terça-feira, 15 de dezembro de 2009

RIBEIRA - 405

- AMARGO AMANHECER -

A cidade estava calma naquelas horas perto do amanhecer. No Mercado Público do bairro da Cidade, os vendedores de café e frutas começavam a chegar. Com pouco mais, estava tudo cheio de fregueses habituais. Nas ruas, não havia quase ninguem. A não ser os ébrios que dormiam na calçada do Beco. Mais à frente, na antiga Praça da Alegria, bem no centro da cidade, como muitos populares ainda a achamavam, era tudo paz, de uma tranquilidade de maio. Bem próximo, a Matriz era silêncio. Os trilhos do Bonde dormiam calados. Pela rua a fora, não havia quase um só vivente e os guardas-noturnos davam os seus últimos apitos distantes de advertência. Eram três horas da madrugada. O silêncio foi quebrado pelo repicar das horas do certo relógio da Catedral. Porém, quase não se ouvia. O sono era calmo e profundo naquele instante para todos que trabalhavam pela manhã. Não fora o tamanho silêncio, Néra, acordada ao pé da cama sentiu o último suspirar do seu velho pai. Ela recostou a cabeça do homem em posição de que já esperava aquele sinal.

--- Morreu! - disse Néra.

A sua mãe estava do lado oposto da cama onde estava deitado Miguel. Olhou com imensa tristeza e o beijou na testa. Lágrimas rolaram dos seus olhos sombrios um tanto cansados de uma destemida mulher, sofrida pois já estava ali por mais de uma semana. Ouvia-se o copioso choro dolente de uma moça que estava de pé, logo atrás, ao pé da cama feita de madeira resistente de marfim, enfeites ornados pelo marceneiro que a teceu, segura demais para alguém que não precisava mais daquele cômodo. Duas mulheres entraram as presas e recolheram os panos que estavam jogados a um canto de parede. A porta do quarto estava entreaberta. Um rapaz dos seus trinta e três anos despertou da cadeira onde adormecera quando alguém lhe puxou de leve pelo braço.

--- Seu pai morreu!! - disse uma das mulheres que faziam "quarto" ao moribundo.

--- Que? - disse o rapaz ao despertar por completo.

Néra voltou-se para sentir por mais uma vez se o que ela dissera estava certo. O ar imperante no quarto era preso de um cheiro desagradavel, pois o velho Miguel, de 68 anos, passara todo esse tempo com uma diarréia desprezível e mortal. Por muitas horas, durante os dias que ele, Néra ficara alí, a trocar os panos fétidos do seu pai que os sujara constantemente. O velho já era franzino e, com a doença, ainda mais ficou esquálido.

--- Uva! Desde o dia que chupou aquelas uvas!...- comentou Néra.

A porta da frente da casa se abriu e Anunciada entrou, lacrimejando os seus olhos, apressando os passos, mesmo sendo baixinha e rechonchuda como a sua mãe. Por entre os que iam e vinham ela passou e entrou de imediato no quarto onde estava deitado Miguel. Dentro do recinto, as mulheres estavam passando o pano no chão enquanto outras, as filhas, tratavam de por o velho em posição mais aconchegado, como se adiantasse para o morto qualquer jeito. Miguel, o filho do velho, mais jovem de todos, estava às copiosas lágrimas enquanto que outro, Crispim, relutava e dizia que era melhor ele ir, de imediato, falar com o padre da Matriz para tocar o sino, como era de costume se fazer quando morria um cristão e dizer-lhe para que ele viesse encomendar o corpo. Chorando, Miguel concordou com o que lhe dissera Crispim. Três horas. Era muito cedo. Mas, o padre chegaria para a Missa das quatro horas da manhã. Mesmo sendo cedo, ele concordou em ir. Esperaria certo tempo, porém, daria o recado de Crispim. Euzébio, também seu irmão, falou para Crispim que era oportuno se ir chamar o médico, pois o clínico era quem podia dar o atestado de óbito para que o documento fosse levado ao Cartório. E então, Crispim concordou com o que lhe dissera o irmão. Era um entra e sai que se formava no corredor da casa, na esquina da rua da Estrela, como estava sendo chamada por uns tempos atrás, pois ninguém ainda respeitava chamar Rua José de Alencar aquela artéria. Com o traçado das ruas em Natal, estava aberta a Rua Apodí que permitia fazer esquina com a Rua José de Alencar ou Rua da Estrela, durante esse ano. Portanto, era Rua da Estrela, para a maioria.

