sexta-feira, 30 de maio de 2008

RIBEIRA - IV



O garoto, agora, se sentia um homem. Afinal, todos lhe dariam importância pois não era sem tempo que ele largaria o tempo de verdadeiro boa-vida e passaria a ter uma obrigação na sua existência ainda tenra. Ele não sabia, ainda, trabalhar. Porém, com certeza, aprenderia. Sua mãe por bem lhe recomendava que não desobedecesse às ordens dadas pelo seu tio. E, certamente, ele, o garoto, não desobedeceria. Ele conheceria prédios como o do INPS, antiga Escola Doméstica de Natal, a praça Augusto Severo, o Teatro Alberto Maranhão, a Recebedoria de Rendas, enfim, o famoso Tabuleiro da Baiana que ficava ao largo do Coreto da pracinha ocupado pelos os notívagos da cidade. Esse era o seu caminho até o prédio d'A ORDEM, um jornal de orientação católica que igual aos outros matutinos da cidade era igualmente diário, localizado na rua Dr. Barata.

Para chegar até o local do escritório de José Leandro, se tinha que cruzar todo esse emaranhado de edifícios, como o da Radional, um prédio simples, mas de grande importância, pois era capaz de ligar Natal com qualquer capital do pais via rádio. A pessoa podia "falar" com alguém na outra parte do Brasil. As torres da Radional ficavam em um terreno totalmente desocupado, perto de onde fica o 7º BEC. Por seus transmissores a pessoa falava com quem quisesse ou precisasse. Aquilo era uma grande novidade para uma Cidade pequena como era Natal. Cidade de cerca de 30 mil habitantes. Esses prédios passaram a ser conhecidos pelo garoto.

A pracinha Augusto Severo, que tinha em um dos seus largos a estátua do homem que cruzou o céu de Paris em seu balão PAX, era quase esquecida. Um dia do ano a pracinha era lembrada pela Banda de Musica da Força Aérea, quando as autoridades locais, do Governador ao Prefeito, do Comandante da FAB aos familiares do patrono do PAX vinham depositar uma coroa de flores aos pés da estátua de Augusto Severo em memória ao seu grandioso feito, em céus de Paris, longe de sua terra natal. Após essa solenidade, tudo voltava ao esquecimento. O lodo tomava conta dos dois lados da praça. Lodo, fruto das chuvas caídas na Cidade e que enchiam o bairro da Ribeira de água fétida e borbulhenta quando mexida.

Logo cedo do dia o garoto já estava sentado no batente do portão de ferro do prédio que dava acesso ao primeiro andar do Edifício de A Ordem. Ele chegava às 7 horas da manhã e o seu tio só aparecia às 8,30, pois era seu costume tomar café pequeno na companhia de seus amigos, jogando conversa fora. O comércio abria às 7,30 e o garoto estava a observar todo aquele movimento de gente indo e voltando como se todos fossem umas formigas que entravam e saíam do seu formigueiro. Eram várias lojas existentes naquela rua, centro neuvragico da Capital. Ali encontrava-se de tudo para comprar. Sapatarias, lojas de discos, rádios, ferragens, tecidos, medicamentos, até mesmo objetos maiores e menores, para bem dizer. Uma casa de dinheiro, isso tinha: a Caixa Rural, onde as pessoas faziam empréstimos a preços bem mais baixos que os oferecidos pelos Bancos onde os juros eram elevados. O Diretor dessa Caixa era o dr. Ulisses de Góis, igualmente dono do jornal A ORDEM e dos prédios onde funcionavam a Caixa e o Jornal. Eram dois prédios, cada um de um andar acima do térreo. Na verdade, esses prédios não eram de dr Ulisses. Havia outros sócios. Mesmo assim, quem se sobressaia no meio de tudo era o dr. Ulisses de Góis. Ele era um homem calmo e profundamente religioso. Tanto é que mantinha uma Escola do Comércio que funcionava na Cidade Alta, no prédio vendido tempos depois a Dinarte de Medeiros Mariz, que construiu uma estação de rádio no local.

A Ribeira dos anos 50 era assim: cheia de vida. Vida diurna e vida noturna quando movimentava os seus bares e cabarés. Nesses locais, eram frequentadores a fina flor da sociedade natalense. Nas ruas como a Chile e a Frei Miguelinho, tinham seus cabarés. E esses locais que davam vida à noite natalense. Além dessas ruas, tinham a rua 15 de Novembro, a Ferreira Chaves e a Almino Afonso onde outrora habitavam familias de um certo luxo. Com o passar do tempo as familias se mudaram para outra parte da Cidade e as suas belas casas, algumas de dois andares, viveram os dias de gloria das prostitutas. Isso tudo era o começo que o garoto estava a descobrir.

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