quinta-feira, 24 de julho de 2008

RIBEIRA - 39

A RIBEIRA antiga era bem diferente da atual (2008). Em carros, transportes de massa e gente mesmo O garoto, já quase rapaz, certa vez disse que a Ribeira Antiga era cheia de vida. Vibrava, por assim dizer. Tudo o que se fazia começava pela Ribeira. Salvo o mercado público da Cidade Alta, os demais negócios eram na Ribeira que as pessoas tinham que procurar. Certa vez, o garoto falando ainda sobre a casa 241 da Av. Rio Branco que o seu tio havia alugado para instalar o seu Armazém de Madeira, disse que a casa ficava um pouco recuada do muro que existia na frente do prédio, cerca de 8 metros. O garoto lembrou de que no muro da frente havia três portões. Um, largo, que dava entrada a um caminhão carregado de madeiras: outro, no meio, que dava acesso aos moradores que naquela época eram fregueses, indo por um caminho feito de tijolos com cerca de dois metros e meio de largura e por fim, um portão estreito feito para uma pessoa, de cerca de 70 centímetros que dava acesso ao beco da casa, por seu lado esquerdo. Quem estivesse na casa, era do lado esquerdo olhando para a rua.
Esse terceiro (ou segundo) portão nunca se abria, pois o ferrugem já havia danificado a sua capacidade de abrir e fechar. Então, o portão só vivia fechado. Como era todo de grade, podia-se ver através dele, sem sombras de duvida. Na calçada que dava acesso ao prédio tinha uma parte que findava em outra, circulando pela frente do prédio, da direita para a esquerda. Essa calçada, talvez de um metro de largura, entrava pelo beco do lado esquerdo da casa. No lado direito não tinha calçada. Era um beco de cerca de três metros de largura onde se plantou três pés de sapotis e um de abil.. Do lado esquerdo, como já foi dito pelo garoto, tinha outros dois pés, mas de sapotas. Era disso que o rapaz se lembrava muito bem.
Quando o Armazém começou a funcionar, em janeiro de 1956, ainda não tinha nada para vender. O tio do garoto se ocupava em fazer contas, adquirir no Recife mercadorias de madeiras e compensados, arrumar a casa, contratar um carpinteiro que, certa vez, ainda no escritório da Rua Dr. Barata foi levar um recado para o mestre (António dos Santos que nasceu no dia 1º de Novembro, dia de Todos os Santos e, mesmo assim era protestante) para ele ocupar o posto de Mestre em Carpintaria, no Armazém, quando abrisse em janeiro de 1956. Nesse tempo. o Mestre António trabalhava na fundação do prédio do Ipase, no bairro da Ribeira. No dia que ele foi chamado ao escritório, por certo aceitou o convite, pois o garoto disse ter visto, quando o Armazém começou a funcionar, uma carroça puxada a burro carregando um imenso banco feito de uma madeira rústica que, com o tempo o garoto ficou sabendo ser sucupira. Além do banco desmontado que chegou ao armazém, uma outra carroça entrava conduzindo um caixão enorme que o Mestre António guardava seu material de trabalho.
Nesse transporte o garoto se lembrava de uma peça por nome de "sargento" que servia para unir duas peças quando se estava colando - como placas de cola feitas de tripas de boi -. Não raro, uma peça desse tipo levava um dia prensada para poder colar, de vez. Com relação ao emprego, o garoto ficou sabendo que, daquele mês em diante, ía trabalhar dois expedientes, ganharia um pouco mais e teria pela primeira vez sua Carteira de Trabalho assinada pelo seu tio. A Carteira de Trabalho era um documento que serviria para todo o sempre como forma de apresentar em qualquer lugar em que o portador fosse trabalhar ou não. Essa carteira foi criada do Governo Getúlio Vargas, em 1938 quando foi instituída a Consolidação da Lei do Trabalho. Com isso, o trabalhador tinha uma esperança de um dia se aposentar condignamente. A Lei do Trabalho facultava ao operário receber um salário capaz de se sustentar e à sua família, com filhos e tudo. Essa Lei, depois do Governo de Getúlio Vargas, jamais foi respeitada. Hoje, o operário não ganha o suficiente para sobreviver, quanto mais se tiver uma mulher. Em 1956, o operário recebia uma salário mínimo, férias, salário-família, salário-maternidade, salário-doença em caso de adoecer em trabalho ou a caminho do trabalho entre outros benefícios.
Com o passar dos meses, o armazém se encheu de madeiras de todos os tipos sendo obrigado José Leandro fazer um galpão enorme, de mais de 15 metros de comprimento por 6 de largura, todo feito de madeira maciça, com separações entre uma e outra tábua de 3 polegadas por 1 polegada de grossura. Nesse galpão tinham duas portas de 70 centímetros cada uma, todas feitas em madeira de pinho comum vindos do Paraná, onde era comprada e trazida para Natal em navios mercantes que desembarcavam no Cais do Porto da rua Chile, no seu começo. Então, era nesse casarão que o garoto começava a aprender a trabalhar. No escritório, estava José Leandro com o seu inseparável cofre de ferro de porta grossa dois birôs, três cadeiras para os fregueses e amigos, uma cadeira e um birô para o garoto que respondia por tirar as notas de compra e venda além de serviços de Banco e atendimento a quem aparecesse para comprar alguma peça em madeira ou compensado. No segundo quarto eram guardadas peças de ferro que José Leandro usava em suas construções, galões de tinta também usadas com o mesmo fim, um balcão onde se guardava talões de notas usadas ou novas,papéis de carta, carbono e para cumprir uma necessidade, havia também um filtro de água que era enchido todos os dias pelo garoto direto da torneira da rua que ficava no beco a esquerda da casa.Foi assim que tudo começou.

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