quarta-feira, 30 de julho de 2008

RIBEIRA - 41

O Bonde que passava na esquina da rua Dr. Barata.




Viver a Ribeira de 60 anos passados ou de mais tempo, era ter o sabor da vida como um doce encanto. Ali havia de tudo um pouco. Da tapióca e manguzá - alguém diz munguzá - aos perfumes delicados e inebriantes das moças saideiras que entravam para comprar um corte de fazenda nas Casas Pernambucanas ou no Armazem Potiguar, um disco de vinil na Loja de Carlos Lamas ou mesmo somente para passear recordando os eternos namorados norte-americanos que um dia estiveram por estas paragens e partiram para um destino quiçá sem volta. O Teatro "Carlos Gomes" era o túmulo de velhos romances das mocinhas casadeiras que passavam pelos seus flamejantes jardins perfumadas como pétalas de acassia.

Nas ruas do bairro estavam os homens de negócio com seus charutos havaianos, como costumeiramente faziam, soberbos e galantes, adejavam a cada passo olhando para as lindas pernas da mulher fatal, de sombrinhas e leques com um ar de que não queria nada para os olhos voluptuosos que arrematam em espiar. Nas tardes quentes de verão, as damas da noite saíam mais cedo para fazer a ronda onde as senhoras distintas não se aventuravam em passar. Um passeio de bonde até que não fazia mal, ela e mais duas amigas sorrindo a todo instante entre uma coisa e outra que nem graça fazia, para bem dizer. Porém, andar de bonde era chique, por que não dizer. Bem melhor do que fazer tricô na casa de uma velha senhora e ouvir as suas conversas fiadas.
Assim era a Ribeira do tempo antigo, do tempo de nossos avós e até mesmo dos nossos bisavós. Para as crianças pouco tinha a se oferecer, pois, afinal, o coreto que era armado na Praça Augusto Severo era apenas cheio de dejetos humanos dos ébrios que dormitavam por alí. O Cine Polyteama há muito tempo fechara as suas portas. No seu tempo, lá para os idos de 20, era chique se ir até lá, pois tinha uma sorveteira sempre bastante frequentada antes de começar a projeção do filme do dia. No Polyteama era frequente se ouvir histórias vãs que se contava baixinho para que ninguém ouvisse. No final de tudo, os segredos passavam de boca em boca e todos ficavam sabendo das fruticas que se estava praticando na cidade. Assim, era a Ribeira dos velhos carnavais, e que carnavais. Quem diria, heim?
Ao final da tarde, antes da preguiça chegar e o sono vir de mansinho, a Confeitaria Delícia, de um português - Ovidio - que puxava por uma das pernas, era o ponto de encontro dos doces "bárbaros" que passaram o dia fazendo negócio e, então, era a vez de botar conversa fora em meio da risadagem que lá de fora se ouvia. Quando a Confeitaria já estava cheia de ébrios ou quase isso, Ovidio arranjava um jeito de colocar mesas do lado de fora da calçada onde os homens de negócio perdiam o senso da responsabilidade e tocavam a falar da vida alheia. Um bonde passava ao largo, fazendo a curva, rumando para a Cidade Alta, o bairro chique onde morava a burguesia. O delém-dem-dem, que o motorneiro fazia chamava a atenção dos que viajavam em pé ou sentados no seu orgulhoso bonde colorido.

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