terça-feira, 9 de novembro de 2010

AMANTES - 23 -

- Juliana Paes -
- 23 -
Certa vez, Racilva Pontes estava com o seu automóvel estacionado em uma bomba de reabastecimento de combustível por volta das nove horas da manhã. A moça deixava o tempo passar esperando tão somente o bombeiro chegar com a fatura para ser paga. Racilva olhava para o céu, onde via uma revoada de pombos passando ao largo. De imediato ela avistou também um rapaz. Ele estava naquele local a esperar para abastecer o seu carro. Não olhava para Racilva porque estava de lado. O seu nome era Hugo, um velho colega de escola onde Racilva estudara a primeira série. Esse tempo já passara e Racilva, nunca mais, desde que terminara os estudos naquele Grupo, avistara Hugo. Certa ocasião alguém lhe falou dos velhos colegas de escola e nessa ocasião lembrou o nome de Hugo não sabia de que. Na verdade, Racilva pouco se lembrava do garoto a não ser pelo seu costume de catar catota do nariz e passar na carteira. E a garota sempre dizia em voz baixa com o rosto repugnado.

--- Bruto! Covarde! Néscio! Chega dá nojo! – argumentava Racilva de seu canto onde estava.

E por aí seguia a aula com Hugo sentado a duas cadeiras à frente na outra fileira, e Racilva logo atrás. E daquela vez que estava no posto de gasolina ela se lembrou de imediato de Hugo, pois avistara um lenço de cor branca saindo do bolso traseiro da sua calça e Racilva de imediato pensou nas célebres catotas. Ela fez um ar de repugnância e ao mesmo tempo sorriu, pois o jovem ainda devia comer catotas. Ou, pelo menos, passar em sua mesa de trabalho. E ninguém duvide se no carro do rapaz não tivesse um mundo de catotas também. Foi então que Racilva sorriu com um lenço branco de filó em sua boca para não demonstrar o seu preconceito com as catotas do rapaz.

Logo que abasteceu o seu carro, o rapaz entrou e fechou a porta sem esquecer o lenço ao passar pelo nariz e deixá-lo pregando na boca. A moça sorriu a valer pondo-se abaixada para que ninguém visse que estava a sorrir. E então ela fez o igual comentário desabonador de quando era escolar:

--- Néscio! – comentou Racilva a sorrir.

E sorriu a vontade. Apesar de não sorrir em horas que não estava tão disposta por sinal, Racilva não teve outra contemplação a não ser a de dar uma bela risada a valer. Com um poço veio o homem que abastecia o seu automóvel entregar-lhe a nota da despesa. E Racilva voltou a achar graça por quanto o bolso traseiro do bombeiro estava cheio de bucha, com certeza para também assuar o nariz ou outra coisa qualquer. Por fim, a moça deu de marcha no seu automóvel e no sinal de transito à frente ela teve que brecar enquanto abria para que ela seguisse. Foi nesse ponto que ela, olhando de lado, viu a figura de Hugo no seu carro, com o lenço preso à boca e roncando a bessa como quem queria escarrar. E Racilva comentou outra vez por se encontrar com Hugo, colega de estudo:

--- Não é possível! Até aqui ele está? Ah vadio! Esse homem não passa de um néscio mesmo! – gargalhou a moça com toda a sua franqueza.

Desse ponto em diante o rapaz, quando abriu o sinal, dobrou por uma rua à direita e Racilva seguiu em frente a sorrir constante. Certamente ela teria boas lembranças para recordar naquela manhã a sua colega de aula Vera Muniz.

No mesmo instante em que chegou ao seu escritório, Racilva deixou em cima do birô os seus documentos e caminhou depressa para o gabinete de Vera Muniz onde pretendia contar todo aquele imprevisto, coisa que há um bom tempo não teria para dizer. E foi assim que começou a conversa:

--- Sabe quem é Hugo? – perguntou Racilva a Vera.

A mulher meio desligada e se acostumando com o seu quarto mês de gravidez, respondeu:

--- Não! Quem é? – respondeu Vera.

--- Mulher! Aquele que comia catota na escola! – replicou alarmada Racilva.

--- Hugo? E o que é que tem ele? – indagou Vera Muniz alheia aos comentários de Racilva.

--- Não é possível que você não se lembre de Hugo. Era baixo, entroncado, amarelo que nem um cadáver. Ele sentava duas carteiras à frente da que eu sentava. – reprovou a Racilva o desconhecimento de Vera.

--- Parece que me lembro. Vamos! O que tem ele? – indagou Vera inquieta.

--- Nada de mais. É que eu encontrei o néscio há pouco quando eu estava abastecendo o meu automóvel. Ele é do mesmo jeito. Tira catota e ainda usa o lenço na boca. – gargalhou Racilva.

--- Ora. Ora. E você me vem contar uma porcaria dessa? Agora sei quem é. Ele é o gerente de uma firma nesse mesmo bairro. Hugo. Deixa-me ver. Hugo. Hugo. Hugo Alcanforado. É esse o nome. Alcanforado. Eu me lembrei porque lembra cânfora. – sorriu Vera Muniz.

E a conversa conduziu por um belo tempo até chegar ao gabinete da Presidente o seu Diretor Silas Albuquerque tendo por companhia o empregado Diomedes bem mais conhecido entre Silas e Vera por Molambo. Nesse momento, Silas, olhando a cara das duas mulheres bem alegres e satisfeitas foi logo a perguntar:

--- Que houve? Estou melado? – Silas falou para ambas as mulheres.

Então, foi uma gargalhada geral. As duas amigas não se contiveram de tanto alarme. E o tempo passou com gargalhada ate que as mulheres pararam de sorrir. E Silas declarou, com efeito, que todos os documentos de Diomedes estavam quites. Então era só registrá-lo para tê-lo como funcionário. A esposa de Silas procurou ver melhor a documentação e entregou a sua vice-presidente para acionar o pessoal competente e fazer de Diomedes o novo funcionário da firma. E Racilva tomou de conta todos os documentos alertando para Molambo que a partir daquele instante ela era um novo homem. Molambo sorriu e agradeceu toda deferência. Quando Racilva saiu do gabinete, Vera teve nova conversa com Molambo:

--- Escute bem. Você foi aprovado como motorista. Então vai ser o novo motorista de Silas. Exclusivo. Somente de Silas. Isso é para começar. Eu tenho para dar outras recomendações. Por enquanto é só isso. Está certo meu velho amigo? – indagou Vera a Molambo.

--- Sim senhora. Sou todo ouvido. – respondeu Molambo.

Logo após, no almoço em meio ao próprio refeitório da Agencia Pomar, a jovem Vera Muniz teve conversa reservada com seu marido. O que ela veio a lhe dizer foi de puro segredo, afinal ninguém podia saber de imediato. Dentro de breves dias ela teria que ir ter a Roma averiguar certos casos da empresa. Com certeza, ela levaria o velho Molambo e, sem sobras de dúvidas, também Silas Albuquerque.

--- E o que Molambo vai fazer em Roma? – indagou Silas.

--- Nada! Nada! Absolutamente nada. Eu preciso de um passaporte para Molambo. Só isso. Você será meu cicerone. Além disso, verá a prestação de contas do Pomar na Itália. Quando terminar esse processo, temos que visitar Veneza onde será realizado o Festival de Cinema e o filme que nós fizemos vai estar presente. E depois, viajaremos à Turquia para você conhecer Capadócia, o berço da civilização. – sorriu Vera Muniz.

Um assobio prolongado fez Silas ao ver que tanta ocorrência estaria para ser feita. E ele complementou com a frase:

--- Tá danado. Agora? Você grávida? Não é possível!!! – declarou Silas atormentado.

--- E o que tem a ver com isso? Se eu parir na Itália, o menino será italiano. – sorriu Vera.

--- Na Itália? – indagou o marido de Vera admirado.

--- É. Na Itália, no Brasil ou na Turquia. Não há problema algum. – voltou a sorrir Vera.

--- É. Na Itália! – conjecturou Silas no seu modo de raciocinar.

--- Só há um problema! – argüiu Vera.

--- Qual é? Qual é? Qual é? – indagou enervado o marido Silas.

--- Na Itália não tem caju. – e Vera soltou uma bela gargalhada se lembrado da época dos cajus que brotavam no pé do morro onde os dois sempre partiam para colher.

--- Ora merda! E não tem também abelhas! – gargalhou Silas a se lembrar do cabelo da garota todo assanhado por contas as abelhas. Ela até parecia uma bruxa.

Os amantes soltaram uma boa risada com Vera aproveitando para alfinetar ainda mais o seu marido por causa das abelhas. Pois na verdade, naquela ocasião, nem as abelhas estavam presentes. Apenas uns mosquitos de arapuá. E a garota, completamente desgrenhada, com os cabelos estirados para um lado e para o outros parecia bem mais uma verdadeira bruxa, toda e inteiramente assanhada.

--- Você era mal. Seu perverso! – clamou a moça para o marido com a cara enrubescida.

--- Mas, depois, veio o melhor. – sorriu Silas apaziguando a raiva momentânea de Vera.

E a jovem mulher sorriu.


Um comentário:

Kiryl disse...

O nome Racilva que utiliza em seus contos é próprio e pertenceu a minha falecida mãe. Peço não considera-lo em seus escritos em repeito a familia.