domingo, 22 de fevereiro de 2009

RIBEIRA - 254

VESTIDA DE NOIVA
Já passara das 11 horas da noite quando José Severo se levantou da mesa do bar "Tabuleiro da Baiana" para saldar a sua conta. Esse bar existia em 1950 e mais tempo atrás, ficando no fim da praça Augusto Severo, já em um contorno que se fazia na praça. Os bondes, àquela hora da noite não mais circulavam e quem quisesse beber, teria que ficar a esperar que o dia clareasse ou, então, partir, à pé, para a sua casa, fosse perto ou longe. O amigo de Severo tinha saido, fazia alguns minutos. Porém. os outros frequentadores continuavam a jogar conversa fora, sem dar por conta de quem saía ou não. Na rua Dr. Barata estava a loja que Severo trabalhava. Ele olhou, como se fosse um guarda, para a rua e se voltou para o garçon que já lhe trazia o troco de suas despesas. Outra vez, Severo olhou em torno, vendo os habituês do Bar. Uns, gargalhava. Outros, dormiam com o rosto escorado na mesa e, alguns estavam a chorar por motivo nenhum ou por causa da prostituta que lhe abandora. No bar, tinham prostitutais que se acercavam dos demais fregueses em busca de alguns trocados, ou mesmo para "sair" no final da farra.Eram meretrizes que já não tinham mais "quarto" nos lupanares da velha Ribeira. No bairro, havia lupanares que se sustentavam a troca dos homens ricos que frequentavam os locais. Severo conhecia muito bem esses lugares. Vez por outra, o jovem trabalhador inventava de aparecer em um deles e, alí, tirar uma mulher e levá-la para o seu quarto. Porém, naquele dia, Severo não estava a fim de mulher e chegou ao Tabuleiro da Baiana logo cedo da noite.
Logo que recebeu o troco, saiu. E na saída, encontrou uma mulher de seus 65 anos a mendigar uma ajuda pela santa caridade. Ele não fez questão e doou uma parte do troco que o garçon lhe passara. A mulher fez seus agradecimentos, como sendo um "Deus lhe pague e tenha tudo o que o senhor quiser", e Severo simplesmente disse "Amen". Já era costume da velha se postar ali para pedir auxilio e Severo não seria o primeiro, nem o único. O rapaz olhou para o seu pulso e verificou a hora, saindo, em seguida, vendo um prédio que ficava logo à frente, fazendo-o pensar num velho cinema que funcionou no local. E partiu, seguindo pela calçada da praça, vendo ao centro, um coreto que, naquele tempo já era ponto de bêbados que procuravam se agasalhar para, então, dormir. Severo esboçou um leve sorriso se lembrando da sorte dos bêbados equilibristas que se enrolavam a qualquer preço com folhas de jornais de passado remoto. "Coisa incrivel", pensou o rapaz. A noite estava calma, com um céu límpido e sereno. Na praça havia uns pés de goití por todo o ângulo e que servia muito bem para o pouso dos aglomerados morcegos que por ali viviam.
Com o passar do tempo, o jovem já pegara desde em baixo, a Avenida Junqueira Ayres, passando pela frente de um colegio e por um jornal no qual ele ouvia os cilindros de impressão a tilintar. Com a cabeça baixa, Severo só pensava em chegar a sua casa, no bairro do Alecrim. Era uma caminhada e tanto que só ele sabia calcular. Por vezes, lhe dava uma preguissa e chegava a pensar em dormitar em um banco qualquer de uma praça logo à frente, perto da Prefeitura, em frente ao Palácio do Governo. A cabeça começava a latejar e ele fazia uma careta como se aquilo fizesse passar a dor que,de leve, vinha a chegar. "Merda da Cerveja", pensava o rapaz. Com sono e um tanto ébrio, o jovem chegou quase ao fim da ladeira, dobrado em frente do Atheneu de velhas memórias. E ele pensou que, certa vez, foi reprovado por causa de um tinteiro que ferveu a tinta e derramou na folha de papel de exame. Era uma tarde de forte calor. E Severo tinha se posto junto a uma janela que dava para a Avenida Junqueira Ayres. Com roupa toda suja de tinta, a caneta escarrapichada, ele não contou conversa, e saiu da classe. Quando passava em frente ao colégiu, logo pensou: "Atheneu velho de guerra". E, levemente, sorriu.
