sábado, 13 de novembro de 2010

AMANTES - 27 -

- Tânia Khalil -
- 27 -
Após tantas lágrimas Diomedes, o velho, sacudiu para o alto a sua mãe a qual já podia ver melhor o filho seu onde há muito tempo viveu como um pobre de Jó. O homem rodopiou com a anciã Maria por todos os recantos da saleta escura. Ele olhava com sinais de filho carinhoso a sua mãe parecendo menina. Ao assumir as alturas das telhas da choupana a anciã reclamava o cuidado que Diomedes deveria ter para não deixá-la cair ao solo. E sorria ao ver o filho do seu mais alto universo como uma vez tivera essa mesma impressão de que ali estava uma criatura humilde em forma de criança. E dançaram, e dançaram em redondilhas como se fossem duas afetuosas e ébrias crianças benfazejas. Assim, os demais também bailaram ao som de um acordeom inexistente orquestrado por um maestro primoroso e deslumbrado. Ao final da comovente e emocionante dança ravelesca os pares se juntaram em doce riso confrangedor. Os anjos e arcanjos do além glorificaram ao Deus da primavera.

Tantos beijos e carinhos, sorrisos e fraternidades, Diomedes relatou com esmero sobre a viagem que acabara de fazer a Roma, Cidade Eterna, e a visita que fez, junto com os seus chefes, Silas e Vera, a Basílica de São Pedro, o apóstolo, a peregrinação e visitas as catacumbas e a outros importantes locais de Roma e de Veneza. Tudo o que Diomedes contava era visto com carinho por dona Maria, a sua mãe, e Luiza, a sua irmã, além das sobrinhas do homem. Para os que estavam sempre a aprender algo, esse testemunho era o mais feliz de todos. Ele falou de Nossa Senhora, para orgulho de dona Maria. A anciã vertia lágrimas nos olhos e nem ao menos talvez tivesse o prazer de dizer:

--- “AH. Um dia eu também vou ver o Santo Padre” – quem sabe dissesse a anciã.

A anciã Maria não era mais capaz de sonhar com essas aventuras que o filho tivera o prazer de, mesmo com certa idade, fazer a Terra Santa onde estariam sepultados aqueles que foram do tempo de Jesus. Era esse o pensamento de todos os presentes aquela reunião familiar. E para os muitos que estava a testemunhar aquelas façanhas do velho Diomedes, era tão difícil acreditar, pois como o homem da costa brasileira, uma vila perdida no fim do mundo fosse capaz de se meter em tamanha aventura! Um dia talvez fosse bem pouco ou quase nada para o velho relatar tudo o que viu e o que fez. Nesse ponto, atrapalhando a conversa, Silas disse que teria que ir um pouco mais distante com a sua esposa, pois tinham locais que ele então não conhecia em sua terra.

--- Pode seguir patrão. Eu fico aqui com a minha mãe. – respondeu o velho Molambo.

E os dois destemidos andarilhos seguiram a frente em busca de novas aventuras. Quem sabe uma praia esquisita e distante onde não havia viva alma para atrapalhar um recanto de amor ao sol da primavera. O tempo era de estio e nada mais seria possível ocorrer ou acontecer àqueles amantes das quimeras infantis que, certa vez, um dia, então fizeram. Na encosta do morro, os cajueiros nordestinos a fazer sombra ao sol da manhã de verão. Andar ao leu era o prazer de dois amantes onde se banhavam na praia ao longe de olhares inquietos e belicosos. Ao longe, uma vela panda indicava a presença ao longe de uma jangada a singrar o mar bravio e hostil onde os nautas pescadores velejavam ao redemoinho da ventania. Ondas brilhantes e arrepiantes se espatifavam nas pedras ao quebra-mar a desvencilhar na plena areia da praia.

--- Vamos ter que almoçar no recanto onde só se serve peixe. – falou Silas ao findar o que fora então fazer.

--- Eu tenho almoço na bandeja. Nem é preciso. – respondeu Vera a sorrir.

--- Ah bom. Assim se economiza. – relatou o jovem amante.

--- E seria bom ter que nos lavar! – sorriu Vera ao tentar sair da praia para seguir até ao auto.

O rapaz sorriu ao saber que tal providencia era dita para ele. Então correu para mergulhar e voltou com pressa, pois a barriga não mais esperava: frutas, peixe, verduras, um pouco de feijão verde, arroz, macarrão, molho, salada, maioneses. Era tudo o que podia Vera fazer para saborear a dois. Colheres, garfos, facas e mais ocorrências tudo isso posto sobre uma toalha de renda. A comida tinha vindo em uma vasilha de plástico toda ela acondicionada. Além do almoço salutar, tinha o vinho. E Silas podia escolher entre o doce e o seco. O certo é que depois de saborear toda a comida e a bebida só restou a vontade de dormir. E foi isso que ele fez com sua armação a sombra do cajueiro e ao lado do veiculo onde horas depois estava infestado de formigas e moscas.

