quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

RIBEIRA - 403

- MIGUEL E FAMÍLIA -
À direita de Miguel está a sua esposa, Estefânia. E ao lado esquerdo,estão seus filhos Cícero e João Leandro, conhecido por Segundo. No extremo da direita estão a esposa e uma filha de Cícero.
Sempre ouví dizer em minha casa, por minha mãe, que meu avô, Miguel Leandro, não tecia conversa com os seus filhos. Isso, sempre. Certa vez, a minha mãe (Néra) disse que até com a minha avó, Estefânia, a conversa não era bem outra. Minha mãe dizia que não fora uma só vez, mas várias que ela sofreu axincalhos e teve os cabelos puxados por minha avó por uma coisa qualquer. E as outras meninas-moças também pagavam o pato da mesma forma, salvo aquelas que a minha avó tinha maior estima. E com o meu avô, o negócio era do mesmo jeito. Isso, a minha mãe dizia. Dizia, por que, com certeza sofreu agruras com a educação daqueles tempos, início do século XX. E eu acreditava como até hoje acredito.Porém , vendo os meus tios, sempre alegres e cordatos eu até me admiro de que tal procedimento fosse sempre daquele jeito. Ora! O filho puxa ao pai ou a mãe. Ou mesmo a ambos. Meu avô, se fosse um carnegão, não deixaria um filho seu brincar em um Fandango, mesmo sendo dele.E entre os convidados, não faltavam uns três filhos ou mais do meu avô para dançar o Fandango. Quando eu, já velho, ouvi de uma velha senhora, empregada da casa de Miguel Leandro, no ano de 1930 ou mais, que um dos seus filhos quando vinha para casa, já se ouvia gritar: "Põe o meu almoço!!!". Isso, em plena Rua da Estrela, centro da capital. Mas, a minha mãe dizia que nenhum dos filhos tinha consentimento de atravessar a sala de visitas quando alguém de fora estivesse lá, a conversar com o meu avô. Talvez isso fosse certo. Como também era certo que um tio meu levava para o Colégio da Conceição - CIC -duas de suas irmãs e deixava no portão do estabelecimento aos cuidados da freira. E essas irmãs das quais eu ouvia dizer eram minha mãe e minha tia Leonor. Desse modo, não há porque duvidar. Certa vez, minha mãe contou uma história que ela sempre repetia. Meu tio Cícero, que era um dos adultos da casa, reclamou do café servido que estava "muito frio". Quem punha o café à mesa era a minha mãe e ela sabia do aquecimento do bule e, claro, que o café não estava frio. Mesmo assim, toda vez meu tio reclamava: "Café frio!!". Certa vez, minha mãe pôs a mesa toda arrumada e levou um café bastante quente e ficou a olhar o meu tio se ele teria o que dizer. Dessa vez, tio Cícero queimou toda a boca e as lágrimas desceram dos olhos. Minha mãe perguntou: "Tá frio?". E saiu sorrindo baixo. Só sabia ela que dessa vez em diante nunca mais Cícero reclamou do café, se estava quente ou frio. Tais histórias, minha mãe contava. E dentre muitas, teve a que o meu tio Crispim, tabelião substituto do 1º Cartório, quando voltava para casa, na hora do almoço, fumando o seu cigarro, prazerosamente, sentindo no ar a delirante fragrância que tal cigarro soltava através de sua fumaça. Quando, de instante notou a presença de seu pai, Miguel, que teria que cruzar com ele em frente ao Cinema Rex, centro da cidade, Avenida Rio Branco. Naquele tempo, fumar cigarro, charuto ou até mesmo o cachimbo na presença de um pai era considerado tremendo desrespeito. Quando o meu avô se acercou de Crispim, esse colocou o cigarro aceso no bolso do seu paletó para não denotar que estava a fumar. Encontrou-se com o "velho" pai e os dois conversaram algumas palavras sobre o Cartório e logo depois Crispim se despediu com o bolso todo furado e fumegando por conta do maldito cigarro que ainda estava aceso feito brasa queimando o interior do paletó. Depois de apagar o fogo, à sombra de um pé de ficus, na Avenida Rio Branco, o rapaz rumou para casa onde trocaria de uniforme por completo. O paletó, ele atirou no lixo. Tais histórias eu ouví contar por minha mãe além de Antônio Patricio, o Rapa-Coco, figura tão popular na casa de Miguel Leandro. Rapa-Coco, podia-se dizer: morava lá, na Rua da Estrela, onde o meu avô tinha sua oficina para confecção de urnas mortuárias. E era Rapa-Coco quem levava os caixões para a casa dos abatidos e lacrimosos compradores para sepultar o seu defunto. Não raro, suas sobrinhas também levavam os ornamentos do velório, assim como cruzes, castiçais, velas, grinaldas de flores naturais e tudo mais que precisasse para o enterro do pranteado defunto. Por isso, o "velho" Miguel era tido por seus "inimigos" como o homem que fazia caixão de defunto, em uma hora, e registrava a história do morto - Atestado de Óbito - em seu Cartório, em outra. Desse modo, ganhava dinheiro por dois lados. E se precisasse, por três, pois ao nascer à criança tinha que se registrar, mesmo que fosse um natimorto. Em contrapartida, o velho Miguel era um homem religioso e toda a família seguia os mesmos passos. Até a sua esposa, Estefânia, fazia os arranjos dos altares com a ajuda de filhas e sobrinhas. Ele, Miguel, era da Irmandade dos Passos, com seu traje negro e manta roxa com um cajado branco à mão direita quando seguia uma das procissões mais religiosas que se fazia na cidade: a Procissão dos Passos. E tinha também a do Senhor Morto, Procissão do Encontro e as de festas como Nossa Senhora da Apresentação, Padroeira de Cidade. Tudo nisso ele sempre estava presente, além de participar das missas dominicais quando comungava contrito. Podia até ser um velho ranzinza, mas seus filhos eram todos tagarelas, alegres e sorridentes.
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