O tempo corria sem parar como um trem que vai de um canto a outro. Eram 3h30 da manhã. Néra já se preparava para sair e ir até à sua casa, na Rua Camboim, estreita, logo à frente, duas esquinas, coisa de cem metros. Ela deixou o quarto onde estava seu pai, ficando lá a sua mãe e outras irmãs e pessoas que faziam "quarto". Saiu ligeiro e foi até a cozinha fazer qualquer coisa. Uma xicara de café. Porém nem sabia o que fazer. Aqueles dias lhe deixaram tão atarantada que até mesmo tomar café ela nem se lembrava. Todos os que passavam no quarto de dormir era para dar somente uma olhada no velho e, depois, sair. Quem ficava mais era a irmã de Néra, Anunciada, e a sua mãe. Crispim, até aquele dia, se ocupava mais com o Cartório, onde era Tabelião-substituto, ao lado de Euzébio que fazia escriturações e terrenos e casas foreiras. Pela madrugada do dia 21 de maio de 1935, a coisa tomou um novo rumo. Desde a noite do dia anterior que a família dizia em voz baixa:

--- Ele tá muito mal! - voz de alguém.

--- Se Deus quiser, vai ficar bom! - diziam outros.

--- Tomara! - respondiam uns mais.

A casa do velho Miguel, Tabelião Público do 1º Cartório Judiciário, se enchia de gente a todo instante, como que parecia que o anúncio correu o mundo. Uns perguntavam em voz baixa como quem não queria acreditar:

--- Tá melhor? - perguntava um.

--- Morreu! - respondia outro.

--- Deus tenha misericordia de sua alma! - dizia por fim o primeiro.

De imediato, havia choro e ranger de dentes.

--- Naõ pode! Não pode! Não pode! - era o que o povo dizia.

Na cozinha, estava Néra e mais algumas pessoas, inclusive a lavadeira de roupa e um rapaz de nome Rapa-Coco. O seu nome verdadeiro era Antônio Patrício. Em instantes, Rapa-Coco recebeu órdens de procurar uma urna mortuária, a melhor que tivesse. A peça estava na garagem que se fazia oficina de marceneiro onde o velho Miguel guardava todas as urnas para quem precisasse comprar. Quem deu ordem a Rapa-Coco foi Crispim. Ele saiu, correndo, da cozinha para a garagem. Cada qual sentia o desprazer de estar alí naquele instante. A morte rondava o ambiente com seu véu negro. Coisas que nunca se pensa. Mas, a morte está alí. Toda coberta de escuro. De imediato, uma voz chamou:

--- Néra!!! - a voz de uma irmã.

--- Já vou! - respondeu Néra.

--- É tua mãe! - disse a irmã, novamente.

Néra saiu apressada até o quarto de dormir onde estava Estefânia, a sua mãe. A mulher se continha para não chorar demais, porém percebia-se em seu olhos lágrimas sentidas. O morto era tão somente o seu marido, Miguel Leandro. Mesmo assim, Estefânia procurava se poupar no pranto. Quando a sua filha, Néra, entrou no quarto, recebeu um uniforme todo escuro para vestir totalmente o morto. O melhor uniforme que ele havia comprado para a celebração da morte de Cristo, naquele ano.

--- Mande passar ferro nesse! - disse Estefânia, mulher dos 61 anos, com a sua voz presa e quase sem se entender.

