domingo, 14 de novembro de 2010

AMANTES - 28 -

- Nívea Stelmann -
- 28 -

A mulher, do modo espantado, com temível medo, se recostou ao peito do marido, esperando amparo por parte de Silas. Pouco se incomodava com a flatulência do amante. Ela queria apenas amparo. O homem começou a arrumar os livres, estantes, armários e outras coisas a mais enquanto o velho Molambo guardava também o que achava pelo caminho, até as cadeiras de pernas para cima, sofás destroçados, toalhas pelo chão e o que podia encontrar, desde bibelôs despedaçados a xícaras de porcelana aos pedaços. Vera, por seu turno, na companhia do marido, procurava refazer o quarto todo em desalinho. Ela procurou examinar a janela e notou que por ali ninguém entrara. Voltou ao banheiro, e estava tudo em completa ordem. Ela também verificou as chaves de segredos da porta principal com a qual abrira a entrada e todas as chaves estavam com ela. Perguntou, com certo medo, ao seu marido:

--- As chaves?! – indagou com olhos abertos para Silas a perguntar sobre as chaves da porta.

Esse partiu a procura da chave mestra e encontrou no canto em que a depositara. E se voltou para Vera ao dizer:

--- Está guardada comigo! – replicou Silas cuidando de ter a chave então em seu poder.

--- E quem entrou aqui, Diomedes? – averiguou Vera já falando em murmúrio.

--- Eu julgo ser espírito. – respondeu o velho Molambo.

--- Espírito? Mas que espírito quem fazer um destroço desses?! – devassou atormentada a mulher.

--- Não sei. Não sei. Podia-se se chamar “Paredão” ou Racilva. – respondeu o velho.

--- Hoje?! Nem pensar! – contestou Vera Muniz.

--- Então vamos todos dormir. – sorriu Silas a contestar.

A mulher olhou para o homem e disse por fim com bastante raiva:

--- Aqui eu não durmo! Nem morta! – rebateu Vera cheia de pavor.

O caso tomava rumo sem precedentes com Silas procurando contemporizar. E a mulher não cabia mais em si querendo sair do edifício de uma vez por todas. O velho Molambo atravessou a discussão e formou a hipótese mais viável para aquela ocasião, pois o espírito poderia seguir a qualquer parte os amantes. Foi assim que Molambo falou:

--- No meu pensar, o melhor é se diagnosticar uma sessão agora, aqui. Chama-se “Paredão” e Racilva ou mais alguém para nós fazermos a reunião. – conclamou o velho.

Vera olhou para Silas e este concordou em se fazer a reunião no calor da emoção. Então, Silas ligou para “Paredão” e Racilva a pedir uma reunião de emergência em seu apartamento por conta da comoção que ele testemunhara ao voltar da praia dos Coqueiros. O homem relatou que chegaria a instantes e levaria também Racilva e o “Pescador” pessoas que haviam feito sessões no apartamento de Silas.

O apartamento foi arrumado pela orientação de Vera Muniz enquanto que os dois homens se responsabilizavam de executar o trabalho com pressa para que tudo fosse arranjado na hora de começar a sessão. Silas tomou um banho para se refrescar do dia que passou na praia. E a mulher também. Não hora aprazada “Paredão”, Racilva e o “Pescador” chegaram afinal ao apartamento de Vera cumprimentando a todos os presentes. Após breves conversas do que Vera encontrou da sala onde eles estavam, por fim teve inicio a sessão espírita. Para começar o médium espírita “Paredão” fez prece aos seres iluminados rogando a paz para todos os vivos e em seguida teve inicio com uma oração e mensagem de fé, a segunda parte da sessão. Racilva era a mentora e foi ela quem recebeu o espírito de Annie, como se identificava a todos os participantes da reunião o luminoso ser. Em seguido outro espírito desencarnado teve a oportunidade de incorporar em Molambo, o velho. De um lado, o espírito de Annie indagou do espírito que incorporava Molambo. E assim a projeção se confirmou.

--- Que buscas irmão? – indagou Annie ao espírito das trevas.

--- (sorrisos) Eu te conheço? Nunca nem te vi. Eu quero esse aqui. – discorreu o espírito das trevas sorrindo.

--- Por que tu queres esse corpo mortal? – indagou Annie.

--- (sorrisos) Ele ficou com a moça que eu quero. – falou o outro espírito.

--- Por que fizestes tanto estrago no apartamento desse mortal? – falou Annie.

--- (raiva) Para ele ver quem sou eu!! – discorreu com muita ferocidade o espírito.

--- E quem sois vós? – Annie perguntou com muita.

