terça-feira, 24 de março de 2009

RIBEIRA - 273

ARCA RUSSA
O russo Sergei Eisenstein, um dos grandes nomes da história do cinema e teórico refinado, via a montagem como a alma dos filmes. Para ele, o sentido da obra não estava nas cenas, e sim no encadeamento entre elas. Essa idéia ainda vigora. Mas outro russo, Alexandr Sukurov, decidiu ser do contra. Fez um filme sem montágem, rodado em um único plano-sequencia, uma longa cena sem corte. O resultado desse feito, nunca antes alcançado, é o monumental "Arca Russa". São 96 minutos filmados sem interrupções e com mais de dois mil figurantes.
A sensação de ação é dada apenas pelo movimento da câmera e dos atores em 35 salas do museu L'Hermitage, em São Petersburgo, ex-palácio dos czares, onde os quadros e três décadas da história da Rússia convivem em melancólica harmonia. Perfeccionista, o diretor exigiu que nenhum ruído fosse feito durante a gravação. Marcou as posições dos atores com o rigor de um coreógrafo de balé. Distorções sonoras e visuais foram corrigidas por computador depois da filmagem e o material captado em vídeo foi transposto para a película. Foi uma realização épica.
Para cumpri-la, Sukurov esperou 15 anos. Antes da tecnologia digital, que permite filmar por mais tempo sem cortar, seria impossível a produção de "Arca Russa". Sukurov teve de pedir para fazerem uma alteração em uma câmera digital de alta definição. O aparelho foi amarrado na cintura do diretor de fotografia alemão Tilman Buttner, que se locomovia com o material de 30 quilos sem poder errar. Antes, porém, houve muito ensáio. Oito meses de dedicação exaustiva a cada detalhe.
O diretor é de uma ambição sem medidas. Tateia uma noção de identidade russa em sua empreitada. Ela está dividida entre a tradição eslava e a vontade de ser européia, algo traduzido pela convivência de dois narradores fantasmagóricos. Um é invisivel e russo. O outro, visivel, é europeu Ambos andam diante dos quadros como se fossem ectoplasmas perdidos e sem bússola para o futuro. Esses dois guias um tanto confusos ciceroneiam o espectador pelas várias portas abertas de "Arca Russa". É um grande filme. Principalmente porque subverte a técnica em benefício de sua proposta. Alfred Hitchcock fez apenas oito cortes quase imperceptiveis em "Festim Diabólico", porque tinha de trocar o negativo a cada dez minutos. Sukurov fez de "Arca Russa" um clássico - e mostrou que o cinema é diferente de todas as outras artes.
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veja também: http://www.rnsites.com.br/. e http://nataldeontem.blogspot.com/.

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