sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

RIBEIRA - 408

-CÍCERO -
Quando rompeu o ano de 1952, quase todos da Família Leandro ficaram sabendo da dificuldade por que passava a minha mãe, com o atraso no pagamento do meu pai, João Álvares, chegando a três meses ou mais. A Cooperativa dos Funcionários Públicos - do Estado - brecou todo o pagamento do meu pai para saudar as contas que ele devia na sociedade corporativa. Eu, por minha vez, como já contei antes, não tinha nem camisa para vestir, ao ponto de não receber o diploma do primeiro grau, no grupo escolar Alberto Torres. O certificado foi achado por um homem que fazia limpeza do prédio, no dia seguinte à festa comemorativa onde todos os alunos concluíntes receberam os seus diplomas. Eu não fui à festa por não ter camisa. Esta história correu o pais e chegou aos ouvidos de Cícero Leandro, irmão de minha mãe, Néra. Foi nesse mesmo ano, no mês de janeiro que eu consegui uma colocação no escritório do meu também tio Zeca - José Leandro - que procurou cuidar do que era mais urgente para ter a minha mãe. Nesse ponto, o meu outro tio, o Cici, como era chamado Cícero prostou-se alarmado. Tão imediato que pode. ele assumiu a parte da despesa, mandando para a minha mãe uma certa quantia que representava quase um salário mínimo. A partir de então, todos os meses tio Cícero mandava a sua quantia para o regozijo de minha mãe. Fez desse favor uma obrigação, por certo. Tão logo pode, ele veio a Natal e fez isso por vários anos, vendo de perto a minha mãe e tomando certeza que ela recebera o dinheiro que ele mandava. Do mesmo jeito, fez seu filho Chico - Ângelo - e sua ilha Ângela. Os três mandavam contribuições enquanto a minha mãe se soerguia do mau tempo que lhe afetara. Com o atraso constante do pagamento do Estado, meu pai ficava à mercê das ajudas dadas pelos meus tios, tias e sobrinhos. Eu lembro de uma camisa que me foi dada por meu primo, Jubal, que caberia duas pessoas de tão larga que era. Alimentos foram doados por todas as minhas tias e tios para fazer frente à fome que nos afetava. Logo que eu passei a trabalhar com meu tio Zeca, a situação foi um pouco amenizada, pois, do escritório, toda semana eu levava uma cesta de alimentos. Porém, isso não era tudo. Com um mês, meu tio me tornou empregado do escritório ao par que Cícero continuou a remeter a sua bolsa-família para a minha mãe. Meu pai teve que vender a casa onde nós morávamos, no bairro do Tirol e então, ele comprou um casebre onde não tinha água nem luz nas encostas do morro do Alto do Juruá que fazia parte do bairro de Petrópoles. Com a renda auferida pela venda da casa do Tirol, a situação teve um pouco de alívio. Mesmo assim, o Estado não pagava em dias o seu quadro de pessoal. Por muitas vezes eu fui com o meu pai vender umas latas de leite e de conservas para, com isso, ele obter o dinheiro para comprar o pão e o café. Já no Alto do Juruá, meu pai comprou no Mercado da Cidade uma cabeça de bode para se fazer o almoço. A minha mãe, vendo aqueles olhos tristes do bode, atirou no mato a cabeça e disse que não trataria de bode algum. Foi mais uma tortura para o meu pai. Eu, só recebendo 150 cruzeiros, a metade de um salário-minimo, aguentei a trágica miséria que nós estavamos a sofrer. O dinheiro de Cici só chegava no final do mês. E o meu também. O do meu pai, era incerto, pois a Cooperativa tinha que se aproveitar da renda que ele fazia para assim, cobrir seus custos. Até o ano de 1958, quando meu pai faleceu, minha mãe ainda teve que esperar por três meses o quanto devia o meu pai à Cooperativa dos Funcionáro Públicos. Nesse tempo, eu já estava com um salário melhor, e pude socorrer os desenganos da casa. Tio Cícero, por esse tempo, já não tinha tanta "obrigação" em mandar dinheiro. Porém, quando vinha a Natal, não esquecia de fazer uma oferta a sua irmã, em uma quantia razoável. O mesmo faziam os seus filhos, Chico e Ângela. Contudo, esse mau tempo ainda perdurou por longos anos, até o ano de 1970 quando eu fiz o curso de Jornalismo. Daí para frente o barco tomou um novo rumo.
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