domingo, 25 de maio de 2008

NÉRA


Era o ano de 1905, dia 26 de junho quando, na casa de Miguel Leandro nascia a nova filha do casal - Miguel Leandro e Estefânia. Seu nome fora escolhido por seu pai: Reinéria. Era a segunda filha do casal que recebia o mesmo nome, vez que a primeira - Reinéria - morrera com pouco tempo de nascida. Os irmãos da menina tão logo viram lhe puseram o nome de Néra, o seu nickname. Assim, Néra cresceu no meio de todos os seus irmãos e vendo nascer outros que enchiam de graça a casa da Rua da Estrela - hoje, chamada rua José de Alencar, no centro de Natal, capital do Rio Grande do Norte. A menina, com o passar do tempo virou moça. Ela estudava no Colégio da Conceição e teve como principal mentor o seu irmão, Crispin, um pouco mais velho que Néra. A sua vida era da escola para casa quando não tinha que ir à Igreja de Nossa Senhora da Apresentação com seus demais irmãos.

Avida de Néra era simples por demais. Ela cuidava da "cozinha" da casa, apesar de ter ali as suas donas cozinheiras, duas, por sinal, que serviam o café da manhã, o almoço e o jantar. No meio disse, tinha um lanche servido à tarde para a criançada e alguns visitantes que por alí chegassem. Desse modo, com o passar do tempo, Néra aprendeu a cozinhar, ou direto pelas mãos de sua mãe ou mesmo, por uma irmã, que sabia fazer os preparos ideais. A irmã, Justina que todos a chamavam de Justa, era um pouco mais velha que Néra, pois nascera no dia 12 de dezembro de 1898. E foi com essa irmã, que Néra aprendeu a cozinhar, como era de costume naquela época. E assim, os anos se passaram numa cidade de uma vida tranquila. Néra costumava dizer que o seu batizado foi celebrado tão logo depois do seu nascimento, pelo Pe. João Maria - Cavalcante de Brito - que veio a falecer logo após, no dia 20 de outubro de 1905, vitimado por uma forte crise de diabetes. O padre João Maria faleceu numa casinha de taipa no local chamado Alto do Juruá, hoje conhecido por Petrópoles - ou Petrópolis -. A casa onde o sacerdote morreu, naquele tempo, tinha uma vista direta para o mar, pois foi desse modo que ele escolhera. O seu sepultamento moveu e comoveu toda a Cidade, saindo de onde ele estava para a Catedral de N.S.da Apresentação e, dalí, para o Cemitério do Alecrim, unico da cidade. As Igrejas de Natal, no dia do seu sepultamento fizeram repicar os sinos desde a manhã até depois do sepultamento.

Com o passar dos anos, certa vez, Néra viu quando entrou na oficina do seu pai - Miguel - um jovem homem de seus 35 anos, para comprar um caixão no qual seria feito o sepultamento de sua mulher. Ela estava com seus 25 anos. Sentiu um forte aperto no seu coração e logo disse a sua irmã mais jovem, Nôza - seu nome verdadeiro era Leonor -que aquele rapaz era um viúvo, pois acabara de adquirir uma urna mortuária. É bom lembrar de Miguel Leandro era tabelião do Primeiro Cartório de Ofícios de Notas de Natal e mantinha uma Casa Funerária na capital. Com esse dinheiro da Casa Funerária e a renda de lhe propiciava o Cartório, ele conseguiu manter a família, criando os seus 16 filhos, sendo 6 mulheres e 10 homens. Na verdade, o seu último filho foi Miguel Leandro Filho, nascido em 1915. Da renda do pai, formaram-se dois em medicina e um em Contabilidade, sendo os demais, dois tabeliôes, tres empregados públicos, um que serviu a Polícia e porfim, outro que morreu bem jovem. As seis mulheres, foram todas donas de casa.

