terça-feira, 2 de novembro de 2010

AMANTES - 16 -

- Flavia Alessandra -
- 16 -

A mulher, Luiza, irmã de Diomedes, puxou dois tamboretes, um para cada qual dos dois conhecidos de Molambo e pôs para ambos sentarem enquanto ela ficou de pé, escorada na meia-porta, segurando com uma das mãos a porta e a outra mão levantada até ao queixo. Um pé levantado até a outra perna formando um: “quatro”. Ela estava de vestido solto, comprido que encobria o joelho, a blusa de boa qualidade, com certeza fora dada por alguém, pois já era gasta. A mulher olhava para dentro da casa, vendo a mãe Maria e, ao mesmo tempo, olhava para a praia, vendo o mar distante. Era seu costume ficar desse jeito. Os tamboretes eram velhos, porém permitia ao casal se sentar. Os meninos, alguns saíram da frente da casa enquanto que outros permaneciam por perto olhando o casal como se fosse coisa de outro mundo. Três ou quatro garotos verificavam o automóvel, olhando tudo que pediam olhar, na frente do veículo, parte do motorista. Uma peste de mosca fazia o desassossego da meninada e partia para dentro da choupana fazendo o mesmo com o casal. Aquelas eram as moscas do tempo da fartura no mar. No tempo de baixa pescaria, elas jamais estavam no seu costume com estava fazendo naquele instante.

--- Se abanque, por favor. – falou a mulher Luiza ao casal de visitantes.

--- Obrigado. – respondeu Silas do mesmo modo como fez a sua esposa.

Na rua, um ébrio passava para o baixo onde estava situada a bodega, com certeza para beber ainda mais. Luiza olhou para o ébrio como se nunca tinha visto tal figura. Então cuspiu de lado. O casal, sentado como a praxe os mandava, começou a conversar de assuntos que a mulher entendia. Silas indagou se a mulher já esteve na capital e ela respondeu que quase sempre estava pela cidade. Já fazia umas poucas de vezes que Luiza deixara de viajar, mais por conta do seu irmão, Diomedes. Não fora isso, ela estaria na capital. Provavelmente. Quando estava na cidade sempre visitava a residência dos compadres. Era assim que Luiza chamava a gente rica da cidade.

--- Quantos irmãos a senhora têm? – indagou Silas a Luiza.

--- Agora só tenho ele. Os outros já morreram. Minha mãe teve nove filhos. – falou a mulher.

--- Nove??? – indagou assustada Vera com a conta da mulher.

--- E dois abortos. – replicou Luiza com a cara trancada vendo o carro que estava fora e os meninos apenas a olhar.

--- Meu Deus do Céu. Onze filhos? – indagou Vera surpresa até demais.

--- Ora está. Tem uma mulher aqui perto que teve vinte e um filhos. Escaparam dezesseis. – relatou Luiza de forma simples e bem a seu modo.

--- Nossa Senhora!!! Vinte e um??? – espantou-se Vera com tamanha prole.

--- Porque o marido morreu. Senão tinha mais! – falou Luiza de forma displicente.

--- Também tinha que morrer. Desse jeito. .... – gargalhou Vera.

--- Mas ele morreu no mar. A jangada que ele estava bateu em um navio. Ou o navio bateu na jangada. Uma coisa assim. – cuspiu Luiza para o lado e chamou os meninos para dentro de casa.

--- Aqui a vida é rude. Se os senhores andar mais um pouco vão encontrar estórias mais assombrosas. – explicou a mulher gritando para a meninada deixar o carro.

--- E o seu irmão esteve doente? – indagou Silas a mulher.

--- Sempre ele está. Isso é velho. Desde o tempo do casamento. – respondeu a mulher.

--- E ele casou? – perguntou Silas começando a forçar a mulher dize algo.

--- Não. Ele estava de casamento marcado. Tudo arrumado. Quando a noiva pisou no altar veio um triste e matou Cila, a pobre moça. – relatou Luiza sem espanto.

--- Nossa Senhora!!! No meio de toda a gente? – indagou Vera assombrada.

--- Ora mais! O povo pegou o danado e fê-lo vomitar as tripas. As tripas mesmo. Não é brincadeira não. Mataram o desgraçado. Ainda hoje o povo se lembra disso. Ele era doido por Cila. E ela no queria ele. Ela namorou Diomedes desde criança. Os dois queriam casar, não fosse o desgraçado do Macedo. Ele ainda tem irmão aqui. Um passou ainda agorinha. Bêbado que só ele. – resmungou a mulher Luiza.

