quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

RIBEIRA - 393

- SOLDADO DA BORRACHA -
Eu conheci meu tio Paulo (Leandro) no ano de 1950, quando ele estava de volta do interior do Amazonas onde foi servir ao Exército como Soldado da Borracha. Quando ele retornou, foi uma festa sem fim, com seus irmãos e irmãs ao gritar "Vivas" para alguém que jamais pensaram em vê-lo com vida. Paulo era um conversador e só falava aos gritos, com suas risadas francas, ao contar histórias que viveu nos seringais amazonenses, no tempo em que ali era somente selva.
Quando tudo começou, em Natal, um oficial lhe chamou e disse:
--- Vou te fazer uma proposta. Você escolhe uma: Ou você vai para o Amazonas extrair borracha ou fica em terra e vai servir na guerra (contra o nazismo). Escolha!
O meu tio ficou em uma tremenda dúvida: no Amazonas, diziam só ter onça. E ele era comido por lá. Quanto ir para a guerra, só tinha um porém: bala. Ele morreria, na certa. Meu tiu ficou a pensar: Onça ou bala? Decida! E ele, então, tomou a decisão mais plausível: a onça.
--- Muito bem. Prepare-se para viajar para a mata. Você tomou a decisão certa. Contribuir para a força do Brasil. É de gente como você que o Brasil precisa! - disse o oficial.
Já que fora tomada a opção de lutar pelo Brasil nos campos das seringueiras, Paulo Leandro se arrumou de qualquer jeito e seguiu para a Amazônia, sob o pranto de suas irmãs que ficaram. Pobres irmãs. Tristes e pesarosas.
A viagem foi de navio que seguiu direto para Manaus. Alí, desembarcou a tropa que se juntou a outros "combatentes" para seguir direto para a selva. Os pelotões levavam comida, roupa de moletão e tudo o que eles precisavam. Na mala de Paulo, um documento de dono de terra, onde ele ficaria no interior da mata. Mosquito, esses não faltavam. Além de mosquitos, também tinham ratos a consumir o que os soldados levavam. Tinham soldados e civis que foram incorporados. Os civís foram agarrados na marra, pois esses não sabiam de nada e nem para onde estavam seguindo. Eram todos um monte de soldados brutos. De posse de suas terras, Paulo começou a trabalhar, juntando látex das seringas ( Hevea brasiliensis). Como só havia homens solteiros, os soldados da borracha se juntavam armados de espingardas e assaltavam as aldeias indígenas e raptavam as mulheres para conviver com eles. Um detalhe que contou Paulo Leandro: ele tinha que entregar a borracha em troca do equipamento e dos alimentos dos quais ele precisava. Os demais seringueiros seguiam a mesma ordem. Este "Sistema de Aviamento" ditado pelos seringalistas fez com que ele (e os outros) nunca chegasse a obter dinheiro e assim ele nem podia voltar a sua terra depois da guerra. Eram cerca de 60 mil soldados da borracha sem poder retornar às suas origens.
Com relação à borracha, a Amazônia era um grande reservatório natural, com cerca de 300 milhões de seringueiras prontas para a produção de 800 mil toneladas de borracha por ano.
Meu tio Paulo contou aventuras que viveu na mata e doença que sofreu intermitentemente. De certa vez - ele contou - chegou à sua casa, uma velha, mulher de seus 60 anos, pedindo para que ele a levasse a uma tribo indígina, pois temia se perder na mata. Meu tio se prontificou em levá-la e, logo depois, ambos seguiram, pé no mato, pé no caminho. Depois de tantas horas, a velha escutou um barulho na selva. Pois-se mais atenta e deu o seu sinal.
--- Uma onça! Ela vem a favor do vento. Por isso não nos percebe! - disse a velha
--- ONÇA?! Tô lascado!!! - respondeu o meu tio.
Eles estavam no meio do mato. Tudo era mata virgem por onde eles seguiam. Então, a velha se escorou em um tronco de pau, desses bem grossos, e pôs o seu guia às suas costas, esperando pela onça. Meu tio pensava.
--- "Se essa onça chegar perto, atiro essa velha para cima dela!". - pensou Paulo.
Foi quando a onça se acercou dos dois. A velha, nesse instante, pulou na frente da onça, de pernas abertas, agachada e gritou:
--- ONÇAAAA!!!! - grito da velha,
Nesse instantem a onça temendo o perigo maior, correu em debandada, entrando pela mata a dentro e se perdeu da escuridão que fazia a selva em pleno meio-dia, pois em toda a região, a mata era tamanha que, se alguem acendesse uma folgueira por dento da mata, a fumaça jamais chegaria ao cimo das árvores. Desse susto, ele escapou.
De outra vez - contou Paulo - foi acometido por uma febre tirana que, em pleno meio dia, ele não sentia calor, porém frio, Ele se arrastava pelo chão da casa, tiritando de frio. Depois de varios dias de febre palustre, ele vislumbrou no seu cercado um plantio de melancia. Foi, então que Paulo se esgueirou até o plantio de melancia, tirou uma fruta, passou a faca no meio e a melancia fumaçou de tão quente que estava. Ele comou um pedaço e entornou um gole de alcool, pois o alcool era mais barato que a cachaça. A garrafa de cachaça custava em moedas atuais, 20 reais. E o alcool, ele comprava por 2 reais. Por isso, em vez de cachaça, ele bebia alcool. Passou um tempo, e lá para o meio da tarde ele estava curado da febre. Desde então, nunca mais sentiu nada da moléstia. Alcool com melancia curou a febre de Paulo.
Depois da guerra, ele deixou tudo para trás e rumou para Belém do Pará. Por alí viveu alguns anos e o pior foi o caso de um bonde. Paulo viajava nos batentes do bonde e lá para as tantas se desequilibrou, sem querer, foi ao chão. O seu pé ficou sobre os trilhos tendo o bonde passado sobre o pé direito, arrancando-lhe o dedo grande.
--- Arrancou logo o dedo que me fazia tanto bem! - comentou Paulo em longa risada, pois com esse dedo ele fazia cócegas por debaixo da mesa a uma mulher, esposa de um outro homem, sem que esse homem notasse, ao jogar baralho em sua casa.
Tio Paulo, ao chegar a Natal, em 1950, passou um tempo morando em nossa casa, no Tirol. Depois dalí, ele seguiu viagem para o Rio de Janeiro, a bordo do navio Itaité, onde toda a familia foi se despedir, aos prantos. Eu lembro que, nesse dia, eu acompanhei o meu tio até o seu camarote. O bar do navio inda estava fechado. Eu percorri toda a embarcação, alegre e satisfeito até o momento em que uma zoada incrivel me fez correr. Era a buzina do navio que advertia os seus passageiros a hora de sua partida. Eu, em correria, me agarrei a meu pai temendo que o mundo fosse se acabar.
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