O homem que Néra observou a comprar uma urna mortuária, era João Álvares de França. Naquele instante, mesmo sabendo que o homem estava coberto de luto, foi amor à primeira vista. Ela não falou nada ao jovem senhor, respeitando a sua dor pela morte da esposa. Foi, só com o tempo que Néra, servíndo-se de sua irmã Nôza, conseguiu manter o primeiro contato com o jovem professor. O tempo já havia passado e, numa carta, João disse a jovem moça que era um viúvo tomado de angustia e certamente ela não havia de querer ouvir os seus lamentos. Mesmo assim, Néra não desistiu e, através de Nôza marcou um encontro com o jovem viúvo na Igreja de Santo Antônio, proximo a Catedral da Apresentação. E assim, começou o namoro entre os dois jovens com encontros sempre havidos na Igreja de Santo Antônio, no primeiro andar que dá para o Coro onde se ouvia entoar os hinos litúrgicos na hora da Missa. Esse namoro demorou um certo período, até que João entendeu de pedir a mão da moça em casamento ao seu pequeno e soberbo pai.

Era o ano de 1933 quando os dois nubentes contrairam matrimônio. Enfim, era uma nova vida que começava a ter a senhora Reinéria Leandro Alvares. Os dois foram morar na rua Camboim - hoje, rua Prof. Fontes Galvão - bem próximo a residencia do pais da recem-casada, dona Néra, na Rua da Estrela. Quando não tinha nada o que fazer em sua casa, dona Néra dava um pulo na casa de sua mãe para saber das novidades. E assim, Néra e João seguiram a sua vida, com ele, também, a visitar a casa de seus pais, Luis de França e Ana Alvares, do outro lado da rua Camboim. Como a rua era estreita, como se dizia, era só um pulo para alcançar a casa no meio do sítio. Por vezes, Néra teve que se ausentar da capital, seguindo o marido em suas viagens por terras de Baixa Verde, Goianinha, São José do Mipibú e Pedro Velho onde o professor cumpria sua faina de Inspetor de Ensino. Por vezes, ouvia-se Néra reclamar das cobras que se enfiavam pelas paredes na casa onde ela ficou hospedada, na cidade de Baixa Verde, ou de um barulho que ouviu no corredor, em uma casa, em Goianinha: aquele barulho findou quando um cavalo apareceu no corredor e cumprimentou aos dois, Néra e João, dando meia-volta e partindo em retirada. Desse tempo em diante, Néra sempre deixava a porta da rua feixada a chave. Assim, a mulher ficava protegida contra a invasão de um cavalo qualquer.

Em 1935, foi um tempo difícil para Néra. Por uns dias, ela teve que ir, diariamente, a casa de seu pai, Miguel Leandro, cuidar do homem, fazendo chá, dando poção, e limpando a cama, não sabe quantas vezes por dia. O velho estava doente de uma forte disenteria causada, conforme disse a mulher, por umas uvas que chupara. Dessa enfermidade, o homem morreu no dia 21 de maio de 1935. Néra disse, certa vez, que não verteu uma lágrima com a morte de seu pai. Não, por maldade, mas por seu temperamento mesmo de não chorar como é costume se fazer quando um parente morre. No entanto, ela não escondeu as suas lágrimas diante do corpo do seu marido, João Alvares, que morreu no dia 29 de março de 1958 e foi sepultado no dia 30, o dia seguinte. Porém, não se viu a mulher chorar para morte de seus irmãos, inclusive Nôza, uma irmã, dentre todas, a mais querida de Néra. A mulher lamentava que, da herança de seu pai, nem uma xicara ficou para ser dada a Nôza. Nada, não.

Depois de 1935 a vida seguiu com seus altos e baixos. Néra enfrentando os maustratos da vida ou de alegrias, como os tempos que ela e João mais seus amigos inseparáveis - Maria do Carmo e Tenente Severino - nome verdadeiro: Manoel Alves Freire -. Houve um tempo em que eles gozaram a vida com o descançar em um veraneio na Praia de Areia Preta. Aqueles foram dias felizes, cheios de fraternidades. Em 1938, nascia o seu primeiro filho. Foram os padrinhos, o casal Maria do Carmo e Tenente Severino. Foram dias de angustia, pois o bebê sofreu de uma crise de ameda, sempre se esvaindo em uma diarreia que fazia o rebento defecar em várias cores. Para Néra, foi um tormento aquela fase da criança a defecar constantemente. Ela se recordou do seu pai. Para o pai da criança, João, o socorro estava em um médico existente em Natal, que cuidava, principalmente, de menores de tenra idade: dr. Varela Santiago. O médico, que chegava à casa do enfermo, receitou um medicamente que, para Néra, "foi um santo remédio". Daquela, o menino escapara. No entanto, outros males surgiriam.