Néra saiu do quarto enqunto Anunciada, a irmã mais velha de todas as mulheres da casa, arranjava uma bacia e pegava umas basas que dona Chiquinha lhe trouxera, alí pôs um tanto de incenso para encobrir o forte odor que imperava no ambiente. No último final de hora Miguel Leandro já nem evacuava mais como fizera logo no começo da moléstia que o acometera. Com pouco momento Crispim entrou no quarto vendo Lenor, sua irmã, que estava agachachada guardando um saco de roupas que rolara pelo chão no guarda-roupa colossal feito em madeira de marfim, igualmente como a cama, na qual o velho ainda estava. A mãe de Leonor arrumava os lençóis, com os olhos em pranto que quase impedia o homem de falar. Mesmo assim. ele disse:

--- Mamãe, o caixão está no corredor. - disse Crispim.

A sua mãe fez um gesto de que não era preciso naquela hora. Estava-se esperando o médico para os exames finais. Crispim entendeu e se voltou para sair, topando com Rapa-Coco que já estava pronto para entrar com o ataúde. E Crispim disse-lhe:

--- Volta! Agora, não! - falou Crispim.

Rapa-Coco voltou com o ataúde e ainda perguntou a Crispim, de modo alheio.

--- Lá para baixo? - perguntou Rapa-Coco.

--- É.É.É. - respondeu Crispim como não querendo dizer coisa alguma.

Quando bateu às 4 horas se ouviu soar as quatro badaladas do sino da Matriz. Para alguém da casa, já era um prenúncio de que estava perto da hora do padre chegar. Porém, o sacerdote ainda tinha que celebrar a missa das 4 horas. Ouvido atento e em seguida soou o repicar do sino em compasso lento. O sino batia uma vez e parava. Depois, batia duas vezes, quase em seguida. O sinal de silêncio do ressoar fúnebre. Nesse instante, quem ouviu ficou mais atento ainda com a impressão de que alguém havia falecido. Talvez uma pessoa por demais importante;

--- O sino!!! - disse, baixinho, no quarto, uma mulher ao marido em sua cama de casal.

--- Estou ouvindo! - respondeu o homem, preocupado.

--- Gente importante!!! - comentou a mulher.

--- Provavelmente! - concluiu o homem.

Na casa de Miguel Leandro tudo era feito para deixar o corpo do morto pronto para ser examinado pelo médico, Dr. Varela Santiago que há uma hora foi ser chamado pelo filho Eusébio que àquela hora ainda não teria voltado. De qualquer jeito, o médico morava longe, na Rua Trairy. Somente ele daria o atestado, pois estava tratando do homem durante todos aqueles dias. Além do mais era um médico de alto conceito e respeitado por todos na cidade.

Na rua, pouca gente se movia para os seus destinos. Na Rua João Pessoa, dois cabeceiros com seus balaios nos seus ombros caminhavam às pressas para o Mercado Público que não tardava abrir. Duas mulheres dos seus sessenta anos caminhavam igualmente às pressas para chegar a Catedral, onde pegariam pelo menos o sermão do padre e a consagração do corpo de Cristo. Enfim, toda a missa era rezada em Latim, coisa que elas não sabiam, mas compreendiam bem. Os Bondes ainda não trafegavam. Nem para o bairro da Ribeira. Seus trilhos, o caminho dos Bondes, estavam a dormir, pacatos e silenciosos. As casas, ao longo da Rua João Pessoa estavam fechadas e os seus donos com certeza a dormir. O Bilhar Grande Ponto estava fechado. Dois ébrios dormiam sentados em sua calçada. Esse era o movimento da Cidade naquela madrugada de maio. Perto dalí, ficava a Rua da Estrela ou mais preciso Rua José de Alencar, nome novo para uma rua antiga. A rua nascia no cruzamento da Rua João Pessoa. Um vento forte e frio soprou ao longo da Rua João Pessoa fazendo tudo estremecer de forma intempestiva. Na casa de número 772 da Rua da Estrela, o movimento crescia. Naquele instante de dor e de saudde já estava alí a filha do velho Miguel chamada Alice em prantos perenes como quem dizia:

--- Meu pai! Meu paisinho! Não vá embora! - dizia Alice que todos chamavam de "Minha".

