segunda-feira, 15 de novembro de 2010

AMANTES - 29 -

- Graziella Schmitt -
- 29 -

Na noite daquela segunda-feira, o Centro Espírita estava repleto de gente como era costume de todas as semanas. Algumas pessoas estavam para ver apenas as pessoas “enfermas” sob “encosto” de algum espírito da escuridão e outras apenas para namorar do lado de fora do Centro, com era um eterno costume dos que freqüentavam as sessões mediúnicas. Com certeza, tais namorados nem sabiam que, por detrás deles, havia um “espírito” do escuro a atormentar ao casal que, não raro, um dia chegava para ser tratado com os passes mediúnicos, pois o tormento já lhe acabava o sentido. Era um caso bastante normal para o médium ouvir e ver os espíritos, até mesmo do resgate de espíritos sofredores. Em certas ocasiões o médium era colocado em contato com as entidades médicas do plano espiritual. Então, o médium com os enfermos possibilitava o atendimento do campo espiritual. O trabalho de tratamento de obsessões era feito da mesma forma com a ajuda dos espíritos protetores. E nesse ponto é que os enfermos do corpo e da alma procuravam assistência.

Após a abertura e a preleção de um devido médium que contava casos de pessoas enfermas que foram curadas de seus males, era dado o início da parte seguinte. Na segunda parte todas as portas e janelas que davam para a rua eram fechadas. As lâmpadas também eram desligadas e apenas ficavam funcionando os ventiladores para arrefecer o calor reinante no Centro. Todos os que estavam para ser atendidos com brevidade, eram levados pelos seus acompanhantes. Em alguns casos, estava um médium para ajudar a criatura a andar, pois não raro os deficientes de locomoção eram os que ainda mais precisavam de auxilio. Entre os participantes era sempre fácil notar a presença de alguém que se obsedava no meio de tanta gente carente de auxilio e proteção. Então era a vez dos espíritos protetores por intermédio de um médium acudir aquele espírito infeliz. Assim, era a vez desses espíritos serem afastados e recolhidos a hospitais espirituais.

Naquela segunda-feira uma mulher se manifestou no meio do repleto salão. Estava ali um espírito infeliz. Ele queria ir a desforra com a enferma espiritual. E acuava a enferma de ter largado o seu filho, que era ele, quando mais necessitava de vir ao mundo dos vivos. Era um filho da mulher que abortara aquela criatura por circunstancias alheias a sua vontade. O espírito infeliz reprovava a ação de sua “mãe” por tê-lo esquecido ainda no ventre, quando o espírito contava apenas dois meses de idade de fecundação. Era um caso alarmante aquele que se estava a notar. Com tamanha força, a mulher se sacudia em todas as direções e não tinha ser vivente que pudesse segurá-la. Era a primeira vez que a mulher chegava ao Centro por orientação de alguns familiares. O feto foi retirado quando a mulher de seus vinte e cinco anos contava apenas com seus dezesseis anos. Já fazia muito tempo. Desde certa época a mulher vinha tendo alucinações e sem saber a razão daqueles distúrbios constantes. Ela já havia sido tratada por médicos e de nada rendia os medicamentos que ela ingeria. Por mais forte que fosse a dosagem, a mulher teria forças quando passava o efeito da medicação para tentar qualquer coisa. Certa vez, a mulher chegou a ser retirada a ponte de onde tentaria se afogar no rio abaixo. Na certa, era constante desespero para ela e seus familiares. Certa vez, a mulher quando ainda era uma mocinha de dezesseis anos, obrigada por sua mãe, retirou o filho da barriga. A sua mãe não aceitava aquela gravidez. E o pai da criança tinha sumido. Com isso, veio o desespero a partir dos seus vinte e dois anos de idade sem que ela soubesse o tinha ocorrido.

Quando foi ao Centro, a mulher entrou em convulsão e desespero. O espírito do seu provável filho queria trucidar a sua mãe a qualquer jeito e de qualquer forma. Às vezes chorava como um bebê recém-nascido, às vezes era um homem capaz de ser alucinado. Outras vezes ele era constantemente dorminhoco. De outras, se debatia como se quisesse abater a sua própria mãe. E foi assim que, naquela noite ele se mostrou capaz. Aos gritos de:

--- Assassina! Assassina! Você me tirou a vida! Mulher vil! Eu necessito viver! Assassina! – era o grito do homem, rapaz ou menino.

Os médiuns se uniram em prece enquanto “Paredão” e “Pescador” acorreram em socorro da mulher verdadeiramente endemoniado. Eles não sabiam de nada o que se passara com aquela mulher. Somente vieram, a saber, tempos depois. Com toda força que lhes cabiam os dois homens tentaram trazer a mulher para o local de passes aos sofridos sem ao menos ter a paciência de clamar por seus espíritos protetores. Porém esses estavam presentes de qualquer forma. A mulher se debatia com imensa força e não foi sem jeito que os médiuns a colocaram em uma cadeira para receber passes e doutrinar o espírito. O espírito doente era por demais perturbador. A manifestação no perispírito logrou êxito e o espírito infeliz teve sua paz reconfortante por meio dos espíritos protetores. Até o espírito do médico Hermógenes estava presente nessa sessão de desobsessão. A mulher teve um tratamento demorado de oito sessões e continuou a freqüentar regularmente o Centro Espírita.