À sua esquerda ficava o Mercado Público da Cidade Alta. E Severo pode observar dois caminhões carregados de frutas, verduras, legumes e algo mais, ao lado esquerdo do Mercado, esperando, com certeza que o lugar abrisse para eles poderem descarregar os seus produtos. E viu tambem, dois homens circundando os caminhões, com certeza para ver se tudo estava em ordem. Severo não deu importancia ao caso. Andando, pegou a rua Ulisses Caldas e, logo após, a Avenida Rio Branco que levava direto ao Alecrim. Alí, era plano e o jovem soltou um leve "ufa" de quem já conseguira vencer uma boa parte da caminhada. Alí, naquela avenida ele assumiu o compasso de andar um pouco mais rápido, só pensando em chegar em casa: "Nunca mais faço uma merda dessa", pensou o jovem. Na rua, só tinha casa de moradia, com excessão de um Hotel, um armazem, uma casa de bebidas e um cinema. Quase tudo estava fechado àquela hora, menos o hotel e a casa de drinques. No cruzamento da rua João Pessoa, ele olhou para a casa e vendo que ainda havia gente para beber. "Puxa,!!!", pensou o rapaz. E largou com o seu passo rápido para mais depressa chegar em sua casa. Em um cruzamento da Avenida Rio Branco com um beco estreito que vinha do matadouro, ele quase topa com uma moça, vindo também apressada para entrar na Avenida Rio Branco. O impácto seria inevitável se o rapaz não passa de chofre.
---- Opa! Quase atropelo a senhora! - disse Severo
---- E eu também! - respondeu a moça, sorrindo a seguir, tomada de um susto.
----Pois é! A senhora tambem não esperava! Puxa! - respondeu Severo.
---- Não esperava! - lhe disse a moça.
Ao olhar àquela figura, Severo observou o seu traje, todo branco, dos sabatos,meias, vestido com bem cinco saias por dentro, fazendo uma circular em torno do corpo, cintura apertada por um cinto igualmente branco, subindo estava a blusa igualmente branca que parecia ser um vestido só, mangas compridas, até o pulso, luvas cobrindo as mãos euma bolsa a tira-colo. Seu cabelo comprido era enrolado no alto da cabeça, ornada por uma tiara. O jovem ficou impressionado com aquele traje em uma moça que parecia ter seus 21 anos. Então, passado o susto daa imediata surpresa, Severo perguntou à moça:
---- Vens de onde? - Severo perguntou.
---- De uma festinha, ali, atrás. - respondeu a moça.
---- Essa hora, não tem mais Bonde. A senhora mora perto daqui? - inquiriu o rapaz
---- É. Não tem. Moro logo alí. - respondeu a moça.
O rapaz se aquietou e logo a seguir, rumando pela ladeira da Rio Branco em direção ao Baldo, passando pela Associação dos Professores que estava com suas luminárias acesas, o jovem, entre outras conversas, perguntou-lhe:
----Sabe que não perguntei o seu nome? Ora! -disse Severo
---- Isolda! - respondeu a moça e em seguida, perguntou, como devia. - E o seu? - perguntou Isolda
---- Ah Bom! Você tem um lindo nome. Cabe bem com a sua beleza que resplandece em plena noite. O meu é comum. Chamam-me de Severo. Meu nome por completo é José Severo, pois não - respondeu o jovem.
A moça sorriu, levemente, olhou o rapaz e lhe disse com ternura:
---- Nome lindo também. É casado? - perguntou Isolda.
---- Solteiro e sem compromisso. Não tenho namorada. E nem tive! - respondeu o jovem, fazendo um sorriso franco.
---- Ah bom. Um belo rapaz sem compromisso. - respondeu Isolda
---- É, sim. Sem compromisso. E voce, é noiva? - perguntou Severo
---- Não! Sem compromisso! Por que? O vestido? - retrucou Isolda.
---- É. O vestido. Bem podia ser uma noiva correndo em disparada por causa de uma "fera"! - disse Severo.
---- Não! Não sou! O traje é questão de gosto. Que achas? - perguntou Isolda
---- Um belo vestido para uma digna princesa! - respondeu Severo.