Fazia três meses que ela se casara com Antônio de Castro Bezerra em uma cerimônia simples. Ele era da Polícia Militar. Ela viera para saber do estado de saude já um tanto debilitado do seu pai quando teve a triste noticia do seu passamento. Era dor demais para Alice. A dor de perder seu pai. Sua mão estava ao lado, cuidando de guardar os lençóis e roupas que estavam espalhadas pelo cômodo do quarto de dormir. Lembraças douradas de quanto tempo eram transpostas desde que Miguel a conhecera. Do casamento. Primeiros filhos, amarguras de perder o que havia nascido. Mudanças, oficinas, caixões, altares, ornamentos, tempos de outrora enfim. Tudo acabado assim de repente. Só as lágrimas sentidas sobravam-lhe naquele doido instante. Tempos de ternura, afagos, lamentos, viagens, fotos, filhos, outros que se foram, compadres, comadres, amigos. O que restava eram lembranças amargas de um triste e cruel amanhecer.

--- Onde está Miguel? - perguntou Estefânia de forma baixa e dolente.

--- Deve estar chegando. - respondeu Leonor aquela que todos chamavam Nousa.

--- Pra onde ele foi? - voltou a indagar Estefânia com voz de eterno lamento.

--- Foi chamar o padre! O sino! A senhora ouve? - perguntou Leonor.

--- Mas ele devia estar aqui! - lamentou Estefânia.

--- Ele vem já - resmungou Leonor.

Nesse instante, entrou no quarto, Crispim, para saber de sua mãe se ela queria café. Ela respondeu que "não". Mesmo assim, ele insistiu, pois já era quase manhã. e ela não tomara coisa alguma para reconfortar. E pediu a dona Chiquinha que a fizesse tomar café quente.

--- Já disse que não. - respondeu Estefania.

--- Tome, por favor. Esquenta a senhora. - respondeu de forma meiga o seu filho Crispim.

Com dona Chiquinha perto de entornar o café em suas vestes, Estefânia impôs a não beber a xicara de café apesar de estar sendo oferecida por se filho.Dona Chiquinha se virou para Crispim e perguntou:

--- Que faço? - voz de dona Chiquinha.

--- Deixe que eu darei para que ela sorva! - respondeu Crispim.

A mulher lhe passou a bandeja e Crispim, com muita calma, sentou à beira da cama, com cuidado para não tocar em seu pai e fez agrado em sua mãe de forma que ela sorveu a xicara de café quentinho. Por um instante, Crispim sossegou.

Um tempo depois surgiu na porta do quarto o rapaz Miguel, filho do velho Miguel, anunciando que tinha dado o recado a Padre e que o sino da Igreja já repicava. Ao dizer tal acontecimento, vendo o seu pai estirado na cama, Miguel se encheu de copiosas lágrimas como um garoto perdido em meio da multidão. Aquilo aborreceu até a Crispim que mandou ele se aquietar, pois seu pai estava dormindo o sono dos justos. O padre chegaria depois das 7 horas quando celebrasse a última Missa do dia.

--- Te acalma, menino. Assim tu incomoda até tua mãe. Ele está em justa paz. - comentou Crispim.

Masmo assim, o rapaz não se conteve. Chorava ainda mais, dizendo:

--- Paisinho! Por que fostes embora? - dizia, em prantos, o rapaz ao lado de sua irmã, Alice, que também pranteava a dor de todos.

Às 5 horas da manhã, Euzébio esperava com calma incontida a presença do médico, enquanto sentava em sua calçada. Um jardineiro apareceu, aguando as plantas o que fez Euzébio de imediato se levantar e perguntar pelo médico Varela Santiago. O moço respondeu:

--- Ele ainda dorme, moço! - disse o jardineiro.

