sexta-feira, 30 de maio de 2008

RIBEIRA - III



No inicio de Janeiro de 1952, um dia de sexta-feira, por volta das 10 horas, Néra estava no Escritório do seu irmão, José Leandro, costumeiramente chamado por Zeca, para buscar a sua ajuda conforme ele havia prometido. Na ocasião, ela disse ao irmão que seria melhor conseguir um trabalho para o seu filho, pois ele acabara os estudos e já estava grande para não fazer nada. Zeca concordou com a sua irmão, ao ser perguntado se ele não conseguiria um trabalho qualquer para o jovem. Zeca disse a Néra que faria um bilhete para um homem que era gerente da firma M.Martins, pois sabia que o homem teria meios de conseguir algo para o garoto. Com isso, a mulher se deu por feliz pois Zeca era um homem de boas amizades no meio da Ribeira.

Tão logo ele escreveu o bilhete, entregou a Néra. Ela agradeceu por tudo, pela ajuda também, e seguiu direto para a firma dita por seu irmão. M.Martins ficava na esquina da Rua Frei Miguelinho com a rua Tavares de Lira. Em lá chegando procurou o gerente, seu Gusmão, um homem atarracado, cheio de maneiras cujo birô era pregado no chão, pois o homem tinha uns sustos que se sacudia todo. Era uma espécie de choque. Então, seu Gusmão atendeu a mulher e disse que ela voltasse na semana seguinte.

- Quando? - perguntou Néra.

- Quarta-feira. É isso! Na quarta! - respondeu o homem.

E a mulher agradeceu, saindo satisfeita e feliz com a resposta do homem cujo nome ela quase nem lembrava. Néra voltou ao escritório para contar o êxito do bilhete e Zéca ficou também feliz com o entusiasmo da irmã. Para bem dizer, Zeca era um homem de baixa estatura, gordo, muito gordo cuja pança se sobressaia. Usava uns óculos de grau, a camisa por dentro da calça, calçava uma espécie de sandálias e vestia uma calça de brim, escuro. Falava alto, quando queria, e tão baixo quando estava a segredar algo, de uma forma que a pessoa nem mesmo ouvia. Esse era o homem que naquele instante era o irmão de Néra. Por vezes, nos dias da crise da fome, ele visitou a irmã por duas ou tres vezes. Nessa ocasião perguntou também pelos os demais irmãos para saber se alguém esteve lá, como ele estava. Néra respondeu que Segundo esteve lá, em sua casa, Miguel, também e Justa, Alice, Nenem. Então, Zeca se deu por satisfeito.

Quando Néra foi no escritório do irmão, ele voltou a fazer as mesmas perguntas. E ela respondia que Nôza esteve em sua casa por várias vezes, quase todo dia. Segundo, era outro que também se fazia presente, disse Néra. Havia um desentendimento entre Zéca e Segundo, de modo que os dois não se falavam. É tanto que Néra a citar o nome desse irmão, fazia de uma forma tímida. Dizia, apenas:

- Segundo...... - voz de Néra

Para não molestar o seu irmão, Zeca. Esse ouvia e nada respondia.
Na quarta-feira da semana seguinte, Néra voltou ao escritório da firma M.Martins. Era de manhã de um dia claro e de muito movimento naquele bairro, o mais ativo da cidade. Havia gente fervilhando para um lado e para o outro. Gente com pacotes, outros fazendo compras em lojas por ali existentes, carros passando, trens fazendo o seu costumeiro roncar, bondes a tilintar como se tivesse a espantar toda aquela gente. O bairros era o único de maior movimento da cidade, pois o outro, o bairro do Alecrim ainda demorava a despontar como um verdadeiro algoz. Entretanto, no Alecrim se sentia a presença de lojas, farmácias, armazéns, bares, cinemas e uma quantidade imensa de recantos quem um dia faria frente ao bairro da Ribeira.
Quando o homem chegou a seu escritório, Néra se apresentou um tanto tímida. Gusmão não teve boas respostas. Pediu-lhe desculpas mas ainda não tinha nada a oferecer. Ao dizer tal coisa, Gusmão fazia uma cara feia, puxando o birô para cima dele, coisa que não acontecia. porque o móvel era pregado no solo. O homem dava chutes desordenados, como que tivesse arengando com o seu birô. Nada feito. Tudo em vão. Néra saiu dali e parou do escritório de Zeca para dar o seu desengano.
- Zeca, eu acho que aquele homem não vai conseguir nada. - falou Néra.
Com esse balde de água fria, o irmão pediu que o garoto voltasse no dia seguinte, pois ele colocaria alí, para aprender a trabalhar. Esse foi um santo remedio. Então, a mulher se sentiu arranjada, pois a palavra de Zeca era um tiro certeiro. E assim, o garoto começou a aprender a trabalhar, buscando café numa lanchonete próxima, varrendo e espanando o escritório e, em alguns dias, indo buscar as cartas que deviam estar na caixa-postal, com certeza. Para tal fim, o garoto precisaria de ajuda de Antônio Patrício, o Rapa-Coco. Esse era um homem que costumava beber e, de manhã já estava de ressaca da cachaça do dia anterior. Mesmo assim, ele era um serviçal e com Rapa-Coco o garoto aprendeu a dar os seus primeiros passos na vida.

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