De volta ao apartamento, Silas, Vera e Diomedes conversavam sobre o dia que passou. Diomedes ventilou um pouco do que estava a pretender executar com a construção de uma nova casa para a família no mesmo local em que estava a outra tapera. Silas, por efeito da bebida durante o almoço estava com uma forte flatulência e, pelo caminho, dirigindo seu veículo, vez por outra ele soltava gases de cheiro fétido. A sua mulher era a que não agüentava mais. Vera baixou os vidros das janelas do carro e passou a descompor o marido em grossos modos. Enquanto isso Silas se melindrava todo e punha a culpa no vinho:

--- Foi o vinho mulher. Foi o vinho. – dizia Silas a morrer de achar graça.

--- Que vinho que nada! Você está é podre! Ave! Não tem quem agüente! – reclamava Vera a todo custo.

--- Quer ver? – dizia Silas ao tempo que outra flatulência estava por vir.

--- Nem vem com essa podridão. Eu salto do carro agora! – reclamava Vera aborrecida.

E outro flato soltava o homem para o desespero da sua mulher.

--- Podre! Cachorro podre! Tapa as ventas Diomedes. Tapa! Esse homem está podre! – reclama a todo instante e a cada flato do marido. Vera Muniz punha a cabeça para o lado de fora do carro para amenizar o fedor que emanava de Silas.

E Silas caía na gargalhada dizendo que a mulher também soltava flatos.

--- E quem cheira? E quem cheira? – gargalhou Silas sem contemplação.

E Vera veio a forra:

--- Vai pra merda! Eu sou tu? – respondeu zangada a mulher como bucho por acolá.

Quando o carro estacionou na garagem do edifício, Vera Muniz abriu a porta e saltou com pressa estabanada, dizendo as mil e uma pragas contra o seu amante. O homem nem reagiu pôs era tamanha graça que restava de vez que Silas apenas gargalhava a ponto de cair sobre a boléia do automóvel completamente extasiado. O velho Molambo ficou a espera de Silas também a fazer risos e a mulher Vera correu depressa para o elevador. As crianças ainda brincavam no playground do edifício, acompanhados das governantas e mães. E Vera nem notou a presença dos desaforados meninos. E se notou, não deu nem contemplação. Ela queria era se livrar de tamanha flatulência do marido.

Ao chegar a porta do elevador, Vera, de vez, entrou e marcou o número de seu andar. O ascensor demorou cinco ou dez segundos para chegar ao décimo andar onde ela ali saltava. Foram os cinco ou dez segundos mais clamorosos da vida de Vera Muniz. A mulher tinha toda a raiva do mundo por ter que suportar por toda a viagem aqueles flatos do esposo. Não dizia nada, mas pela feição de Vera a raiva era a maior do mundo. Quando o ascensor parou no décimo andar ela saiu e caminhou um pouco para destrancar a porta do seu apartamento. E fez o que havia de fazer. Ao entrar no apartamento notou tamanho estrago feito por todo o canto da sala. Ela ainda teve tempo de verificar as portas. E estavam todas fechadas. Apenas o estrago na estante, livros espalhados pelo chão, alguns de folhas abertas, a mesa estava toda desarrumada com os objetos e enfeites por ela deixados completamente esparramados de qualquer forma. As janelas que davam para fora, todas trancadas como Vera deixara. Mas o vendaval era apenas nos utensílios domésticos, nos livros, na estante, no balcão. Em tudo por ele teria que passar. Com um brutal pavor, Vera andou alguns passos até a porta do quarto de dormir. Chegando a porta, abriu para ver se havia algum estrago. Então, foi a pior desgraça que Vera pode observar. Colchões, cobertores, travesseiros: tudo isso puxado. Era uma verdadeira tragédia. E a mulher não se conteve e gritou o mais alto possível. Gritava e gritava a procura de um ladrão que estivera naquele recinto para roubar alguma coisa. Ela correu até o cofre. Esse estava intacto. Não fora mexido. E a mulher gritou aos bravos temores alarmando até mesmo os moradores dos andares de cima e de baixo.

Nesse momento, entra Silas e o velho Molambo, com muito cuidado temendo o que eles encontraram esparramado pelo chão. Silas esperou a volta do ascensor e tomou de volta para chegar ao seu apartamento. Nesse momento que parecia de paz, ele teve de encontrar um tormento. E indagou a mulher que estava aos gritos a dizer:

--- Ladrão! É um roubo! Ladrão! – gritava a mulher desesperada com o tinha ocorrido durante sua ausência do apartamento.

O velho Molambo abriu devagar a porta que dava para o banheiro e por lá não havia nada que se reclamasse. Tão logo o velho Molambo verificou os livros esparramados pelo chão. Também não notou nada que pudesse indicar ser um homem a procura de alguma coisa. O caso da mesa era outro destino. E o quarto desarrumado também. Em nada o velho encontrava sinal de roubo ou de invasão. Foi então que o velho declarou:

--- Só pode ser espírito inquieto! – falou o velho Diomedes com muito receio do que vira no apartamento naquela hora da tarde e noite.

Vera Muniz tremia de medo do que estava a olhar de modo espantado.

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