--- É que eu tenho um recado urgente para ele! - disse Euzébio.

--- O senhor vai ter que esperar que ele acorde! - respondeu o jardineiro.

Nesse mesmo tempo, a janela do primeiro andar do sobrado se abriu e de lá, Euzébio viu o rosto do Dr. Varela Santiago. Não esperando mais, ele disse:

---Doutor Varela! Nós precisamos que o senhor vá até nossa casa! - falou Zebinho.

--- Quem é você? - perguntou o médico.

--- Euzébio, filho de Miguel Leandro! Ele morreu, hoje! - respondeu Zebinho.

--- Está bem. Chego já. Pode me esperar em casa! - respondeu doutor Varela.

Euzebio agradeceu e rumou para a sua distante casa, quase que correndo, passando pelos matos crescidos no meio do caminho.

Nesse mesmo instante, com o dia claro, Néra, passando entre o povo próximo que se fazia presente, principalmente irmãs e sobrinhos, desceu os batentes da casa e rumou em frente, dobrando no beco da rua e seguindo, passando pela Av. Deodoro, cruzando umas casas baixas que ela nem notara por saber que os casebres existiam alí, dobrou na próxima esquina da rua Camboim e tomou o rumo de sua casa, pequena e pobre como eram todas as casas daquela rua. Nem precisou bater, pois João, o seu marido, já havia deixado encostada a porta serrada ao meio com o ferrolho somente trancando a parte de baixo da porta. Desse modo, Néra não teve maiores problemas para entrar em sua casa. Ao abrir a parte de baixo, viu logo a presença de João (que o chamavam de Professor). Então, seu marido veio ajudá-la a abrir o que não foi preciso. João perguntou como estava o velho Miguel, apesarde ter ouvido o sino da matriz repicar dolente durante a madrugada e até àquela hora, pois o rapaz Miguel disse ao Padre que deixar-se repicar por diversas horas, ou mesmo o dia inteiro.

--- Morreu! - respondeu Néra.

--- Ele estava mal. - comentou com precaução o Professor.

--- Morreu como um passarinho. - disse Néra.

--- E você viu? - perguntou João.

--- Ele morreu nas minhas mãos. Mamãe nem percebeu. - respondeu Néra se encaminhando para o interior da velha casa a procura do banheiro com seu marido seguindo de perto.

--- Você vai voltar logo? - perguntou o professor.

--- Vim tomar banho, mudar de roupa. ...Estou imunda! - justificou Néra.

--- Paciência! Eu vou com você. Agora é preparar o enterro. - falou João

--- Nem me fale! O povo está chorando. Miguel, Alice, mamae, Anunciada. - replicou Néra.

--- Nem diga nada. Vai ser um temor! E o médico? - indagou João.

Nesse ponto, Néra já entrara no banheiro. A porta, ela trancou por dentro. Com isso, João voltou para o birô na sala de entrada onde tinha um grande quadro negro, uma estante de livros entre outros objetos.Tão logo ele puxou a cadeira aproveitando para arrumar os livros espalhados pelo birô. Há algum tempo ele sofrera o mesmo mal, quando sua primeira mulher havia morrido. Foi um sufoco. Padre, médico, caixão, enterro, abrir cova, ir ao cemitério. E ele tudo isso sozinho. Nem queria pensar em outro sepultamento. Lembrou que não vira sinal de pranto nos olhos de Reinéria, como ele a tratava, pois na casa de seu pai todos a chamavam de Néra, fato que ele não fazia. Lembrou, apenas que ela não falou em todos os irmãos: João, José, Nenen que era Iracy, Justa, Paulo. Esse pessoal deveria ser avisado. E havia Cícero, Felipe, Jairo que moravam em outros Estados. Devia-se passar, pelo menos, um telegrama contando o fato, pensava João Álvares, o Professor. E o Correio demorava entregar um telegrama, mesmo sendo expresso. Talvez, eles tomassem conhecimento apenas no dia seguinte.

