sábado, 12 de dezembro de 2009

RIBEIRA - 404

- CRISPIM LEANDRO -
Eu conheci tia Laura quando ainda era menino. O meu tio Crispim já havia falecido desde o dia 22 de outubro de 1935, quatro meses após a morte do seu pai, Miguel Leandro. Tia Laura, o seu nome completo era Maria Laura Angélio Leandro. Eu era pequeno, ainda, quando minha mãe passava pela casa de tia Laura, enorme, por sinal, a casa, com um largo corredor do lado esquerdo de quem entrava. Sua construção era das mais modernas já existentes naquela época em Natal. Uma casa de "rico", como era costume dizer. Não sei há quanto tempo Crispim se casou com Laura. Porém, quando o meu avô morreu, ele já havia casado. A casa que tio Crispim deixou ficava na Rua Coronel Cascudo, bem próximo à Rua Felipe Camarão, que faz cruzamento uma com a outra. Em frente à casa de Crispim havia três outras casas muito baixas onde moravam um rapaz e sua mãe. O rapaz era "Edinho", cujo nome completo era Édimo França, que fez, em Natal, no ano de 1947 o Conjunto Trio Yrakitan. Ele e mais dois companheiros: Gilvan Bezerril e João Costa. Esse Conjunto ainda hoje faz fama em todo o Brasil. Edinho morreu em 1961. Na frente da casa de tia Laura, no mesmo prédio, havia uma doceteria onde ela vendia bolos e doces a toda vizinhança. Para se entrar na casa, seguia-se pelo amplo beco e abria-se uma porta um pouco afastada, no próprio beco e, então, entrava-se na sala de jantar. No restante da casa, ia-se por um corredor até chegar a doceteria. Nas demais partes do terreno, tinham fruteiras, às mais diversas, quando a casa findava. Não sei se o meu tio comprou esta habitação pronta ou se mandou fazer ao seu bom gosto e estilo. Na verdade, tinha-se na família Leandro pessoas que gostavam de fazer as suas próprias casas, como era o caso de José Leandro, sem falar no meu avô. Os demais tios, eu não conheci de perto, portanto não sei dizer algo a respeito. De homens, a Família Leandro tinha dez. Em Natal, moravam apenas três, se levarmos em conta Miguel Leandro Filho. Do mesmo modo, sabia-se que moravam fora do Estado, Cícero, Basílio, Felipe, Euzébio, Jairo e Paulo. Pois, como eu me lembro, depois da morte de tio Crispim, a viuva dedicou-se ao feitio de bolos e doces. Aos domingos, tia Laura costumava ir à Matriz de Nossa Senhora da Apresentação, padroeira da cidade assistir missa e comungar. E era hábito, dona Bela, mãe de tia Laura, ir diariamente a Catedral para assistir missas. De certo, Crispim também era religioso, pois o seu pai, Miguel Leandro, o era, ardente e fervoroso. Sobre a vivência de Crispim, minha mãe pouco falava, a não ser de que ele era um ótimo irmão, fazedor dos deveres de casa das irmãs mais novas, como Leonor e a própria Reinéria que todos os irmãos chamavam de Nera. Ele ensinava às meninas fazer conta e a caligrafia, além de história e geografia. De volta ao tempo, sei bem que a minha mãe - Néra - sempre passava na doceteria de Laura, quando conversavam amenidades uma boa parte do tempo. Bem perto daquela casa, pela Rua Felipe Camarão, havia umas três ou quatro casas pequenas, tipo "cachorro de cócoras", com a queda d'água para frente e para trás, todas elas habitadas por gente simples que, talvez pagassem aluguel. Em uma delas, residia um enfermeiro empregado da Saúde Publica: Manoel Enfermeiro era assim conhecido. Eu sempre estive em sua casa ou, se não, ele ia até onde eu morava, no Tirol, para aplicar injeção de Bronco Leber, pois eu sofria de cansaço - asma -.
Tia Laura era mãe de um garoto, fruto da união com Crispim. Creio eu que, naquele tempo, em 1947, José Rinaldo - era o seu nome - já estava com seus 15 anos. Sempre o encontrava quando ele vinha do Colégio Marista, batendo uma bola de futebol. Minha tia se sentia desencantada com a atitude de José Rinaldo em querer somente jogar bola e sempre dizia que ele não tinha progresso nos estudos. Com o decorrer do tempo, José Rinaldo foi Tabelião de um Cartório em São José do Mipibú. Com certeza, o bater bola de Rinaldo era um passa-tempo de todos os jovens. Por exemplo, tia Anunciada tinha um filho - Jubal - que gostava de bater bola até que um dia, assistindo a um jogo no Campo de Futebol "Juvenal Lamartine", no Tirol, um jogador acertou uma bola no alambrado que protegia o gramado do campo e pegou em cheio a cabeça de Jubal, pondo-lhe desacordado. Coisas de futebol. Eu perguntava à minha mãe como era Crispim e ela dizia ser um "ótimo rapaz". Porém, nunca falou sobre sua morte ou do que ele morreu, na verdade. Uma coisa é certa: Crispim tinha 37 anos de idade no dia do seu falecimento. Pelo que eu soube, ele foi um dos tais que pegou na alça do caixão quando o seu pai morreu. Ele era um tipo belo e forte, quando em vida. E foi Crispim quem substituiu Miguel Leandro no 1º Cartório, pois, nesse tempo, ele já estava como Tabelião Substituto. Dois outros filhos de Miguel Leandro, também trabalhavam no Cartório. Ainda hoje, quando se procura um atestado de antes do ano de 1935, encontra-se uma esmerada caligrafia que foi feita por Crispim Leandro. Seu nome, na verdade, era Chrispim. Nome escrito na antiga ortografia da Língua Portuguesa. Ele estudou até o segundo grau completo. Não sei por que ele não continuou os estudos para se formar doutor. Todavia, era um homem de bom saber. Culto, por assim dizer. Igual ao pai, Miguel. A sabedoria da família Leandro vem do berço. Talvez o avô de Crispim fosse mais sábio do que o seu próprio pai. Assim, são as eras!
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