Quando o garoto já estava com os seus seis anos, veio uma crise de asma provocada por um banho com água quente da torneira. Essa, então era uma "doenção", como dizia a mulher. Quem socorreu, dessa vez, foi um outro médico, dr, Abelardo Calafange. O menino sofia de um "puxado" que não tinha remedio que desse jeito. Mesmo assim, o tempo passou e o acesso de asma se fez mais distante. Todavia, um outro perigo surgiu: "HERNIA". Dessa, o garoto nao escapava. O seu pai começou a caçar calango no mato para passar o sangue do rabo do calango em cima da hernia do garoto. Com isso, João esperava curar a doença. Pelo sim ou pelo não, o menino se fez rapaz, procurou um médico e ficou sabendo que nao sofria de hérnia. O que parecia ser a doença, era nada menos que uma lesão na parede intestinal. Nada para operar. E o rapaz sentiu pesar em saber que por sua hérnia, tantos calangos ficaram sem rabo.

E nasceu o segundo filho. Uma madrugada do dia 18 abril do ano de 1947 que a casa - na av Afonso Pena - se encheu de gente. Dona Néra, já com 43 anos estava a ter o seu segundo filho. Da casa vizinha, estavam dona Mariquinha, Nazaré, neta da velha Mariquinha, e uma mulher que se dizia parteira. Nesse dia, o menino foi mandado para a casa de sua madrinha, Maria do Carmo. Foi um dia dificil com todos fazendo massagens, compressas e nada do menino nascer. Enfim, João procurou a ciencia do seu cunhado, também João Leandro, para tentar cuidar da sua mulher. Nesse instante, o dr. João Leandro foi em seu carro conseguir um quarto no Hospital Miguel Couto - hoje, Onofre Lopes - para internar a paciente. Então, Néra embarcou numa ambulância do hospital e lá, o médico cirurgião examinou a enferma e recomendou uma cirurgia para assim, retirar a ferro, a criança que estava atravessada. Foi um dia terrivel. O 19 de abril de 1947 viu surgir o garoto que, na pia batismal recebia o nome de José, dado por sua mãe, e Magno, dado por seu pai. Foram padrinhos, José Leandro, conhecido por Zeca, e sua irmã, Leonor, conhecida por Nôza.

Dona Néra ainda permneceu por uma semana no Hospital com o seu filho, fazendo um tratamento da cabeça, no lado de trás, de um furo que provocou o instrumento - um fórceps - na retirada da criança. Daí, então, João, em companhia do seu compadre Tenente Severino, saiu orgulhoso, gabando-se que entre todos os temores, sobrava mais um filho para a alegria da casa. João Alvares, dali em diante tinha que trabalhar bem mais para conseguir o leite para o nenêm, pois a sua mulher, Néra, não teve esse líquido salutar para dar de mamar ao seu rebento. O outro garoto tinha ficado "no canto", como dizia Nazaré, sua visinha. E para se confortar com a decisão de ter que ficar no canto, o garoto asmático procurou um canto de parede entre a porta do corredor e uma estante de livros, alí ficando em pé, calado, acanhado matutando em seu futuro de estar que ficar no canto. A sua mãe foi a que acabou com aquela ilusão de criança. A partir de então, o menino tinha outras obrigações para cumprir, como por exemplo, saber que horas eram aquela para a sua mãe, Néra, preparar o leite do recem-nascido. E sempre ele fez esses mandados, numa casa que ficava a cem metros de distância. O fato é que o menino asmático sempre errava a hora quando procurava saber.

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