Às 7 horas, o médicou chegou a casa de Miguel Leandro. Cumprimentou os presentes e foi convidado por Euzébio a entrar no quarto de casal onde estava o morto. A sua viúva, Estefânia, estava presente e mais umas três pessoas. Talvez Crispim, Anunciada e um rapaz bem moço. De imediato, Dr. Varela Santiago auscultou o morto para certificar-se que estava verdadeiramente morto, verificando coração e pulmão. Ele já sabia que Miguel não suportaria por mais tempo aquela aflitiva doença. Passou a espátula na lingua que já apresentava rigidez cadavérica. Depois de um tempo e perguntas técnicas ele pediu um local para escrever o certificado de óbito. E isso lhe foi dado, na sala de entrada, onde havia um birô.. Como ele era o médico do falecido não teve problema em precisar levar para o necrotério. Alí mesmo o Dr Varela Santiago atestou dizendo que o morto foi vitimado por disenteria amebiana. Esse foi o atestado de óbito feito em plena casa de Miguel Leandro. Passado algum tempo a mais ele foi cumprimentar a lutuosa viúva:

--- Aceite meus pêsames! Ele foi forte.E uma doença letal. Deus tenha piedade de sua alma, é o que eu desejo. - pontuou Varela Santiago.

O pranto caiu em peso por parte de todos os circunstantes.

Às 4 horas da tarde o séquito saía da Rua José de Alencar, a Rua da Estrela, em direção ao Cemitério do Alecrim. Toda a rua próxima ficou tomada de gente. Uns, chorando. Outros se perguntando como tal fato aconteceu com o velho e nem tão velho assim. Miguel Leandro dormia o seu último momento na Terra. Alguém perguntava:

--- De que ele morreu? - uma voz.

Outos respondiam:

--- Dos intestinos! - voz de outro.

--- Coitado! -respondia alguém.

Era uma verdadeira multidão. Muitos ficaram a soluçar na calçada das casas em frente. Um homem velho olhava tudo, entristecido. Uma mulher, chorava.Uma criança apontava o coche. Uns poucos seguiram o cortejo a pé. Na frente de tudo, escoltava o Carro Fúnebre, todo ornado com cortinas negras e franjas douradas adornando toda a lateral do imponente veículo, seguindo lento e vagaroso, impondo a sua marchaaos que vinham depois. Decorado com grinaldas por seus ambientes laterais e atrás, o carro caminhava. Havia além do mais, grinaldas e flores cobrindo o esquife. Nele, apenas o séquito do morto em um ataúde negro com franjas de prata, cheio e misteriosas brumas entristecidas como a caleça. A carruagem, dirigida por um motorista todo vestido de negro com um auxiliar também trajando preto ao seu lado. Após o veículo, escoltava outro, trazendo na frente, além do motorista, Crispim Leandro, filho do morto, trajando roupa negra e chapéu escuro. No mesmo auto, estavam Miguel, o filho; a viúva Estefãnia Leandro e sua filha Leonor, única solteira de todas mulheres da raiz Leandro.Mas atrás, em outras viaturas, mais familiares. Eram cerca de vinte nomes da linhagem de Miguel Leandro, entre filhos e netos. Prasentes também os amigos fraternos da família e seus íntimos parentes e pessoas de seu relacionamento, inclusive o padre. Na Catedral, o sinal do badalar do sino em um compasso mórbido de dor e de perda para sempre eterna de um bom homem e pai que já repousava em paz depois de tanto sofrer. A sua viúva igualmente em trajes negros, trazia uma mantilha encobrindo o rosto enlutado. Para ela, nada fari a maior sofrer depois daquela separação padecida de um elo que lhe trouxera inacabaveias alégrias. Aquele era um dia que só lhe restava entender que lhe trouxera um amargo amanhecer.

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