sexta-feira, 23 de maio de 2008

O PROFESSOR

Era o ano de 1918, ano de formatura como professor dos alunos da Escola Normal de Natal. Um dos formandos era João Álvares de França, ainda bem moço, com seus 20 anos de vida. Foi uma alegria geral para todos os que colaram grau naquela época. Uma euforia generalizada do moças e rapazes, todos olhando para o seu futuro, esperando ser um professor ou professora que viesse dar o melhor de sua capacidade para as crianças do Rio Grande do Norte. O certo era que a cidade tinha pouco mais de 30 mil habitantes e se pensar no futuro era um ufanismo. O certo era que todos os que conseguiram se formar não pensavam em nada além de que ali estava o seu promissor futuro.
Tão logo recebeu o seu Diploma de Professor, João Álvares procurou a Secretaria de Educação do Estado para fazer a sua inscrição e esperar ser chamado para ocupar algum cargo como Professor. Não demorou muito tempo, uma vez que foi no ano seguinte, 1919, ele foi designado Inspector de Ensino, para ocupar uma Cadeira na cidade de Pau dos Ferros, distante da capital, lá para os confins do Rio Grande. Para se chegar lá demorava-se, por certo, certa de três dias ou mais. Porém, para o professor, isso não tinha importância. Ele já era um funcionário publico do Estado e tinha guardado o seu ordenado, com certeza. E assim, João Álvares começou a sua labuta que duraria por toda sua vida.
Inspector de Ensino, naquele tempo, era uma função que o Professor tinha uma graduada pontuação quando chegava a uma cidade o interior do Estado. Os "professores" da cidade, em sua maior parte, mulheres com um estudo aquém do Fundamental, ensinando o bê-a- e o 1 + 1 tinha no Inspector a maior galhardia pelo Mestre, que era tido como o Senhor Mestre Professor.
Para o Mestre nada era além do que um amor desprendido das alegres professoras, com certeza, por sua presença e nada mais. E assim, João Álvares perambulou do incertas cidades do distante sertão do Rio Grande, levando um pouco do seu saber para dar as "professorinhas" que mantinha o sacrifício de uma vida para alimentar a alma dos pequenos alunos que estavam ao seu dispor.
Já no ano de 1927, o Professor João Álvares teve que fazer uma viagem ao Rio de Janeiro, capital da República, onde foi buscar um poucos mais de conhecimento para alargar um seu currículo. Por lá esteve um certo tempo e quando voltou, foi recebido com festas, pelos seus amigos e parentes que lhe jogaram rosas e mais rosas no rio Potengi e pelo caminho que ele teria que fazer na sua volta a terra natal. Toda uma mocidade estava lá presente e quando ele desembarcou do Ita, navio de cabotagem que fazia o trajeto de Manaus a Porto Alegre, era uma festa de boas-vindas. Depois daquela festa, das perguntas mais insinuantes feitas por moças e rapazes, respondidas com galhardia e afagos de um rapaz que conheceu a Capital Federal, João Álvares se recolheu ao seu trabalho normal.
Um certo dia, ano de 1928,uma bela moça, cabelos loiros, pele clara, altura mediana, enfeitiçou o coração do jovem e audaz professor. Foi um namoro rápido e um casamento mais ainda. O professor se casou com Ramunda, uma alegre paraense. Porém,o destino lhe reservava uma triste surpresa. Com pouco tempo de casados, veio o destino e levou Raimunda. A cidade era pequena, naquele tempo, e o sepultamento se fez pelos braços de homens fortes, inclusive João Alvares, de uma casa na rua Camboim, próxima ao sitio do pai de João, até o Cemitério do Alecrim. Todavia, o tempo passou e João Álvares, voltara a vida de solteiro, agora com a alcunha de viúvo. A profissão de Inspetor de Ensino lhe valou uma colocação de Professor na Escola do Quartel da Policia Militar. Mesmo assim, além de ensinar aos militares tinha a função de seguir caminhando pelo interior do Estado.
Um caso aconteceu que voltou a mudar a vida de João Álvares: uma jovem de pele clara se enamorou do viúvo ao vê-lo chegar na Carpintaria de seu pai - Miguel Leandro, homem sobejamente rico - para encomendar o caixão no qual sepultara a sua primeira mulher - Raimunda Álvares -. Ele nem notou a presença da moça. Porém, com o tempo, cartas mandadas e trocadas, então, o Professor pediu a mão de sua futura esposa em casamento. Em 1933, João Alvares voltou a contrair núpicias com a bela senhorita, Reinéria, cujo nome era diminuido palos parentes que a tratavam de tão somente Nera. Com tres anos de casados, Nera perdeu o seu pai, vitimado por uma infecção intestinal.
Era o ano de 1935 quando o Bonde de Petrópolis descia até a praia de Areia Preta, terminando o percurso em um Café que tinha alí próximo, no alto da encosta, que João, junto com o seu amigo da policia, Tenente Severino - seu nome verdadeiro era Manoel Alves Freire - e a sua mulher, Maria do Carmo, prima de João Alvares, alugaram uma casa para o veraneio de fim de ano. Alí, o casal permaneceu durante todo o verão, indo as Festas religiosas que se celebravam na Catedral e na Igrejinha dos Santos Reis, dificil de se alcançar o caminho. Alí, os casais voltaram no ano seguinte interrompendo apenas em 1938, quando Do Carmo deu à luz a um filho, no dia 14 de dezembro. Nesse dia, nasceu Iaponam.
Quando irrompeu a Segunda Guerra Mundial, João Alvares conseguiu uma colocação no de Parnamirim. Notava-se o roncar dos aviões, indo e vindo do território da Africa, levando e trazendo soldados. Ali, hoje um pouco de tudo e João Alvares pode conhecer as celebridades do cinema americano até que chegou o fim da guerra. Nesse tempo, a cidade fervilhava de soldados americanos e as mocinhas de Natal só se interessava em saber de quem falasse ingles. Mesmo assim, o tempo passou. Foi um tempo de prantos para os que ficavam e os que partiam. Quando a paz voltou a reinar no seio do mundo, João Alvares retomou a sua faina diaria, ensinando no Quartel da Policia e sendo Inspetor de Ensino em cidades do interior.
A frustação que se abatia em João Alvares era não ter uma padaria. Mesmo assim, depois que se transferiu da rua Trairi para a rua Afonso Pena, ele ainda teve a intenção de fazer algo que se semelhasse a uma padaria. Com suas próprias mãos, construiu o forno de barro do quintal de sua casa, montou dois cilindros utilizando ferro roliço e cheio de cimento, mais umas outras peças, para começar a fazer pão em sua própria casa. Isso, porém, não deu certo. E João, em tanto triste com os seus inventos fracassados, lamentava-se. Certa vez, ele conversando com um dos seus dois filhos, disse: "Quando você crescer, vá ser nem que seja varredor do Banco do Brasil. Mas não queira ser empregado do governo" do Estado. Esse era um pensamento que o velho professor sempre nutria.
No ano de 1953, o Professor vendeu a casa da av. Afonso Pena e comprou outra, com um valor mais modesto, na rua João Olimpio. Ao contrári da outra moradia, a "nova" casa não tinha água encanada , nem luz elétrica. O Profossor fazia a caminhada, todas as noites, com uma lata de agua que ia buscar em um chafariz que existia um pouco, em baixo, no inicio da rua Tófilo Brandão, antigo dono de todos os terrenos existentes naquele enclave de terra. Quem quisesse construir sua casa, tinha que pagar uma mensalidade a dona Aline Brandão, herdeira de todas as terras. E o Professor também ez isso, que toda a gente do Alto do Juruá vinha fazendo. Com o passar do tempo, veio a luz elétrica. E o Professor pos luz em sua casa. Dapois, veio a água. Tudo estava completo.
Os anos se passaram. Depois de uma luta ingloria em conseguir uma patente de Tenente da Policia, um dia, em 1955, João Alvares chegou em sua casa e se entou em um sofá de vime, onde adormeceu. Essa luta, ele já vinha fazendo há vários anos, sem nada conseguir. O que tinha como provento era um salário minimo, muitas vezes vindo com atraso de tres meses. Na casa, não raro, não tinha café. Almoço? Nem falar. No ano de 1948, ainda quando ele morava na rua Afonso Pena, teve vez dele ir buscar cinco latas de Leite Ninho, e vender, a preço mais barato, num local do Mercado Publico. Com esse dinheiro, ele então comprava carne de segunda e outras bugigangas. Quando João vendeu a sua casa, no Tirol, foi para pagar a quem devia. E depois disso, ja em Petrópolis - no Alto do Juruá - o negócio voltou a acontecer.
Em 1955/56 ele sofreu de uma fraqueza geral. Levou-se a interná-lo no Manicomio, onde dali, João Alvares, um dia escapou, depois de uma noticia dada pelo meio do professorado, que o homem havia morrido. Era um alarme falso. Depois desse trauma, quando ele chegou em casa, dizendo, apenas: "Cheguei", para o assombro de sua mulher - Néra - os moradores das casas próximas facharam as portas: - "Seu João chegou!!!". " Chegou o homem que está doido!!!", diziam uns e outros. Mesmo assim, João Alvares não era doido. Sofria apenas de uma frqueza geral pela falta de alimento. Até 1958 , quando João Álvares de França faleceu, do dia 29 de março, seu nome ficou "esquecido". O minguado salario-minimo foi o que deixou como herança para sua esposa, Reinéria Leandro Álvares. Um salario qua a viuva veio a receber tres meses depois, quando tudo o que ele devia na Cooperativa das Funcionários Publicos, foi arrecadado para cobrir o débito. Daí, então, dona Néra, com esse minguado dinheiro e parte do que seus filhos lhe davam, passou a viver.

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