Em depoimento posterior o médium “Paredão” ficou sabendo da gravidade que havia tido a mulher quando era menor de idade. Outros casos foram registrados nessa segunda-feira, porém de menor gravidade. Um era de um rapaz que já freqüentava a sessão há vários tempos e sempre que voltava tinha um espírito obsessor ao seu lado. Para Molambo, este caso foi o mais grave que já se registrara na sessão do Centro. Com certo tempo de freqüência, Molambo já podia sentir as vibrações de espíritos maus e, ao lado de Racilva, os retirava de imediato. Quando estava sozinho com Vera Muniz e Silas Albuquerque, ambos já casados de há muito, ele sempre recordava o que havia passado no Centro. E dessa segunda-feira em diante, o velho se tornou mais adepto das conversas com “Paredão” e de casos que ele nunca ouvira falar, como de certa vez, um bêbado que morreu na calçada de um próprio estadual e veio despertar anos depois. “Paredão” contou-lhe esse caso como outros que tivera de ver como suicídios e assassinatos.

Vera Muniz estava grávida já há seis meses. Quando, certa vez, ela e o seu marido resolveram passar o domingo na praia do vilarejo dos Coqueiros, ela teve a paciência de arrumar tudo direito dentro do carro de Silas. O velho Diomedes tinha ido no sábado para ver o andamento das obras de sua casa. Ele arrumara uma casa para a anciã Maria, sua filha e filhas de Luiza, bem como netos em uma casa mais menos regular enquanto se ajeitava a nova residência de dona Maria no antigo terreno onde já era construída a primeira casa, uma tapera de duas águas, quase a cair de tão velha que estava. A nova construção seguia a tempo rápido. O velho verificava todo o fim de semana quando então pagava aos trabalhadores: um mestre de obras que era pedreiro, carpinteiro, eletricista e tudo mais, e mais dois auxiliares. Esse dois era um fazendo massa e outro carregando. Às vezes, o que ajudava o auxiliar no fazer da massa, também ajudava o mestre na construção da nova casa. E desse jeito a obra seria construída no prazo de três meses com a entrega da chave.

Na ocasião em que Silas e a sua esposa chegaram aos Coqueiros, à praia, estava Diomedes a verificar as paredes da nobre e nova casa. Não era um casarão. Era apenas uma casa para que dona Maria tivesse um lar mais apropriado para residir. A anciã vivia em outro domicilio e reclama horrores de sua nova moradia. Ela não acertava nunca com o banheiro. Sua filha tinha que levá-la para que a anciã cumprisse as suas necessidades. Por um tempo, dona Maria arranjou uma tipóia que ela aprontava no armador da casa pobre e por lá dormia sossegada. O interessante é que, quando a anciã queria deitar na rede, chamava a sua filha e dizia:

--- Me arrume a “hamaca”! – reclamava a anciã com a voz retorcida.

--- Ô mãe! A senhora também! Tá aí. Pronto! – respondia a sua filha Luiza a mau querer.

Vera, por tempo, ficava na casa de dona Maria. Silas, por seu turno, debatia com o velho Diomedes o que podia ter melhor para ser feito na nova casa onde ele poria a sua mãe para residir. E assim, passava o tempo. Em certa vez, o jovem indagou de Diomedes quanto valeria uma casa a beira mar naquela praia distante de qualquer lugar. O velho coçou a cabeça, puxou a barba que não mais existia e, afinal, declarou que, naquela praia ninguém comprava ou vendia coisa alguma. Alí era uma praia de ninguém. E de todo mundo. Com certeza.

--- O senhor tem interesse nessa praia? – indagou o velho.

--- É. Aqui é bom de passar fim de semana. Apenas o mar quando enche, põe água dentro das casas. Não fora isso, é um bom lugar pra se viver. – comentou Silas a passar a mão também a sua cara limpa.

--- Tem um moço, ali, que ele queria vender sua tapera. Acontece que ninguém tem dinheiro para comprar. Ele luta com jangadas. É a única saída que tem para essas bandas. Jangada! – reclamou o velho Diomedes.

--- Ele quer vender por quanto? – indagou Silas com mais cuidado.

--- Não sei. Dois mil, eu acho. – consertou o velho Molambo.

--- E onde está esse homem? – perguntou Silas um pouco interessado.

--- Não sei. Se ele não estiver no mar, deve estar bêbado. – sorriu o velho

--- Bêbado? – olhou apressado o jovem senhor.

--- É. É o que se faz aqui. Ou bêbado, ou pescando. – sorriu Molambo esfregando o chão da casa com o pé.

E foi assim que o negócio começou para Silas. Uma casa na praia. Não raro faltava água nos Coqueiros. A luz, ou era elétrica ou era de candeeiro. As portas, nem precisava fechar. Dormia- se mesmo de porta aberta. E montar um negocia era a coisa mais fácil do mundo. Apenas se arranjada uns trocados e se comprava uma jangada. Com isso, ganhava-se dinheiro como nem se sabia. Duas jangadas. Três ou quatro. Era o negócio da China. Quando acabar montava-se um armazém para vender fiado. E assim, o pescador comprava tudo o que precisasse. O fim do mês nada lhe restava. Ou restavam uns poucos miúdos. Era mesmo um negócio da China.

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