--- (rosnando) – Ele sabe quem sou eu. (rosnou novamente o espírito). José Macedo é o meu nome. Ele pensa que venceu? – rosnou de novo o espírito

--- Irmão! Deixa esse corpo em paz. – falou Annie.

--- Ele me paga! Esse desgraçado me paga! – rosnou o espírito do mal.

--- Tenhas calma! Vinde comigo para um lugar de paz, luz e refrigério. – dialogou Annie.

E o espírito rosnou mais uma vez até que Annie recomendou a paz e ele pode sair do corpo de Molambo o deixado em paz. Foi uma sessão terrível. Os médiuns estiveram envolvidos aquela noite em um caso melindroso. Molambo foi então a vítima. O espírito das trevas era o homem que em vida foi trucidado por matar a jovem Cila quando a moça estava para se casar com Diomedes Nogueira, o jovem rapaz do qual era a noiva. De há muito, José Macedo perseguia Diomedes. O velho teve tempo em que viveu na mendicância por obra do seu cruel obsessor. O espírito nem sabia o que haviam feito com ele. Ou se sabia pouco se importava com isso. Ele, durantes esses anos procurava se vingar de Diomedes por ter impedido o seu casamento com a jovem Cila. Então, vendo que Diomedes tinha libertado a sua noiva para lugar de paz, Macedo partiu para a vingança como espírito obsessor. O espírito de Macedo era muito mais ignorante do que propriamente maldoso. Racilva recobrou a sua razão uma vez que Annie se retirou.

No dia seguinte, Diomedes estava no escritório de Silas passando em vista umas publicações de belas fotos. Vestindo um terno esporte, apesar de ser o motorista de Silas, ele olhava com atenção as publicações. Ao lado de cada foto e em baixo também vinha impresso dizeres sobre as fotos, algumas das Pirâmides do Egito, túmulo dos Faraós. Ele ficou a meditar como foram feitas aquelas pirâmides. Quantos operários, quantos mestres, quanto ajudantes, quando engenheiros, quantos e tantos. A sua mente não parava de formigar por ver tais esmeros. Silas estava ocupado em seus cálculos e nem se importava com o que Diomedes estava a fazer. Mesmo assim, a atenção de Diomedes jamais se perdia quando o mestre queria dizer alguma coisa. E foi assim que Silas articulou uma conversa que ao tempo Diomedes não entendeu com perfeição.

--- Você precisa tomar um banho. – falou Silas sem levantar a cabeça do que escrevia.

Diomedes ergue a cabeça e olhou para Silas. Então, o homem ficou preocupado com a tal insinuação. Ainda se cheiro para poder responder.

--- Eu tomei banho, hoje. – respondeu Diomedes um tanto preocupado.

--- De ervas. Aromático. Coisa assim. Você anda muito “carregado” – fomentou Silas de cabeça baixa.

O homem então se ateve na reunião da noite passada. E levou um pouco para responder.

--- De fato. O senhor tem razão. Alfazema. Com certeza. – replicou Diomedes.

Após a conversa com Silas sobre os banhos, Diomedes resolveu passar na Casa dos Orixás onde podia comprar alfazema e outros perfumes aromáticos. E olhando mais atento o que havia na Loja, por certo teve a curiosidade de ter às mãos um livro de São Cipriano, caso bastante raro naqueles dias. Diomedes olhou e folheou o compêndio por mais de uma vez e, finalmente reservou aquele epítome. Porém não tinha somente um livro. Havia muito mais. E Diomedes ficou entretido com as brochuras ao passo que havia um amplo estoque de livros, alguns dos quais, extintos no comércio livreiro da cidade. E além das rosas, ervas positivas, folhas de amaci, alfazemas e alecrim o homem saiu da loja plenamente contente. Feliz da vida Diomedes só fazia assobiar repleto de livros, os quais foram possíveis comprar, pois era vasto o conteúdo de alfarrábio ali existente. E não foi sem pressa que o velho se pôs a ler os tomos adquiridos naquela casa mais parecendo um “sebo” de livros aparentemente velhos.

Ao entrar no seu veículo, Silas notou a imensa quantidade de livros que o velho Diomedes trazia consigo além do cheiro aromatizado de perfumes desconhecidos e não evitou em saber o que havia de tão perfumoso havia no interior de seu veículo.

--- Livros, doutor! Livros! – respondeu o velho Diomedes a sorrir.

--- E esse cheiro estranho? – indagou Silas ao velho.

--- Ah. Perfumes aromatizantes de “descarrego”. Coisa de limpeza do espírito e do corpo. – profetizou Diomedes.

Com isso, Silas não teve jeito a mais e sorriu.


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