---- Você é gentil. Que princesa eu sou? - perguntou Isolda.
---- A Princesa de uma noite de verão! - respondeu Severo.
A moça sorriu alegremente, cheia de doce fragrancia que exalava de seu corpo, como uma linda borboleta que voava ao sentir o calor das lãmpadas de luz. Uma linda borboleta que procura ilusões na nostalgia de um salão.
---- Sabe? A cada instante você me inspira maior confiança. Não por que? - - sorriu Isolda
---- Dá-me o braço, pois a ladeira é íngreme, e assim estaremos mais amparados! - falou Severo
Em um instante, após olhar o rapaz com o seu sorriso franco, Isolda lhe deu o braço e ambos caminharam como duas aves solitárias descendo aquela imensa ladeira que só os que conseguem descer podem contar o sério perigo que se pode ter. Nesse instante, Isolda tocou de leve o rosto do rapaz e depositou um leve e suave beijo de amor. Com isso, o rapaz se sentiu lisogeado e lhe depositou nos lábios um outro beijo de reciprocidade. E ambos pararam da ladeira tracando beijos imortais de leve ternura e mais amparado afeto. As copas copiosas das árvores de ficus que guardavam os dois amantes, como que saudando aquele imenso amor, estremeçaram de alegria. As copas faziam como se dissessem "Halleluia". E o casal de namorado, agarradinho, descuidado teceram mil juras de amor.
O Canal do Baldo onde passava um riacho, tinha já no seu final a Usina da Companhia Força e Luz. Quem olhasse bem, notava ali os bondes que passavam por revisão e, mais à frente, uma espécie de um imenso jardim zunindo com um esguincho de água tempos sem fim Severo olhou para o jardim e nada comentou, pois estava bem longe do local. Isolda agarrava o braço do rapaz como se evitasse perde-lo a qualquer instante. O luar não existia, pois, no horizonte, caía uma tenra e serena lua em minguante igual uma Lilith. O casal de namorados subia a estrada e, por vez, Severo perguntou a Isolda:
---- Você mora aqui perto? - falou Severo
---- Sim. Bem ali -respondeu Isolda
Bem ali ela dissera, antes. Mas o "bem ali" deveria ser em algum canto. Severo não entendeu muito bem, e não mais perguntou onde era esse "bem ali". No caminhar, ele aproveitou para enchê-la de beijos, acariciando o seu pescoço deixando a jovem em êxtase como se tudo o que fizera outro nenhum nunca fez. A cada beijo que lhe dava, assumia pelo corpo inteiro da jovem um aroma de um perfume meigo igual aos perfumes orientais de que ele ouvira tanto falar. Foram carícias supremas as que depositara no corpo da angelical amada da noite. E ela ansiava por todos os locais, cujo torpor nunca d'antes lhe mergulhara. As carnes dos dois se encandeciam a cada instante de calor errante. A Igreja de São Pedro estava ao lado e eles passavam em uma padaria que existia alí e, naquele tempo, trabalhava nos pães frescos que o padeiro entregaria logo mais. O casal não se importou com coisa alguma daquilo. Rumaram pela eestreita calçada do Cemitério do Alecrim. Aos beijos, nada importava a Severo. Ele somente queria beijar aquela doce criatura que encontrara naquelas horas em uma estreita e pequena rua da cidade. Para Severo, tudo se consumava em um delicado beijo. Foi aí que a moça falou ligeiramente:
---- Chegamos! Moro aqui.! - disse Isolda
E num imenso ósculo, pressionando seus lábios sobre os do seu namorado, ela partiu, subindo os degraus do batente que dava para um portão de ferro, e entrou, sem tocar em coisa alguma, desaparecendo em meio aos túmulos que se plantava no caminho do campo-santo. O homem, por um instante seguiu a moça e num derradeiro momento acordou do seu torpor. Um calafrio lhe despertou o corpo fazendo com que Severo assumisse a razão e gritasse como em um sonho. Dali, gritando e uivando, saiu ele a correr até ao fim da longa rua, onde estava aberto Bar Quintandinha. Sem forças, exasto, ele com toda sua compulsão que lhe restava, soltou um berro e caiu ao chão, desacordado.

Nenhum comentário: