quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

LUZ DO SOL - 4

- CLARA -
CONTO
Clara estava no balcão despachando uma carteira de cigarros e uma dose de cachaça ruim a um freguês de perto do barraco. Trouxe-lhe os cigarros e despejava então um gole de cana. Já tinha posto a medida que era tirada pelo olho quando o homem pediu que pusesse mais. Ela obedeceu e pingou um pouco mais olhando para a cara do mecânico. E ele fez com a mão que pusesse mais ainda, ficando o copo quase pela metade. Daí, o mecânico disse que já chegava. Pegou a cachaça e entornou goela a baixo, fazendo a tradicional careta, para quem bebia. Se não fizesse a careta e não cuspisse de banda, a cana não prestava. Em seguida pegou a carteira de cigarros e colocou no bolso, caminhando para sair, descendo o batente e caíndo na lama que enxarcava a rua pela chuva que caíra na madrugada passada. Quando saia, a dama lhe chamou:
--- Hei. O dinheiro!! - disse Clara.
O homem voltou com a cara deslambida de sempre fazendo de conta que esquecera ou que já tinha feito o pagamento. E perguntou o mecânico.
--- Quanto foi? - disse por sua vez o mecânico.
--- Quanto foi, não! Quanto é! Você não pagou! Depois que pagar é que diz quanto foi! - disse a dama com um sorriso no rosto.
--- Ah bom. Quanto é?. - dizia o mecânico enquanto revirava o dinheiro que trazia no bolso da calsa.
--- Dez cruzeiros. - disse a dama.
--- Dez? - perguntou assustado o mecânico.
--- Sete do cigarro e três da cana. - explicou a dama.
--- Sete? - perguntou apavorado o mecânico.
--- É. Tá aqui. Sete cruzeiros. - mostrou a dama o selo da marca do cigarro.
--- Mas, aí, tem seis e sessenta! - replicou o mecânico com voz altiva.
--- É. Mas a gente vende por sete. - disse a dama com um sorriso na face.
--- E a cana? - perguntou o mecânico.
--- Três cruzeiros. - respondeu a dama.
--- Três? Tá danado. É um roubo! - respondeu o mecânico.
--- Bebe quem pode! - disse Clara.
O mecânico pôs a nota de dez no balcâo, ajeitou as outras notas, guardou bem guardadas e se esquipou por entre a lama que estava na rua. A dama, de cor morena, cabelos lisos e castanhos, boca suave, carnuda e pequena, olhos de quase noite guardou o dinheiro e rumou para o salão do barraco passando por Élia, a companheira do bar e resmungando qualquer coisa por conta do mecânico que se fazia de besta para não pagar a conta. A outra dama achou graça e disse mais:
--- São todos assim! Muquiranas! Pé de vaca! - relatou Élia.
No salão do barraco, a dama notou que outras duas damas estavam sentadas a conversar animadas com os fregueses que alí engoliam cerveja e algum tipo mais forte de bebidas. Clara também notou os pratinhos feitos de picado que punham a se servir e alguns deles estavam vazios. Ela chamou a dama que estava mais o homem que pagava a conta e disse se não era aceitavel de se pôr mais um pratinho na mesa. O homem nem notou o que Clara dissera e a dama que estava com ele aceitou a oferta. Em instantes chegava o pratinho de picado. O homem era todo solícito com os prazeres do servir daquele barraco. No mais tardar, Clara calculava que o homem teria mais uma hora para beber e depois cair no sono. E como quem dizia:
--- Cuidado! - voz de Clara.
ela deixou o local e foi verificar as outras mesas onde os cervejadores bebiam contumazes. De relance trouxe um pratinho de picado para servir aos beberrões. Nesse instante um deles gritou:
--- Manda galinha! - gritava o beberrão.
--- É pra já! - dizia Clara.
E as mesas continuavam cheias de rapazes e homens, comendo e bebendo o que lhe serviam ao som da música de um toca-disco que animava a festa daquele dia ou mesmo tarde. Um outro rapaz se agarrava com uma outra dama, puxando-lhe para cima e ela se fazendo de seu eterno travesseiro. A dama bem acertada no ofício, deleitava-se com os aconchegos do rapaz. O dia era frio e o prenúncio de chuva se fazia sentir . Havia gente que entrava enquanto outros saiam já um tanto triscados, talvez para continuar com sua farra em outros bares da cidade-baixa pois era asssim que se conhecia o lugar. Enquanto isso Clara dizia a Élia que já era hora de se diminuir o picado nas bandejas porque os famintos já não pressentiam o que era muito ou pouco. Isso foi feito. Quando alguém reclamava:
--- Só isso? - dizia o bebedor.
Ela respondia:
--- O picado acabou. Só tinha esse. Eu faço a diferença na conta. - dizia Clara.
A esta altura a festa continuava com tudo o que tinha de prazer carnal. Damas, rapazes e homens não tinham a noção do tempo que havia de parar. Era tudo a seu enigmático e fugaz belprazer na consciência distrata.

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