segunda-feira, 26 de maio de 2008

O MENINO

Após sete dias internada no Hospital Miguel Couto, Néra voltou a sua humilde e bem acabada casa, trazendo consigo o novo rebento mais recolhido ao seu colo. Alí, ela tomaria conta dos novos afazeres. O carro de praça parou em frente à residência, na rua Afonso Pena, trazendo Néra, o seu esposo, João e a sua irmã, Nôza. Durante o tempo que ela esteve fora do lar, Nôza tomava conta da casa. Nas horas de visitas - e para Néra era qualquer hora - lá ía Nôza levando frutas para a sua irmã. Enquanto esteve no Hospital, Néra foi muito bem acolhida, recebendo a visita de todos os seus irmãos, parentes e amigos. Ao chegar em sua casa, muitas outras visitas de seus irmão também se fizeram. Ao chegar em sua casa, Néra foi recebida com carinho por toda a vizinhança que queria ver o novo rebento.
- "Parece com o papai!"
- " E com a mamãe também!".
- "Parece com a vovó!"
- "Não. Nao perece com ninguém!"
- "Ele, é ele só! Sua Majestade, o nenêm!!"
Diria o poeta, tempos depois, fazendo uma elegia a todas as crianças recem-nascidas. A criança é ela só. Não parece com ninguém.
E o tempo correu depressa com as constantes visitas de Nôza para ver o seu novo afiliado. Ela chamava o bebê de "José". Quando estava por perto, não parava de dizer:
- "Olha, como ele é lindo!!! Néra! Ele fez cocô!! - dizia em sua forma de sorrir.
E limpava - fazia o asseio - a criança. Quando a mãe chegava no quarto, tudo já havia sido feito.
- "Pronto, Néra! Ele, agora, está limpo!" - dizia Nôza e tomava o bebê nos braços.
- " Decá ele. Já tá dando muito trabalho!" - respondia a mãe, acalentando a criança que não parava de chorar.
- Esses foram os primeiros dias. E o segundo, terceiro e quarto também, com Noza sempre por perto para fazer afagos. Um dia, ela disse que voltaria à casa de Do Carmo, a mesma senhora que passou um tempo cuidando do seu afiliado, o menino asmático. Quando esteve na casa da sua madrinha, o garoto asmático ficou sabendo que, naqueles dias chovia muito da região de Caicó, com o Tenente Severino fazendo doações de alimentos para os necessitados. Em Caicó, chovia a potes e barris. Todos os alimentos comprados pelo Governo do Estado, foram encaminhados as famílias flageladas. Isso, pouco interessava ao garoto que levava o tempo a brincar de bola com os seus amigos, filhos de Do Carmo - , cujo nome era Iaponan - e outros tantos daquela redondeza. A madrinha do menino asmático morava na rua Mossoró, perto do centro da cidade. O interessante é que antes daquele tempo, a rua Mossoró se chamava de um nome bem peculiar: "Vai Quem Quer". Naquele tempo, era uma rua de casas de taipa, só vindo a ter novas casas pelos ídos de 1930, quando se passou a construir residências feitas com tijolos. E naquele ano, a rua passou a ser chamada de Mossoró, um rio existente no Rio Grande do Norte.
No domingo, o asmático já estava em casa vendo, de perto, no "Rei no Trono": o nenêm José.. E vieram as recomendações de sua mãe.
- Olhe o menino! Veja se ele está dormindo" Tá acordado? Veja se ele está com fome! Que horas são? Vá saber da hora na casa da esquina!!!- Era a recomendação que a sua mãe lhe dava todos os dias, como também outras de que o garoto asmático devia ir à bodega de seu Geraldo comprar pão ou mesmo um vidro de vinagre que custava 200 réis. Desse modo, a casa virou um "inferno" para o garoto que nem podia brincar com o seu "cavalo" de pau, para não fazer barulho e acordar o nenêm, ou mesmo jogar bola na sala da frente. Quando ele era surpreendo fazendo algo mal feito, o pau "comia" em sua cabeça. Nem por isso o menino asmático se assustava. Quando não estava balançado a rede do bebê, ele costumava ir sentar no batente da janela para ver quem ia ou quem vinha.
Com o passar dos meses, o nenêm já estava mais "duro", com sua mãe saindo à rua para ir na casa de suas irmãs ou mesmo de alguma outra parente, como Laura, sua cunhada, cujo morrera em 1935 e outras sobrinhas. O interessante é que, para o asmático, aquele garoto tinha algo diferente: vivia com a boca um pouco aberta, com a língua quase que de fora. O garoto não compreendia a razão de tal fato. Certa vez, Néra, que muito reclamava da precária situação da vida, achou por bem tirar uma foto de José numa Foto da cidade. Ela preparou o garoto sob o maior reclamo, dizendo que o filho mais velho tirou uma foto desse tipo vestindo calças de veludo enquanto José trajava uma roupa de seda, tipo bem inferior ao do garoto asmático. Ela não sabia que os tempos já haviam mudado bastante, com o pai das crianças ganhando bem menos que antigamente, em 1939.
Quando o homem fazia a feira da Cooperativa dos Servidores do Estado. tinha que reservar um pouco daquilo que ele levava para poder vender no Mercado Publico a um preço mais baixo e com aquele dinheiro poder comprar pão para a ceia e carne para o almoço. As aulas nocturnas que dava em casa de nada adiantava, pois o dinheiro era insignificante. Na casa, tinha um quadro-negro bem grande onde o velho professor costumava a fazer cálculos,os mais diversos. Ela com aqueles cálculos que o homem apostava em um número, não raro pregado alí no quadro: era o famoso "Jogo de Bicho". As vezes, acertava. As vezes, não, pois era a sorte que ele não tivera. Certa vez, ele chegou a mostrar um numero que estava no quadro-negro, como o certo que se podia apostar. Nesse dia, ele não fez "a fé", pois lhe faltava dinheiro. Ao procurar saber qual tinha sido o número da sorte, no dia seguinte, estava lá, impresso o real numero que ele alcançara.
O menino, José, já tinha seus três anos. Nesse dia, o seu pai, João, estava sentado da sala. O menino José brincava com um carro de madeira, que o seu pai havia feito. O carro prestava muito bem para se conduzir saco de cimento. As rodas da frente dobravam para um lado e para o outro, por força de um parafuso que amarava os cocões da frente. Os cocões traseiros eram firmes em seu lugar. Nesse dia, José brincava com o carro, sentado e empurrando a carroça com um pé, em um corredor da casa. Num dado instante, o garoto perdeu a direcção e foi de encontro a um pilar da casa, ferindo a testa e quebrando um dente. O menino caiu em um choro terrível e sua mãe correu para pagar e levá-lo de imediato ao médico.
- "Besteira, mulher! Foi só uma batida" - disse João.
Já era quase noite, e a mulher fez compressa com água com sal, lavou a testa do menino, naquele alvoroço tirano, reclamando por todos os cantos que se estava numa cidade onde não havia nem médico, nem dentista. Depois de algum tempo, a mulher sossegou e no dia seguinte foi ao médico, no Hospital Infantil. Em lá chegando, o médico examinou e viu que não havia nada de mais para ser feito,passando um emplastro para sarar o ferimento d testa de José. O dente? Esse caiu. Por muito tempo Néra falou nesse incidente. De outra vez, a mulher procurou uma moeda de 50 centavos que tinha posto num local, e não á encontrou. E quem levou a culpa foi o menino, que teria engolido a moeda. Nesse momento, a mulher se agarrou com promessas feitas ao patrono São José, para ele fizesse aparecer a maldita moeda. Uma vizinha recomendou purgante, e Néra empurrou gola a dentro um purgativo para ver se um menino expelia a moeda. Nada feito. Pensando que o menino estava com os dias contados, finalmente dona Néra encontrou, em baixo de um travesseiro os 50 centavos que tanto tempo ela perdeu. Essa moeda, ela guardou bem guardada, dentro da mala, para nunca esquecer daquele ocorrido.
E assim, começou a viver José Magno, dando sustos em sua genitora e deixando o seu pai, João Álvares, inquieto com os lamentos de sua mulher. O tempo foi passando e o garoto crescendo. Quando chegou o ano de 1958, o seu pai, João Álvares, veio a falecer. Ele, nesse dia, estava em uma residência de familiares, para onde foi levado. Somente soube do ocorrido no dia seguinte, quando o seu irmão lhe chamou para ir ver o velho pai. Nesse instante, José chorou e desmaiou ao saber da noticia da morte de João. Essa foi a história dos primeiros anos de José, sua mãe, seu pai e seu irmão asmático. Outras histórias ainda houve nesse tempo.

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