Muito velho. Nem as teclas me servem mais. – falou o piano quase dormindo.
E a menina Eurídice nem teve tempo de acordar aquele velho piano. Ela fechou a portinha das teclas e o deixou dormir para sempre. O piano já estava no final da vida.

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