Uma voz de interior da casa se ouviu a perguntar:

--- Tu inda estás falando nesse caso, mulher? – era a voz de Maria mãe de Luiza.

--- Eu falo. E conto pra todo mundo. Pois essa foi à verdade. – replicou a mulher em direção da rede onde estava a anciã.

--- Tem dó, mulher. Isso já faz tempo! – revolveu a anciã.

--- Pra mim foi ontem. – respondeu Luiza.

--- Deus me ajude. Nossa Senhora. Mas que mulher!!! Diabo te carregue!!! – respondeu a anciã da outra parte da casa.

--- Ela é doida. Não sabe o que diz. – falou Luiza para o casal amigo.

De outro canto da casa, um quarto apertado, uma voz.

--- Mãe, Cila ta aqui! – resmungou a voz de Diomedes para dentro da casa.

--- Vai dormir o teu sono que já é de noite. – respondeu a anciã para o filho.

--- Mas ela me pergunta quando é que eu vou! Tão bonita! De vestido branco igual ao que eu guardo. – falou Molambo do seu catre.

--- Vai dormir homem. Deixa a alma dela em paz. – resmungou dona Maria.

--- Só ele vê a alma de Cila. – falou a mulher Luiza, baixinho aos visitantes.

E então Silas ficou a meditar. O homem, Molambo, já estava acordado. Então, Silas preferiu perguntar à irmã, Luiza, se não poderia falar com ele naquele momento. A mulher ficou meio desatenta e logo prognosticou: seria melhor Luiza ir até o quarto para avisar a Diomedes que estavam lá foram duas pessoas para falar como ele. Era uma visita, apenas. Silas concordou com o que disse Luiza. Afinal ele estava em uma morada alheia. A mulher saiu e foi ao quarto. Por lá ficou uns três minutos e rapidamente voltou. A cara de Luiza nem era triste e nem alegre o, com certeza fez ver ao irmão que estava ali fora, na sala, os dois visitantes. O tempo era de muito calor. Porém, a brisa soprava do mar trazendo uma fresca agradável. Na sala da choupana era um amontoado de tudo o que se podia enxergar: rede de malha – com certeza do pescador bêbado – samburá, cordões de pesca, cavaletes e mais um sem numero de petrechos. Por certo, o homem levava para a praia quando estava disposto a pescar. Uns garotos de quase maior idade, também aproveitavam aqueles montões de material para fazer a sua pesca, talvez no rio que passava próximo e desaguava no mar.

Quando Silas e sua mulher Vera chegaram à porta do quarto já encontraram Diomedes se aprontando para ir até a sala. O Silas disse ao homem que não se apressasse, pois era apenas uma visita passageira. O velho respondeu que ele mesmo já teria que sair, pois a medicação já fizera efeito e ele então estava tranqüilo. Silas sorriu. De qualquer forma, os três vieram para fora do quarto e passaram a conversar. Em certo instante da conversa, tocou-se no caso da noiva. Diomedes declarou que a virgem estava ali ao seu lado. Vera desconfiou da pretensão do velho ao pronunciar tal caso.

--- Mas ela está aqui? – indagou Vera de sobressalto.

--- Está até olhando para a senhora! Não esta vendo ela a sorrir? – indagou o velho Molambo.

Um suor frio desceu pelas costas da mulher quando Molambo declarou que a moça estava olhando e sorrindo para ela. Isso porque nada vira de assombro na face do velho. Vera Muniz se agüentou e pegou no braço do marido como para pedir amparo.

--- Ele tá vendo nada! É conversa dele! Pois!!! – reprovou a irmã do velho, dona Luiza.

O rapaz, Silas, também sentiu um calafrio nas costas e então procurou mudar de assunto. Mesmo assim, Molambo insistia em que a sua noiva pedia que o rapaz tivesse sossego, pois não havia mal em ela estar olhando para o casal. Apenas teria a dizer que o mundo era bastante curta e muita gente que Silas conheceu também estava com ela naquele instante. Com isso, a esposa de Silas se desesperou ainda mais ao ponto de chamar o seu marido para sair da casa que, na certa, era assombrada.

--- Espere Vera. Estou me acostumando com esse mau assombro. – tranqüilizou o marido de Vera de qualquer forma.

O velho Molambo sorriu e a sua Irma torceu a cara, ao dizer:

--- Mais basta! – falou Luiza cuspindo de lado.

--- O senhor já esteve em algum centro espírita? – indagou Silas a Molambo.

--- Nunca! – respondeu Molambo.

 

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